Nampula (IKWELI) – O mês de Dezembro de 2024 nunca sairá da mente dos cidadãos da cidade de Nampula, a conhecida capital do norte do País, sobretudo, para os residentes do famoso bairro de Namicopo, onde no dia 23 foi mais um palco de vandalizações, saques e destruição de infraestruturas públicas e privadas durante as manifestações na fase turbo V8 convocadas pelo ex-candidato presidencial, Venâncio Mondlane, em protestos aos resultados divulgados pelo Conselho Constitucional que indicam vitória do actual presidente, Daniel Chapo.
Foi nessa data em que várias infraestruturas públicas e privadas, como postos policiais, postos administrativos, estabelecimentos comerciais, bem como centros de saúde foram vandalizadas e reduzidas a cinza por supostos manifestantes sem “dó e nem piedade”.
Nesta edição, o Ikweli irá destacar o Centro de Saúde de Namicopo, que não foi poupado, uma vez que foram roubados do local, camas, marquesas, equipamentos hospitalares e medicamentos.
Apesar de não ter sido incendiado, o local encontra-se irreconhecível, pois, a imagem que se vislumbra é de total abandono, sendo que o único cenário que se pode admirar é de corredores cobertos de processos que pertenciam aos doentes que eram atendidos naquela unidade sanitária.
São processos que jamais poderão ser recuperados, uma vez que, para além de terem sido reduzidos a cinzas, outros foram colocados no lixo, invalidando todo o esforço empreendido para abertura de tais documentos e colocando os pacientes numa situação de incerteza quanto ao futuro.
Para além de crianças, o local que outrora recebia pacientes do bairro mais populoso de Moçambique, passou a ser um espaço onde diariamente é usado como via alternativa para chegar a um determinado ponto. Mas também, os residentes e curiosos aproveitam para apreciar de perto os estragos feitos pelos manifestantes, como se de uma novela se tratasse.
No entanto, é uma novela que não agrada os residentes daquela circunscrição geográfica, pois, alguns deles lamentam o facto de os manifestantes não terem respeitado aquele local que antes servia para ajudar os doentes do bairro e não só, e pedem desculpas pelo ocorrido.
“Não sabemos o que fazer e nem o que fazer com as crincas, principalmente nesse tempo de chuva há muita doença. Pedimos desculpas porque nem toda a gente veio vandalizar o centro, mas sim foram algumas pessoas, e as pessoas que vandalizaram levaram muita coisa e não significa que não estarão prejudicados, todos nos fomos afectados”, disse uma das residentes do bairro, Assia Faquira.
Rabia Pedro, entende que a população tem o direito de manifestar-se por algo que não esteja a favor, no entanto, condena o facto de vandalizar infraestruturas que beneficiam a sociedade.
“Hospital não é apenas para uma pessoa, mas beneficia muita gente, por exemplo nós éramos atendidos nesta unidade sanitária, não deviam fazer isso, sei que eles estiveram a fazer manifestação deles, com muita razão, mas na podiam entrar no hospital”.
E por conta disso, pedem mais uma chance ao governo local no sentido de requalificar o centro. “Estamos a pedir sinceras desculpas pelo comportamento dos nossos filhos, eles agiram muito mal e nós agora estamos a passar mal, pedimos ao governo para não desistir de nós, pedimos que olhem por nós e reorganizem o mercado”.
Vandalização do centro de saúde está a pressionar 1° de Maio

Com o centro de saúde de Namicopo vandalizado, outras unidades sanitárias como 1° de Maio e 25 de Setembro sentem-se pressionadas com a demanda de pacientes que dão entrada a procura de cuidados médicos.
Longas filas de jovens, mães com seus bebés para o peso, adolescentes e crianças é o cenário que se pode vislumbrar no centro de saúde 1° de Maio que antes, por exemplo, atendia em média cerca de 14 mil pacientes por mês, um número que depois da vandalização do Centro de Namicopo prevê-se a sua subida para mais de 20 mil doentes.
Apesar da pressão, o director adjunto do Centro de Saúde 1° de Maio, Octávio Lavieque, avançou que os serviços distritais da Saúde, Mulher e Acção fizeram uma ginástica de realocar alguns profissionais da unidade sanitária ora vandalizada de modo a flexibilizar no processo de atendimento no centro.
“Neste momento não tenho um número exato de profissionais de saúde, visto que até agora estamos a receber os colegas de Namicopo e agora estamos robustos em termos de recursos humanos para responder com a demanda. O serviço distrital está a nos apoiar bastante, o serviço provincial também no que diz respeito aos insumos, temos recebido reforço de stocks para responder aquilo que é a procura dos serviços”.
Questionado sobre os processos de pacientes que foram vandalizados e outros destruídos, a fonte respondeu nos seguintes moldes: “o seguimento em princípio é desafiador, mas de um certo modo nós acolhemos todos os pacientes como nossos e retomamos com o tratamento que era feito em Namicopo. Nós temos nossas estratégias profissionais que usamos para resgatar essas informações para perceber em quais níveis de seguimento o paciente se encontrava, mas também de um certo modo corremos para base de dados e extraímos as informações”.
Entretanto, Lavieque apela a sociedade em geral e em particular aos moradores de Namiepe que, igualmente, tentam vandalizar o seu centro, para que não o façam, “deixem esse acto de vandalizar uma unidade sanitária porque no final de tudo nós como comunidade saímos a perder”.
Juliana Sabonete, técnica de Medicina Geral do Centro de Saúde de Namicopo, que trabalhou por muitos anos na unidade sanitária vandalizada, disse ao Ikweli ter sido difícil aceitar a situação.
Actualmente como equipa de reforço no Centro de Saúde 1° Maio, a fonte revelou ser um prejuízo, uma vez que os pacientes que eram atendidos em Namicopo passaram a receber cuidados médicos em uma outra unidade sanitária.
“Para nós é uma sobrecarga. Em Namicopo a média de atendimento era de cinquenta, mas aqui chegam 100 nos serviços TARV [Tratamento Antirretroviral]. A população de Namicopo deve se arrepender, o que eles fizeram não foi boa coisa, o sofrimento é para eles mesmo, porque a distância de lá para cá não é fácil, não deviam ter feito aquilo, tinham que pensar que o prejuízo seria para eles, nós já estamos aqui a trabalhar, eles pensaram que talvez iriam prejudicar o funcionário, mas o funcionário não tem nada a ver, o hospital era da população”.
Aziza Abacar, uma idosa residente no bairro de Namicopo, encontrava-se deitada no soalho do Centro de Saúde de 1° de Maio a espera de ouvir seu nome para receber cuidados médicos. Com o semblante carregado de tristeza, a fonte condena o acto perpetrado pelos manifestantes.
“Nós eramos atendidos lá em Namicopo, agora assim é um trabalho porque estamos aqui há muito tempo não sei a que horas serei atendida, e isso é sentimental, não só para mim, mas para todo o mundo. Isso para mim não é normal, antes só saia de casa, caminhava alguns minutinhos e já estava no centro, agora é um serviço sair de lá para aqui, tenho que subir chapa-100 porque não consigo andar”.
Miguel Xavier esteve, igualmente, na fila estava a acompanhar a sua filha menor de idade que se encontra enferma e teve que sair da sua zona de conforto em busca de cuidados médicos em um outro ponto, distante da sua residência.
“Aqui é muito longe, uma pessoa até pode morrer no caminho, nós confiávamos muito naquele centro, sinto muita falta, sempre que minha filha adoecesse a levava para o centro de Namicopo, agora tenho que sair de lá, saltar linha férrea correndo riscos e imagina de noite é um perigo”.
Reabertura do centro de saúde de Namicopo refém da segurança local

O director dos serviços distritais de Saúde, Mulher e Acção Social de Nampula, Manuel Eduardo, disse ao Ikweli que a reabertura do Centro de Saúde vandalizado está refém da reposição da segurança naquele local, uma vez que não há ainda garantias de que os profissionais e a própria instalação estarão seguras após a sua requalificação.
“Enquanto manter-se insegura não vamos colocar os nossos colegas a risca, temos que preservar a vida dos nossos colegas. Se a segurança de saúde local estiver boa, nós vamos começar a entrar com componente de rever e repor tudo que foi vandalizado e dai pormos os colegas a trabalhar.
Durante a entrevista, o director distrital disse que os profissionais do Centro de Saúde de Namicopo foram redistribuídos em quatro unidades sanitárias vizinhas nomeadamente, 1° de Maio, 25 de Setembro, Muhala Expansão e Namutequeliua.
“As guias que nós demos aos colegas não dizem que estamos a transferir, mas estamos a colocar provisoriamente nas unidades para reforçarem o quadro do pessoal que existe lá para responder a demanda que vão nessas unidades sanitárias. Se as condições forem criadas e ter tudo estável, nós vamos devolver os colegas naquela unidade sanitária”.
Sem avançar valores monetários, Manuel Eduardo revelou que foi feito um levantamento do material ora saqueado e a sua reposição depende do Ministério da Saúde, visto que é o órgão responsável pelo apetrechamento das unidades sanitárias.
“Neste momento não tenho como avançar com o valor, atendendo e considerando que maior parte do material que foi vandalizado recebemos a nível do Ministério. Muita coisa foi retirada, por isso neste momento ainda está a se fazer um trabalho para posterior e quando a segurança estiver já estável poder fazer a reparação daquilo que foi vandalizado para pôr a unidade sanitária a trabalhar”.
Enquanto isso, a fonte fez saber ainda que a unidade sanitária de Namiepe foi parcialmente vandalizada no mesmo dia 23 de dezembro, o que fez com que as actividades fossem paralisadas por um período de uma semana, sendo que o processo normal de trabalho veio a ser restaurado no passado dia 02 do mês em curso.
“Mas estamos a trabalhar parcialmente, me refiro a actividades externas como consulta pré-natal, pós-parto, vacinação menos a componente de internamento e parto, porque, de facto, ao nível local não há segurança”.
De referir que a onda de manifestações pós-eleitoral em Moçambique tem causado danos ao sector da saúde. Na província de Nampula, por exemplo, pelo menos 16 centros de saúde foram destruídos durante os protestos.
De acordo com a Plataforma da Sociedade Civil para Saúde, a nível nacional, cerca de 1.800 unidades sanitárias foram directamente afectadas pelas manifestações. (Ângela da Fonseca)