Uma vida de recomeços: Eventos climáticos extremos aumentam sofrimento de mulheres deslocadas em Nampula

Nampula (IKWELI) – Os ciclones tropicais são tempestades tropicais formadas em centro de baixa pressão, áreas associadas à formação de nuvens, à humidade e a tempestade. Nos últimos tempos, os ciclones tropicais têm vindo a visitar Moçambique de forma frequente e só nos últimos 5 anos (2019-2024), pelo menos 16 ciclones visitaram a costa moçambicana, tendo resultado em centenas de mortes, feridos e destruição de infraestruturas públicas e privadas.

Entre os 16 ciclones mencionados, os que afectaram a cidade de Nampula, foram o Idai, Eloise, Iman, Gombe, Cheneso, Álvaro e Ana. 

A onda ciclónica em Moçambique coincidiu com o terrorismo em Cabo Delgado, fenómeno que precipitou a deslocação de 577.545 pessoas, dado fornecido pela Organização Internacional de Migração (OIM) no seu último relatório. O mesmo documento revela que as mulheres somam o maior número de deslocados com 162.225, o correspondente a 28%. 

Para o caso específico de Nampula, o relatório fala de um total de 32.614 deslocados entre homens e mulheres que encontram-se em centros de acolhimento, assim como em casas arrendadas, emprestadas por familiares ou adquiridas ao longo do tempo.

Passados quase 8 anos desde o início do conflito armado na terra dos “Mwanis, Macondes e Macuas” com centenas de mortes, feridos e desaparecidos, a situação destes agregados familiares parecia estar a tomar um rumo de segurança e até alguma estabilidade, mas o que não sabiam era que a 13 de Janeiro, aquando da entrada do ciclone tropical Dikeledi na província de Nampula, suas casas construídas com sacrifício, haveriam de reduzir-se a escombros. 

A nossa equipa de reportagem visitou a zona de Nahene 1, local onde muitos deslocados acorreram desde o longínquo ano de 2017, época em que iniciou o conflito armado em Cabo Delgado.

 

Rufina Selemane, de 36 anos de idade, conta que rumou à terra dos Macuas no ano de 2020, quando o conflito armado estava no auge e perdeu seus dois filhos nas mãos dos famosos Alshababs. “Saí da minha terra no ano de 2020, fugi por causa da guerra, porque meu marido, assim como os meus dois filhos, foram levados com alshababs e nunca mais vi ou tive notícias deles. Na altura em que cheguei cá na cidade de Nampula, vivi no bairro de Namicopo e fomos alistados todos deslocados e depois de um tempo começamos a receber arroz, ervilhas, óleo e outras coisas, a casa onde éramos hospedados estava cheia de deslocados, muito apertada, então meu cunhado acabou por emprestar uma casa no bairro de mercado condomínio, esta casa que vivemos, é de dois 2 quartos e uma sala, no tempo chuvoso, aqui não pinga, mas sim entra toda água, fica parecendo que a casa não está coberta de capim”.

A nossa interlocutora acrescentou, ainda, que já não recebe apoio há quase dois anos. “Até finais de 2023, recebíamos um cheque de 3.600,00Mt (três mil e seiscentos meticais) para cada família, e de lá pra cá, nunca mais recebemos nada. Este último ciclone que aconteceu no mês de janeiro, caiu uma parede do quarto onde dormem as crianças, não sei como vou construir ou mesmo pagar alguém para poder construir.”

Outra deslocada é Joana Faque, de 27 anos de idade, residente naquele bairro desde 2020, que declara com lágrimas que a data do início do conflito na sua terra natal, Cabo Delgado, os seus dias não têm sido de grandes sorrisos. “Na verdade, nem sei como começou a guerra, apenas vimos pessoas a serem mortas, outros a serem sequestradas, casas a pegarem fogo, e todo mundo a fugir de um lado para outro. Sofremos muito e até hoje continuamos a sofrer. Com essas chuvas, uma das coisas que se estragaram foram os alimentos, foi a casa que caiu a parede de frente, o que mais dói é que ninguém veio verificar a nossa situação, nem mesmo o secretário do bairro.”

Ancha Chomar-Deslocada, deslocada de Cabo Delgado

Também de Cabo Delgado, Ancha Omar, de 22 anos de idade, conta com tristeza o abandono que tem sofrido da parte do governo e não só. “Vivo eu e a minha irmã mais velha, estas casas onde vivemos fomos emprestadas por pessoas de boa-fé. No primeiro ano que chegamos, tivemos apoio, em alguns meses recebíamos, noutros não, e assim vivíamos. Mas de repente o pessoal que nos dava apoio acabou sumindo, a última vez que recebemos apoio foi em 2022. Tivemos problema de ciclone, onde perdemos nossas casas, pedimos que nos ajudem, porque aqui onde estamos a viver entra muita água.”

 

Atija Aldino, Deslocada de Cabo Delgado

De Ancuabe, Atija Aldino, partilhou ao Ikweli que nunca teve apoio de quem quer que seja desde que chegou àquele bairro, no transacto ano de 2022. “Fugi da minha terra natal por causa da situação de guerra que se encontra lá, cheguei aqui no ano de 2022, desde então nunca recebi nenhum apoio, para comermos não é fácil, se conseguirmos, basta almoçar não jantamos até dia seguinte, esta casa fui emprestada por um conterrâneo meu, ele acabou voltando para Ancuabe, mas mensalmente tenho que lhe mandar 250,00Mt (duzentos e cinquenta meticais). Não fugimos da nossa província por querer, mas sim por aflição, na verdade ninguém gosta de sofrer.”

Esforços do Governo?

Ema Amido, Directora do serviço distrital de planeamento e infraestruturas

A directora do Serviço Distrital de Planeamento e Infraestrutura (SDPI), Ema Ámido, disse em entrevista exclusiva ao Ikweli, na manhã da última quarta-feira (5), que ainda não foi prestada assistência no bairro de Nahene, porque os kits disponíveis actualmente são insuficientes para abranger todas as famílias.

“Houve destruição de 120 casas, onde 35 estão totalmente destruídas, 85 parcialmente destruídas. No momento, prestamos assistência a um total de 134 famílias no bairro de Natikiri e localidades de Namigonha, Nabúri, faltando os bairros de Mutava Rex e Nahene. Acabamos parando porque os kits disponíveis não seriam suficientes para abranger toda a comunidade de Nahene”, disse.

Quando questionada sobre a previsão para assistência aos bairros restantes, Ámido garantiu que “provavelmente dentro desta semana daremos assistência”.

Esta fonte disse ainda que, apesar de não ter um plano para a construção de casas melhoradas de modo a prevenir as famílias deslocadas de viverem situações similares, apelos têm sido feitos para que aquela comunidade use materiais melhorados para a construção das suas casas. 

Mas afinal, o que estará por trás da formação dos ciclones?

Achado Jamal Paiva, Delegado Provincial do INAM de Nampula

O Ikweli entrevistou o delegado do INAM em Nampula, Achado Jamal Paiva, o qual explicou que “Moçambique sofre com ciclones tropicais por causa da sua localização geográfica. O país está mais situado ao longo da costa do sudeste da áfrica ao longo do oceano Índico que é uma área propensa a formação de ciclones”.

Quando questionado sobre o porquê de Moçambique estar a ser fustigado por ciclones com cada vez mais frequência, Paiva respondeu nos seguintes termos: “antes nós tínhamos um clima regular, a época chuvosa iniciava no mês de Outubro e terminava em Março, isso permitia maior produção, mas o aquecimento global, influenciado em grande parte pela acção do homem devido a industrialização, mudou tudo”.

Apesar disso, Achado mostrou que nem tudo está perdido, há algumas medidas que Moçambique pode adoptar para travar a avalanche de eventos climáticos extremos, tais como “a construção de infraestruturas resilientes, ordenamento territorial, evitar o desmatamento, adoptar o reflorestamento de áreas abatidas, evitar queimadas descontroladas, uso de energias renováveis, entre outras”. (Atija Chá e Felismina Maposse)

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