Sete anos de terrorismo em Cabo Delgado: Deslocados pedem cessar fogo para terem suas vidas de volta

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Nampula (IKWELI) – Moçambique, em particular a província de Cabo Delgado, situada na região norte do país, está a atravessar uma crise humanitária jamais vista, por conta do terrorismo que desde o dia 5 de outubro de 2017 assola a região, com piscares para Nampula e Niassa. 

Uma situação que está a ceifar vidas e obrigou várias famílias que abandonassem as suas residências e migrassem para pontos, relativamente, mais seguros. 

De acordo com dados fornecidos ao Ikweli, pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), até Dezembro de 2023, haviam 709.529 deslocados internos em 264 locais no Norte, Centro e Sul de Moçambique, principalmente na província de Cabo Delgado com 76%.  O pico dos deslocamentos internos em Cabo Delgado foi entre 2020 e 2021, com 82%. 

Depois da capital provincial Pemba, Nampula é uma das províncias que acolhe famílias deslocadas devido ao terrorismo. Ainda em Nampula, foi criado um centro de reassentamento que está localizado no posto administrativo de Corrane no distrito de Meconta, local onde milhares de famílias de deslocados renovaram suas forças e a esperança de dias melhores. 

Passada quase uma década, alguns deslocados, entrevistados pelo Ikweli, clamam pelo cessar fogo para poderem voltar a sua terra e continuar com suas vidas.

Manuel Anastácio, deslocado de terrorismo em Cabo Delgado

Um dos deslocados que achou abrigo em Nahene, posto administrativo de Namicopo, em Nampula, é Manuel Anastácio, de 32 anos de idade e conta o drama que vive por ser um deslocado. “Vivemos 12 pessoas na mesma casa, a vida aqui é difícil para mim, estou apertado e a família que tenho é muita. Já passam 8 meses sem receber comida, a última vez que recebemos comida foi no mês de março deste ano, mas até agora ainda não temos nenhuma informação”.

Manuel acrescenta que seu maior desejo é voltar para a sua terra de origem, mas a situação ainda não é favorável. “Eu até que poderia voltar para casa, mas a situação ainda não está boa, sempre que recebo ligações, ouço que estão a atacar, até agora ainda não tenho vontade de voltar para casa e peço ao governo que nos dê alimentação e que nos ajudem com a educação das nossas crianças”.

Maria Zacarias, deslocada de terrorismo em Cabo Delgado

Maria Abdala Zacarias, de 48 anos, natural de Muidumbe, mãe de 6 filhos, conta que a falta de espaço para fazer machamba é a maior dificuldade que enfrenta. “Fugi da guerra para vir aqui em Nampula, tenho minhas filhas, netas e meu marido, estamos a sofrer, estamos a sair ossos, não temos apoio, nem me lembro da última vez que recebemos comida”.  

Assim como Manuel, Maria expressa vontade de voltar para casa, mas o medo a impede. “Tenho vontade de voltar para casa com meus filhos, mas tenho medo da guerra porque ainda não acabou”.

Assane Rachade, deslocado de terrorismo em Cabo Delgado.

Assane Rachide, de 33 anos de idade residente em Nahene, pai de 5 filhos, é outro jovem que se ressente dos efeitos do conflito e declara que “sofremos muito, e continuamos a sofrer, perdemos famílias, amigos, filhos que foram levados e nunca mais nos devolveram, por conta dessa guerra que nunca acaba. Dizer que vamos voltar para casa não será de um dia para outro”. Entretanto, ele clama pela ajuda do governo. “Pedimos e choramos para que o governo faça o máximo esforço para terminar essa guerra, porque muitos irmãos estão a regressar não por sua vontade, mas por desespero, eles dizem que preferem ir morrer lá mesmo”. 

Menda Sumail, residente no bairro de Namutequeliua, de 28 anos de idade, deslocada desde 2020, explicou que o estigma tem sido “o pão de cada dia” dos deslocados em Nampula. “Não conseguimos viver em paz, somos chamados de all shabab pelo facto de sermos de Cabo Delgado, na nossa terra não podemos voltar porque a guerra ainda não acabou, estamos em uma situação muito complicada”.


Para além da paz, os deslocados queixam-se da irregularidade na distribuição de produtos alimentares.

Isabel Marcelino, de 42 anos de idade, natural de Cabo Delgado, no distrito de Macomia, residente em Nahene, comenta que o sofrimento por que passaram durante a fuga continua a persegui-los. “Quando fugimos para a cidade, passamos por sofrimento e até agora estamos a sofrer. Desde que chegamos, não temos pensão, acho que o meu companheiro recebeu duas vezes e desde lá não recebemos mais. A casa onde vivemos está em pedaços e nós dormimos praticamente na água, com dificuldades”.

Isabel queixa-se, também, da dificuldade de tramitar a sua documentação e a dos seus filhos. “Aqui em casa temos muitos filhos e até agora não conseguiram ter documentos. Tanto eu mesma ainda não consegui ter documento. Quando disseram que havia campanha de registo e tratamento de documentos, fomos para lá várias vezes, mas não conseguimos documentos”.

O amparo da sociedade civil

As agências humanitárias internacionais e organizações da sociedade civil têm jogado um papel preponderante no acolhimento, apoio e recuperação moral dos deslocados.

O Comité Ecuménico para o Desenvolvimento Social (CEDES) apoia os deslocados desde 2020, a nível das províncias de Nampula e Cabo Delgado.  Esta organização avalia positivamente as actividades desenvolvidas na componente de assistência humanitária. 

Luís Padeiro, coordenador de projectos no CEDES, recordou que no primeiro ano foram assistidas perto de mil famílias, um acompanhamento que tem vindo a ser feito desde a implantação do centro migratório que funcionava no distrito de Namialo. 

Padeiro frisou que o CEDES tem desenvolvido projectos de desenvolvimento para que os deslocados não só dependam de assistência humanitária, mas que possam gerar suas próprias rendas, através da agricultura, microprojectos, assim como fontes alternativas de renda.

A fonte disse que boa parte dos deslocados é oriunda das zonas costeiras, por isso tem tido dificuldades de integrar-se. Na componente de humanismo, este nosso interlocutor comenta que, o processo de integração devia ser antecedido de check list, por forma a perceber a inclinação de cada um.

“As pessoas que viviam nas zonas costeiras, a sua principal fonte de renda era a pesca. Agora, Corrane é uma zona do interior, onde não passa nenhum rio, imagina pegar numa pessoa que cresceu e aprendeu a sobreviver da pesca para depois dizer passa a viver de agricultura, acaba soando como um trabalho forçado e nós não condenamos, porque percebemos o lado humano.  Percebo que tem que servir de lição, tanto para nós como organizações humanitárias e o governo”, explicou.

Contudo entende ser um exercício dispendioso, uma vez que implicaria serem abertos mais bairros de reassentamento com ordenamentos e serviços bem enquadrados, ao passo que apenas um centro em termos de gestão, minimiza as formas, maximiza os recursos e facilita o controlo. 

“O terrorismo é uma incerteza, as pessoas têm receio de investir, implantar suas vidas aqui, porque acham que a qualquer momento a guerra vai terminar e pode fazer com deixe os seus investimentos”.

OIM entende que a paz e a estabilidade em Cabo Delgado não serão alcançadas apenas com esforços externos

A Organização Internacional para as Migrações (OIM), através da chefe de Resposta e Recuperação de Emergência, Priscila Scalco, revelou que o impacto da violência obrigou que milhares de pessoas deixassem suas casas, muitas vezes sem a certeza de quando poderiam voltar. 

A perda de bens, lares, e a separação de familiares têm sido um fardo emocional profundo para essas comunidades, além da falta de acesso a serviços básicos como saúde e educação, que se tornaram cada vez mais limitados nas zonas em conflito.

“Para a OIM, o principal desafio tem sido encontrar formas de fornecer apoio humanitário de maneira eficaz e segura, especialmente em áreas que continuam instáveis. Garantir o acesso a esses locais tem sido difícil, especialmente com a destruição de infraestruturas e as condições de segurança voláteis. Ao mesmo tempo, a crise humanitária é complexa e precisa de uma resposta coordenada que envolva proteção, saúde, abrigo e meios de subsistência, o que exige uma coordenação constante com os nossos parceiros e o governo”, disse Priscila Scalco.

Entretanto, a organização entende que não basta apenas fornecer ajuda imediata, por isso, afirma estarem empenhados em criar caminhos para que essas comunidades possam se reerguer e prosperar a longo prazo. Isso inclui a reintegração das pessoas deslocadas, a promoção da paz e o fortalecimento da coesão social nas áreas de retorno. 

Para o efeito, a organização tem vindo a trabalhar com governo e outros parceiros para facilitar o retorno seguro e voluntário das pessoas, ao mesmo tempo que oferecem oportunidades de geração de renda e reconstrução.

“Apesar dos desafios, as próprias comunidades têm mostrado uma resiliência extraordinária. Elas são os verdadeiros protagonistas dessa história. Nosso papel é apoiá-las nesse processo, respeitando suas necessidades e expectativas. A paz e a estabilidade em Cabo Delgado não serão alcançadas apenas com esforços externos, mas sim com o envolvimento ativo de todos, comunidades, governo e organizações internacionais na busca por soluções duradouras”, afirmou a fonte.

PMA reduz tempo de assistência e justifica os motivos 

A organização tem vindo a enfrentar vários desafios, algumas das quais relacionadas com a falta de recursos para dar assistência, tendo em conta as necessidades que “continuam muito altas” no norte de Moçambique, no presente ano, falta de segurança, bem como más condições das estradas, o que limita o acesso humanitário.

“Por esta razão, o PMA distribui actualmente a assistência a cada dois meses, em vez de mensalmente. Especialmente durante a estação chuvosa, as operações nos distritos de Macomia e Quissanga foram suspensas no início de 2024 por causa da insegurança”, lê-se num relatório do PMA enviado a redacção do Ikweli. 

Devido à escassez de recursos, o PMA consegue prestar assistência apenas aos mais vulneráveis, tendo atingido mais de 470 mil pessoas no ciclo de Julho e Agosto do corrente ano.

Ainda assim, o relatório avança que por forma a garantir uma assistência eficaz e inclusiva, o PMA organiza entrevistas com os beneficiários no ponto de distribuição e faz monitoria pós-distribuição nas casas dos beneficiários. (Atija Chá e Ângela da Fonseca)

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