No país, há uma mesa sempre posta, com pratos luxuosos e talheres de prata, cintilando sob o brilho de promessas vazias. Nesta mesa, o poder é o banquete principal, servido com o requinte de um manjar reservado para poucos. Mas uma coisa é certa: o poder, uma vez provado, desperta uma fome que jamais cessa, apetite insaciável que consome os que o detêm. É uma fome desinteressada na saciedade como uma praga silenciosa que rasteja pelas camadas do tecido social e corrói de dentro para fora.
Os convivas que se sentam à mesa têm faces conhecidas, ora encobertas por máscaras de progresso e desenvolvimento, ora adornadas com sorrisos artificiais, como quem levanta um brinde ao bem-estar do povo. No entanto, por detrás de cada sorriso, de cada palavra de incentivo, há um desejo sombrio: o de dominar, o de ter em mãos as rédeas que conduzem o destino de milhões de moçambicanos.
Entre goles de “primeirinha” e bifes nas mesas, se consolidam as alianças e, ao mesmo tempo, se semeiam as desavenças. A política torna-se um jogo de cartas marcadas, onde cada movimento parece calculado para manter intacto o status quo, em nome de um “bem maior” que nunca chega.
Na mesa onde o poder é o prato principal, a paz e a concórdia são como ornamentos frios, colocadas de lado, à espera de quem se interesse em prová-las, porém, poucos o fazem. A paz não é um prato apetitoso. Não é tentadora como o poder, que se apresenta com sua aura irresistível, jurando aos que o conquistam uma sensação de imortalidade. A paz, afinal, alimenta muitos, mas satisfaz poucos. A paz é servida como uma iguaria sem gosto, fria e desvalorizada, enquanto a disputa pelo poder é a verdadeira especialidade da casa, ninguém quer deixar de provar.
O banquete se desdobra em ciclos intermináveis, as cadeiras ao redor vão sendo ocupadas por novos rostos. Cada novo líder que se senta promete mudanças, e, quando aprende a jogar, cada brinde se transforma num eco de discursos antigos, as promessas uma repetição de palavras que o povo já consumiu e parecem ser parte de uma fábula. Na periferia o povo verdadeiramente faminto só observa de longe, na esperança de um dia as promessas se transformem em pão e água potável.
A luta pelo poder é, para muitos, um jogo arriscado, mas fascinante. É uma guerra que começa em discursos e reuniões, se desenrola pelas ruas, nos murmúrios de insatisfação, nos gritos de protesto que ecoam pelas zonas. São como ondas de um mar revolto, onde cada nova promessa quebrada cria um redemoinho mais fundo de desilusão. O banquete segue, e quem está à mesa continua a erguer seus brindes, enquanto o povo, à margem, tenta construir o futuro com as migalhas que sobram.
Nos bastidores, as alianças são costuradas com o fino fio da desconfiança. Cada acordo é uma espécie de pacto provisório, uma dança desconfiada onde o próximo passo pode ser o da traição. Os líderes vestem-se de defensores do povo e proferem discursos inflamados em praça pública, todavia, ao cair da noite voltam para os banquetes secretos, onde o único assunto que realmente importa é como manter-se à mesa por mais um ano, mais um mandato, mais um ciclo. Assim o poder se converte numa droga que embriaga e consome, transforma os que dele provam em prisioneiros de sua própria ambição.
O povo que trabalha a terra e constrói o país sonha com o dia em que o poder será uma força que alimenta, não que divide. Um poder que venha não para inflamar o orgulho de alguns, mas para distribuir dignidade, oferecer oportunidades e servir de verdade aos que precisam.
Contudo, a realidade se mantém implacável, como um círculo vicioso onde o poder se ergue acima de tudo, inatingível, desejado e, ao mesmo tempo, temido. Moçambique assiste, de camarote, ao teatro político que se desenrola em seu palco. A cada acto, os personagens mudam, porém a peça permanece: uma farsa trágica onde o verdadeiro banquete não é para todos. Enquanto a peça segue, o povo espera. Espera que, um dia, o palco se transforme e que o poder finalmente alimente, ao invés de apenas engordar aqueles que já têm o suficiente. Digo isto, e mais vem depois. (Esmeraldo Boquisse)