Nampula (IKWELI) – O vício pelas drogas muitas vezes carrega consigo marcas e comportamentos que afastam os usuários do mundo real. Em Nampula, província mais populosa do país, uma mãe vive com o coração apertado e tenta encontrar forças no amor, para afastar o seu filho do vício.
Trata-se de Cremilde Timana, que visivelmente emocionada contou o terror que tem vivido por ter perdido o seu primogénito para as drogas.
A mesma conta que, descobriu que o filho era usuário de drogas quando este tinha 17 anos, mas que o primeiro encontro com o mundo foi aos 13 anos de idade. Desde a altura da descoberta, busca forças na relação que atravessa fronteiras, neste caso amor, para retirá-lo da situação de psico-dependente.
Aquando da descoberta, Cremilde viu-se numa posição de um ser inútil, pois surgiam perguntas sem respostas, para perceber as causas que terão levado o primogénito a enveredar por esse caminho, muitas vezes sem saída.
Com o rosto molhado de lágrimas, Timana diz que, não sabe mais aonde recorrer, uma vez que tentou por várias vezes internar o filho, procurou ajuda de associações, mas o resultado sempre foi o mesmo, recaídas.
São recaídas que vezes sem conta o obrigam a retirar bens de casa como televisão, congelador, telefones entre outros produtos alimentares para sustentar o vício.
“Não é fácil ser mãe de um tóxico dependente. Já internei ele por três ou quatro vezes no hospital psiquiátrico e quando sai fica uns três meses sem drogas, mas por causa das amizades, retorna ao mundo. É uma situação muito triste, é complicado viver assim, porque tu entras com uma certa mobília hoje e dia seguinte já não tem nada”.
Apesar das dificuldades, Cremilde revela que nunca pensou em abandonar o jovem, “em algum momento tenho tido quedas e fracassos, penso em desistir dele, mas depois eu acordo porque não sei como se desiste de um filho, é muito complicado, a pessoa fica de mãos atadas”.
Já num beco sem saída, Cremilde Timana revelou que manteve o filho trancado dentro de casa, mas que depois teve que o deixar pois descobriu que não era a solução.
“Preferi não optar por essa via de fechar o miúdo porque descobri que não é solução, um dos amigos dele foi feito isso e enforcou-se. Quando meu filho sai de casa eu sei que ele vai a procura de drogas para se aliviar”.

O mesmo drama era vivido por Ibraimo Sozinho, que encontrou nas drogas um lugar para fugir dos seus problemas.
Seu relacionamento com as drogas teve o seu início em 2021, quando perdeu o seu emprego e consequentemente a esposa.
“Perdi o chão, na altura minha esposa decidiu sair de casa com o nosso único filho e aqueles que considerava amigos também foram-se embora, sem saber o que fazer, conheci amizades que me levaram para o mundo das drogas”.
Entretanto, não foi uma relação que durou muito tempo, isso porque Ibraimo caiu em si e decidiu procurar ajuda e refúgio na igreja.
Longe das drogas há dois anos, Sozinho dedica-se a passar o seu testemunho aos demais assim como difundir mensagens de sensibilização sobre os riscos e as consequências da dependência dessas substâncias.
“Tive que me entregar a uma igreja e lá conheci alguns irmãos que me ajudaram muito, depois de um curto tempo, o irmão Ércio convidou-me a fazer parte de um grupo da Aliança Comunitária e ao invés de ser um convidado passei a ser o dirigente e comecei a convidar alguns amigos que também estão nessa vida”.
Sozinho pede ao governo local para que crie oportunidades de emprego para que os jovens dependentes possam se ocupar, mas também quer que a camada suscetível una habilidades para criação de auto-emprego e empregabilidade, pois só assim poderão ver-se livres e distantes das drogas.
“Eu gostava de pedir socorro, temos jovens inteligentes, proactivos e dinâmicos que carecem de oportunidades. Jovens existem amizades que devemos cortar, se não temos o que fazer, mas sabemos que temos algum conhecimento no campo da electricidade, mecânica ou demais áreas nos juntemos para criar uma associação de mecânicos onde é possível trabalhar juntos e criar o autoemprego, não esperemos apoio, sejamos nós jovens que vão atrás daquilo que são os nossos sonhos, não nos deixemos levar pelas drogas porque são coisas que vieram simplesmente para nos prejudicar”.
Cremilde e Ibraimo, que falavam no âmbito das celebrações do dia Internacional da Luta contra o Tráfico e Consumo de Ilícito de Drogas comemorado na passado dia 26 de Junho , sob o lema “Investir na Prevenção do Consumo é Tarefa de Todos”, lançaram uma mensagem de apelo aos estudantes presentes no evento, no sentido de rejeitar convites de certas amizades para o consumo de estupefacientes.
“Meninos tenham muita atenção, as drogas começam na escola, é lá onde vocês querem experimentar tudo, mas há coisas que nesta vida não são para experimentar porque depois fica difícil de largar, afastem-se de amizades que chamam para provar, rejeitem, rejeitem e rejeitem, porque quando chega a fase de tu te injectares é muito difícil, tu até tens vontade, fazes aquele esforço mas não é fácil, ficas doente quando não consomes, pelo menos é o que eu vivo dentro de casa mas em nenhum momento procuro a droga para lhe dar, eu prefiro que ele sofra com a dor mas em algum momento ele acaba escapando”.

Já o psicólogo clínico, Paulino Feliciano, disse ser urgente entender os riscos das consequências do consumo de drogas por forma a conter os efeitos negativos, passando por entender o comportamento dos filhos dentro e fora de casa.
“Os jovens precisam ter uma decisão, saber como fazer as escolhas no sentido de ter responsabilidade com quem brincam porque se forem a fazer escolhas erradas vão brincar com pessoas que consomem drogas. Nós como sociedade precisamos fazer um trabalho para prevenir e para efeito, é preciso existir um trabalho combinado entre as instituições para que nos actualizemos constantemente deste problema para que possamos trazer mensagens de alerta para que os jovens não adiram a essa problemática”.
Como consequência do consumo, o psicólogo alerta que poderão adquirir problemas físicos que podem comprometer o normal funcionamento de alguns órgãos como o coração, fígado, pulmões, rins e na componente psicológica propicia o desenvolvimento de doenças mentais.
“Como psicose, depressão, ansiedade. Temos a consequência legal que podem trazer problemas com a lei no sentido dessas pessoas serem presas por terem cometido um crime por causa do uso de drogas”.
Ainda na componente de sensibilização, o psicólogo chama atenção aos órgãos de comunicação social, no sentido de transmitir mensagens de forma exaustiva para que os jovens tenham cada vez mais informação sobre os malefícios do uso das drogas.
“Não só hoje dia internacional do combate a droga, temos que fazer um trabalho contínuo de forma a prevenir e alertar os nossos jovens, os órgãos de informação têm uma responsabilidade muito grande, tem o poder de passar a informação para os outros de forma sequenciada para que os adolescentes e jovens percebam”.
Enquanto isso, Nampula regista cada vez mais jovens no consumo de drogas

De acordo com dados partilhados pela directora do Gabinete Provincial de Prevenção e Combate a Drogas, Isabel Alberto, só no primeiro trimestre do presente ano, a província de Nampula registou 474 usuários de substâncias psicoactivas deste número, 267 deram entrada no centro de saúde mental e 207 foram encaminhados ao centro comunitário de apoio aos usuários de droga.
Isabel fez saber ainda que, que durante o período em alusão, foram incinerados 645,5 quilogramas de diferentes tipos de drogas ao nível da província.
“Lutar contra o abuso de drogas ilícitas não é uma tarefa fácil, esse é um grande desafio que requer um acompanhamento contínuo assim como esforços conjugados de toda a sociedade. É importante e pertinente que as nossas acções sejam simultâneas, temos a responsabilidade de direccionar os adolescentes e jovens a fazer escolhas assertivas opara que futuramente olhem para o percurso vivido e sintam o orgulho dos adultos que irão se tornar. É importante que eles entendam que a vida é um processo que deve se levar com seriedade e responsabilidade”.
Na ocasião, Isabel revelou que o consumo de drogas no país está a atingir proporções alarmantes e que precisa urgentemente ser travado, pois não se pode permitir que o narcotráfico e a toxicodependência dominem a província.
“A situação da província é extremamente preocupante e merece uma atenção redobrada de todos nós. Os danos causados são incalculáveis e por vezes irreversíveis pois afecta não só o usuário, mas também quem se encontra ao seu redor muitas vezes tornando-os seres humanos como zumbis sem expectativa do futuro”.
Neto exige maior fiscalização dos postos para paralisar a entrada de drogas

O Secretário de Estado da província de Nampula, Jaime Neto, exige que os órgãos responsáveis pela fiscalização no país devem empreender esforços conjuntos por forma a eliminar a entrada e circulação de drogas na província.
No entender do dirigente, o gabinete do combate deve promover mensagens de sensibilização para reduzir o consumo de drogas pelos jovens e adolescentes.
“A nossa luta tem que ser constante para que também a luta das autoridades que fiscalizam as estradas, o sector judicial possa ser constante para que consigamos debelar este mal, não podemos esperar por essa data, temos que trabalhar todos os dias”.
Jaime Neto recordou que, Moçambique celebrou os 49 anos de independência, no entanto, na sua opinião a mesma tornar-se-á comprometida caso o país continue a registar números crescentes de jovens e adolescentes no consumo de drogas.
“Temos que dar um passo em frente para debelar os problemas que comprometem a nossa independência, um deles é combater o consumo de drogas, sobretudo ilícitas”.
Na província de Nampula, por exemplo, O Serviço Nacional de Investigação Criminal que apreendeu drogas consideráveis, tem mostrado preocupação devido ao aumento de tráfico, sobretudo nos distritos costeiros.
Importa referir que, alusivo ao dia Internacional da Luta contra o Tráfico e Consumo de Ilícito de Drogas, o Presidente da República Filipe Jacinto Nyusi, fez saber através de um relatório anual do Gabinete Central de Prevenção e Combate à Droga enviado a Assembleia da República, que foi registado um aumento considerável do número de detenções por tráfico internacional de drogas em 2023 e que os traficantes têm continuado a procurar usar o país para trânsito de drogas para diferentes partes do mundo.
Segundo o relatório, os traficantes de droga em Moçambique utilizam as rotas Afeganistão, Paquistão, Cabo Delgado, Zambézia, Maputo e África do Sul para o tráfico internacional de metanfetaminas, heroína e anfetaminas. Sendo que, para o caso a cocaína, optam em usar o trajecto de São Paulo, Adis Abeba, Maputo, África do Sul.
No âmbito do crime de consumo e tráfico de drogas, em 2023 foram detidas pela polícia moçambicana 923 pessoas, desse número 64 mulheres, sendo que 306 encontram-se em prisão preventiva e 617 condenados. (Ângela da Fonseca)