Ressuscitada a luta pela posse do mercado dos bombeiros: Estrangeiros queixam-se de perseguição pelo governo

Nampula (IKWELI) – A primeira Secção do Tribunal Judicial Provincial de Nampula emitiu um aviso, nesta terça-feira (25), aos comerciantes do famoso mercado dos bombeiros, localizado na zona dos Poetas, na cidade de Nampula, para removerem as barracas e consequente abandono da prática comercial no local, num período de 48 horas.

Em causa está o facto de o local, oficialmente conhecido como Mercado ou Feira da OJM (Organização da Juventude Moçambicana), encontrar-se em litígio. Na sua maioria o mercado em alusão é explorado por cidadãos de nacionalidade estrangeira, provenientes sobretudo dos países da região dos Grandes Lagos, com destaque para Somália, República Democrática do Congo, para além de Guiné.

Segundo apurou o Ikweli, o espaço onde funciona o mercado dos bombeiros outrora pertenceu a OJM, mas nos últimos 30 anos passou para as mãos dos agentes económicos de nacionalidade estrangeira e, inclusive, trataram de adquirir o Direito de Uso e Aproveitamento de Terras (DUATs).

Volvido esse período, a OJM quer de volta o seu espaço. Em face disso, o caso teve um processo – crime a correr na Procuradoria da República da Cidade de Nampula, onde uma vasta lista de comerciantes, grosso número dos quais cidadãos estrangeiros, foi constituída arguida, indiciada de falsificação e uso de documento falso (DUAT falso). A referida queixa-crime intentada pela OJM, o Ministério Público absteve-se de acusar os comerciantes em causa por não ficarem provadas as alegações daquela agremiação juvenil, segundo a cópia do despacho de Arquivamento, extraído nos autos de instrução preparatória no70/03/P/2021, datado de 10 de Fevereiro de 2023, na posse do Ikweli.

Face a isso, os cidadãos estrangeiros que exercem suas actividades comerciais no Mercado dos Bombeiros entendem que a decisão do Tribunal de ordenar remover as barracas em 48 horas (do dia 25 a 27 de Abril), é sinónimo de que o Governo moçambicano não quer ver os cidadãos estrangeiros a exercerem suas actividades comerciais no país, em particular na cidade de Nampula, pelo que planejou em expulsá-los de Moçambique com a miséria.

“Deviam falar por bem de que estrangeiros, por favor saiam do nosso país, é que é mais fácil, que é para nós nos organizarmos e sairmos”, começou por se posicionar Sara Ali, uma comerciante de nacionalidade somali, que se refugiou em Moçambique devido aos conflitos armados naquele país africano.

Num passado mais recente, parte do mercado dos bombeiros foi reduzido às cinzas devido a um incêndio cujas reais causas são até aqui desconhecidas. Anos depois ao incidente, o mesmo local está sendo erguido um edifício de grande envergadura. Face a isso, Sara Ali Issa suspeita que a decisão do Tribunal, seja um outro plano para satisfazer as vontades das pessoas endinheiradas. “Isso é uma forma de querer matar a população também, porque são muitos milhões de pessoas moçambicanas que dependem deste mercado. Não sabemos porque devem fazer isso, é que nós pagamos finanças, pagamos segurança social, pagamos a taxa de economia, então mesmo essas coisas que nós pagamos o governo não quer”, prosseguiu a fonte.

“Só deviam dizer irmãos têm que ir nas vossas terras, é que é mais fácil, porque quando diz dois dias, nossas lojas estão cheias, como é possível tirarmos tudo que está na loja em dois dias? Em dois dias nenhuma loja irá conseguir tirar. Ninguém vai conseguir tirar, por isso melhor é dizer vocês devem sair do país, é que é mais fácil, porque isso é matar. Antes de matar é só dizer vocês não levam nada, saírem, ou 24 quilos em 24 horas, como foi na independência”, referiu Sara Ali Issa.

Yaya Dabo, um dos responsáveis das barracas do mercado dos bombeiros e cujo nome está referenciado no Aviso do Tribunal, disse que não irá abandonar as suas barracas socorrendo-se com o facto de possuir o DUAT que lhe permite explorar o local.

“Esse lugar eu comprei em 1999. Compramos com pessoa, por isso eu nem reconheço a OJM porque não comprei com a OJM. Eu remeti o documento no Conselho Municipal e o Município nos deu o DUAT em 2003. Estou aqui desde 99, mas consegui o DUAT em 2023. O meu DUAT é mais velho que o DUAT da OJM, podem ir verificar. Este ano o Tribunal nos entregou este papel, dia 10 de Fevereiro e disse que o vosso documento é legal”, começou por contextualizar Yaya Dabo.

“Então, como é que vão trazer o papel hoje dizendo que devem sair em dois dias? Eu não vou sair daqui porque estou há mais de 20 ano e não roubei nada, minha vida de mais de 20 anos está aqui. Não podem dizer que sai daqui isso não é possível, eu nem vou sair daqui, nem vou sair daqui, se o tribunal quer fazer sentença vamos ver porque nós temos nosso documento. A República de Moçambique tem lei e esses DUATs nós não fizemos, a República de Moçambique nos entregou este DUAT”, disse Dabo.

Depois do bombeiro queimar, nós entramos aqui em 2017, mas antes de 2017 tinha outras pessoas que vendiam aqui. Nós viemos nos juntar com outras pessoas que vendiam aqui. Fomos atribuídas as barracas com a OJM, e temos contrato com a OJM. Nós pagávamos a OJM até nos deram licença para construirmos. O assunto chegou no Tribunal porque existe uma pessoa que quer levar este mercado, então não sei o que fizeram com a OJM, logo o caso foi no Tribunal”, versou Mihaque Jorge, um outro comerciante de nacionalidade congolesa.

“Esta decisão para nós é uma grande decepção, porque mesmo que seja a decisão do Tribunal dar um prazo só de dois dias, nós vamos para aonde, um mercado que tem quase 700 barracas, quase 3000 pessoas que estão a trabalhar aqui, dentro de dois dias nós vamos para aonde?”, questionou lamentando a fonte.

No mercado dos Bombeiros estão instaladas mais de 500 (quinhentas) barracas onde são vendidos na sua maioria vestuários. Alguns jovens da cidade de Nampula vêm os bombeiros como ponto para conseguir a renda familiar, por isso a notícia de remoção das barracas instalou o clima de desespero dos próprios nacionais.

“Nós ficamos preocupados porque todos nós somos povo moçambicano, fizemos trabalho para Moçambique, contribuímos nos assuntos do governo de Moçambique. Então, quando vem um papel a dizer que a partir de hoje dia 25 para 27, dois dias, isso nós ficamos interrogados para onde vamos tirar as nossas coisas”, disse Issufo, um comerciante moçambicano. (Constantino Henriques)

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