HCN regista aumento de casos de crianças autistas

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Nampula (IKWELI) – A maior unidade sanitária da região norte de Moçambique, o Hospital central de Nampula (HCN), registou um aumento de casos de crianças que deram entrada com a condição de autista. Só no primeiro trimestre do presente ano, foram registados um total de 34 pacientes contra 17 do mesmo período do ano passado.

Em entrevista ao Ikweli, o Terapeuta de Fala do HCN, Ilídio Nhancale, revelou que o grosso número de entrada tem sido crianças do sexo masculino, em 2023 foram registados 10 homens e 7 mulheres e no presente ano, 20 contra 14.

Ilídio Nhancale explicou que autismo é uma condição neuro-psiquiatra, caracterizada por dificuldades na interacção social, limitação na comunicação e comportamentos repetitivos por parte da pessoa autista que muitas vezes é identificado na infância entre um ano e meio e três anos. No entanto, os sinais iniciais aparecem nos primeiros meses de vida.

No entanto, segundo Nhancale, muitos pais encaminham seus filhos com essa condição muito tarde, com 7 ou mais anos de vida, talvez muitas vezes por desconhecimento da situação.

Contudo, o aumento de casos no presente foi graças as campanhas através de brigadas móveis e divulgação a nível da imprensa.

Nhancale fez saber que, após o registo, as crianças com a condição de autismo assim como os pais são encaminhadas a um atendimento multidisciplinar que envolve a psicólogos, nutricionistas, assim como terapeuta de fala.

“A família também entra no processo de tratamento com o psicólogo, porque normalmente quando as mães ficam grávidas estão à espera de uma criança perfeita e de repente são abençoadas com uma com essa condição acaba sendo difícil de aceitar e lidar. O terapeuta de fala tem as suas estratégias desde actividades, aconselhamentos se as crianças tiverem alteração a nível da nutrição, entramos em contacto com os nutricionistas para ver se há necessidade de dar alguns suplementos complementares, se a criança não for bem nutrida é lógico que poderá afectar o cérebro”, anotou o nosso entrevistado.

O terapeuta de fala explicou que uma criança com a condição de autismo necessita de uma maior atenção, no sentido de as pessoas que estão ao redor dela percebam que não devem pressioná-la ou expô-las a situações desconfortáveis.

“Uma criança autista é aquela que tu não podes incutir actividades sem que ela queira, tens que entrar no mundo dela, ela habituar-se a pessoa, porque elas estão habituadas a ficarem isoladas e quando carregas a força ela te marca e não te quer ver mais”.

A fonte revelou que o HCN registou, igualmente, alguns casos de pais que desistiram do tratamento por ser longo, uma vez que as sessões obrigam um acompanhamento rígido, pois a terapia de fala leva em média 30 minutos e é feita três vezes por dia durante três meses.

“O tratamento do autismo é muito longo, e porque maior parte são crianças ou filhos de pais que vivem em situação de conflito e as mães devem largar tudo ou arranjar baba para pagar e vir as sessões ou talvez eles desistem por causa da condição social, podemos ligar e a justificativa ser que estão na machamba”.

Ao nível da província de Nampula há apenas dois terapeutas de fala para dar cobertura ao número de crianças que dão entrada com a condição de autismo, visto que muitas vezes são pacientes que saem dos distritos para seguir com o tratamento no HCN.

Tal situação tem vindo a limitar o trabalho dos terapeutas, “esse tipo de anormalidades ainda não está bem consciencializada na população moçambicana, porque era subnotificada, é claro que trabalhamos em equipa, mas aquelas estas não se faziam sentir muito porque limitavam-se a fazer a parte deles e depois não associavam a outras áreas porque não existia e as pessoas acabavam por desacreditar que poderiam ter algum sucesso com o tratamento do autismo e desistem”.

Falta equipamento no HCN para terapia de fala

O especialista em terapia de fala do HCN revelou ainda que o hospital carece de um espaço condigno, assim como de materiais suficientes para ajudar crianças autistas no processo do tratamento como é o caso de kits de brinquedos de estimulação.

Apesar disso, chama atenção aos pais para encaminhar os seus filhos a unidade sanitária assim que notar algum comportamento diferente como o isolamento, movimentos repetitivos entre outros sinais.

“Estou a falar de brinquedos de estimulação oral, cadernos de caligrafia, um espaço próprio para que as crianças possam sentir-se à-vontade, precisamos disso. A população deve aderir a esse tipo de tratamento se for a verificar algumas condições estranhas na criança, é preciso prestar atenção nelas e se notarmos alguma situação mais cedo possível aproximar ao hospital, é claro que o autismo não tem cura, é uma condição que a criança vai ter, mas quanto mais precoce for o tratamento, melhor será, para ter uma vida como ir à escola, fazer actividades do dia-a-dia”.

Mas também, apela aos profissionais de saúde em geral no sentido de fazerem mais campanhas de sensibilização e ressalta a necessidade de todos compreenderem o autismo, para que consigam identificar os primeiros sinais por forma a encaminhar os pacientes aos especialistas com vista a ter um acompanhamento adequado.

Mãe em Nampula partilha o dia-a-dia do filho autista

Ercília Joaquim é mãe de uma criança autista, a mesma contou ao Ikweli que descobriu a condição do filho quando tinha sete meses de vida, pois o menino não manifestava interesse em brincar, andar como também dizer a famosa palavra que todas as mães ouvem quando começam a desenvolver a fala “papá”.

Na altura, pensou que tratava-se de um atraso normal, no entanto, com um ano e três meses, Ercília notou que o menino apresentava alguns movimentos repetitivos e irritava-se facilmente.

“Meu filho começou a andar com um ano e três meses, fui notando que ele não gostava de barulho, ficava irritado com muita facilidade e eu não percebia porque, o parto dele foi normal, não tive complicações e ele não chegou a ter malária. Quando fui ao hospital e me chega esse diagnóstico de que ele tem esse distúrbio. Conheci o terapeuta Ilídio e passei a seguir com o tratamento”.

Hoje com nove anos de idade, Ercília diz que a escolinha teve um papel significativo no desenvolvimento do filho, isso porque o mesmo aprendeu a desenvolver algumas práticas como comer sozinho.

“Na escolinha diziam que ele come, um dia fizeram vídeo e me enviaram, mas em casa ele não aceitava. O doutor Ilídio é que fazia acompanhamento dele na escolinha, pouco tempo depois passou a comer sozinho em casa, ir  a casa de banho, No ano passado com ajuda começou a tentar tirar e vestir a roupa sozinho para tomar banho, mas com apoio da terapia de fala porque o que ele fazia lá tínhamos que replicar em casa”.

Apesar de haver algum avanço, Ercília disse que é um processo que requer muita paciência.

“É triste, porque por vezes ele ou nós queremos nos comunicar com o menino, mas ele tem dificuldades, graças a Deus que em casa há uma boa relação, todos conseguem lidar, por acaso está muito aconchegado”.

“Governo deve construir escolas apropriadas para acolher alunos com autismo”

No ano passado, a responsável pelo menor decidiu matricular o filho numa escola pública que se encontrava próximo de casa, no entanto, por falta de seguimento no processo de ensino aprendizagem por parte dos professores, decidiu não inscreve-lo no presente ano.

“Por ser público não há aquele seguimento adequado. Ele ficou todo ano passado,  mas neste, fiquei com o menino em casa, já ouvi dizer que na escola primária parque popular tem uma sala que ajuda esses casos, mas ainda não fui lá ver, este ano já esta perdido, irei a escola para me informar melhor para próximo ano colocá-lo”.

“O governo deve ter mais atenção porque há muitos casos desses e se tivesse uma escola apropriada para acolher essas crianças, porque nem todos temos a possibilidade de levar os nossos filhos para escolas privadas por conta dos custos”.

Locais como mercado, shopping entre outros que apresentam maior número de pessoas aglomeradas não satisfaziam o menino por conta do “barulho”, no entanto, a Ercília mostrou o seu descontentamento quando notou que alguns crentes na igreja desprezavam o filho por causa da condição.

“Lembro-me que uma vez a irmã levou-lhe a igreja e um jovem vizinho por sinal, falou para ela para não levar mais a criança porque não está bem da cabeça, eu disse para a irmã não ligar porque ele tem o direito de estar em todos os lugares”.

Ercília apela outras mães com filhos nas mesmas condições a não desistir, pois os mesmos precisam de apoio e calor de uma família, “seja forte, tudo se ultrapassa, vamos olhar para elas como crianças incríveis e inteligentes”.

Já o conceituado artista mais conhecido na arena musical como Dj Faya assinou em Maio de 2022 um memorando de entendimento com a única Associação Moçambicana de Autismo denominada por AMA, com o objectivo de promover os direitos das pessoas com autismo.

Em entrevista ao Ikweli, Faya disse que se juntou a associação por considerar um movimento importante para as crianças, assim como famílias que sofrem com a condição do autismo.

“Acredito que foi um destino de Deus, assinamos um memorando há uns anitos atrás, para apoiar na disseminação de informação sobre o autismo, o respeito e sobretudo a necessidade de tentar criar uma inclusão junto de quem sofre deste transtorno. Qualquer pessoa tem o dever de apoiar qualquer causa que exista no mundo, sendo que somos todos iguais e merecemos o mesmo tratamento”.

Refira-se que, as fontes falavam no âmbito das celebrações do dia Mundial de Conscientização do Autismo que se celebrou no passado dia 2 do corrente mês, sob o lema “Valorize as capacidades e Respeite os Limites”.

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 70 milhões de pessoas vivem na condição de autismo.

 O Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi criado pela ONU em 2007 e a data foi instituída com o objectivo de levar informação à população para a redução da discriminação e preconceito contra os indivíduos que apresentam transtornos. (Ângela da Fonseca)

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