Nampula: 23 Anos depois jovem volta a falar

Nampula (IKWELI) – É um caso para dizer que enquanto há vida, há realmente esperança. Calado Hermínio, jovem de 30 anos idade, natural do distrito de Mecula, província do Niassa, 713 quilómetros a norte de Nampula, recuperou a fala após ter ficado 23 anos sem se comunicar devido a uma condição chamada anquilose.

Uma doença rara que o jovem contraiu em 2002, quando tinha apenas 8 anos de idade, altura em que sofreu uma queda ao tentar afugentar macacos de uma machamba da família. A situação afectou a articulação temporomandibular, levando à fusão óssea que impediu a abertura da boca. Desde então, sua alimentação era limitada a líquidos e alimentos leves, consumidos com grande dificuldade e por conta da condição, enfrentou o estigma social.

Já com a fala recuperada, após um processo cirúrgico realizado na maior unidade sanitária da região Norte, Hospital Central de Nampula, o jovem Calado, visivelmente emocionado, contou como foi viver esses anos sem poder abrir a boca. 

“Foi muito difícil. Após a queda, fiquei dois dias sem conseguir abrir a boca, mas pensei que seria passageiro, os dias e os anos foram passando e continuei assim, não conseguia abrir a boca nem para comer, falava com as pessoas através de gestos.”

Calado continuou “calado” até a altura em que conheceu uma associação religiosa, conhecida por Estrela do Amanhã, que em Outubro de 2024 encaminhou o jovem para a capital de Nampula, com vista a receber tratamentos médicos, local onde continua internado, mesmo após ter passado por uma cirurgia no dia 27 de Janeiro do ano em curso. 

“Estou feliz, porque até dia 30 de Janeiro comecei a abrir a boca para falar um pouco normal, beber e tomar líquidos, já estou a ter um pouco de moral.”

O médico dentista do HCN, Daniel Sitóe, que acompanhou de perto todo o processo de cirurgia liderado pelo cirurgião maxilofacial, Alexeis Amita, revelou que o procedimento que durou cerca de 4h exigiu a abertura da região parotídea esquerda para restaurar a funcionalidade da articulação e permitir que ele voltasse a abrir a boca.

“Estamos extremamente satisfeitos com o sucesso dessa operação que devolveu a fala deste jovem. Para mim, como dentista, foi a primeira vez a acompanhar um caso do género. O impacto que a cirurgia trouxe para a vida de Calado é incrível e satisfatório.”

Mozmed satisfeita com a intervenção feita ao Calado

Calado foi descoberto por uma missão religiosa intitulada Mozmed e que é composta por médicos generalistas que trabalham em comunidades recônditas sem acesso aos serviços de saúde especializados, nas províncias do Niassa (Mecula) e Tete, nesta última, o trabalho é feito nos distritos de Angónia e Tsangano, respectivamente. 

O presidente do programa Mozmed, Jacinto Joaquim, disse ao Ikweli que Calado foi descoberto em Abril de 2024 durante as actividades que os médicos têm levado a cabo no distrito de Mecula. Na ocasião, houve uma certa resistência da sua parte, assim como dos progenitores, pois estes não acreditavam que um dia, o filho fosse recuperar a fala. 

 Segundo a fonte, no ano passado, a missão encaminhou para o Hospital Central de Nampula um total de 43 pacientes com diversas patologias e que necessitavam de uma intervenção cirúrgica. Deste número, 42 foram operados e devolvidos a sua zona de origem, tendo ficado o jovem Calado, uma situação que o deixou ainda mais desesperado e incrédulo na sua recuperação. 

 

“Era um caso extremamente complexo para a sua solução, por isso decidimos encaminhar para o Hospital Central de Nampula, se calhar pode ter sido esse motivo que levou que ele ficasse mais tempo para ser avaliado, estudado e por fim a equipa médica acabou tomando a decisão de fazer a cirurgia. A coisa que nos deixa mais felizes, é que o jovem calado que não conseguia se alimentar já o pode fazer. No início foi muito difícil para convencer Calado e a sua família, foi preciso fazer um trabalho psicológico com ele, mas depois acabou aceitando, ele está aqui em Nampula desde Outubro.”

O desafio de ajudar no anonimato devido a falta de abertura de HCN

Por outro lado, Jacinto disse que a missão tem enfrentado dificuldades para ter seus doentes atendidos no HCN, isso porque estes não mostram abertura para firmar uma parceria com os mesmos. Sendo que até ao momento, a única unidade sanitária que acolhe os pacientes sem preocupações é o Hospital Geral de Marrere e o sector de Oftalmologia. 

“Muitas vezes nós encaminhamos os doentes no anonimato porque houve situações em que os nossos doentes foram devolvidos, ficamos frustrados, fizemos as cartas e pedimos a direção provincial de Saúde para intervir, mas sem sucesso. Agora usamos os irmãos na fé que estão integrados no HCN para deixar os nossos doentes. Já procuramos a direcção do hospital para poder nos apresentar, mas não fomos recebidos, não houve possibilidade, tentamos por três quatro anos.”

Por isso, a agremiação tem esperança que depois da história do jovem Calado, possam ser solicitados para trabalhar em parceria. 

“Mesmo agora, eles não sabem que nós é que fomos deixar o Calado, talvez agora eles nos solicitem, porque recentemente fomos doar umas compressas ao hospital,  porque muitas vezes víamos nossos pacientes no HCN a serem atendidos com grandes dificuldades, devido a falta do material apropriado.”

Importa realçar que ao todo, em 2024 a missão atendeu, só no distrito de Mecula, um total de 2.810 pacientes, sendo que 43 foram encaminhados para o HCN. (Ângela da Fonseca)

Hot this week

Alunos “desviados” para receber Chapo

Nampula (IKWELI) – Várias escolas da cidade de Nampula...

Chapo promete criar condições para que Moçambique não viva conflitos pós-eleitorais continuamente

Nampula (IKWELI) – O Presidente da República (PR), Daniel...

Está para breve a reposição do acesso ao distrito de Muecate

Nampula (IKWELI) – O governador da província de Nampula,...

Topics

spot_img

Related Articles

Popular Categories

spot_imgspot_img