- Estudantes relatam um ambiente de terror e assédio sexual tornou-se algo normal, docentes queixam de ameaças
Nampula (IKWELI) – Criada pelo decreto 50/2006, de 26 de dezembro, a Universidade Lúrio (UniLúrio) que se estreou como uma das principais instituições de ensino público no norte de Moçambique, por sinal a primeira com reitoria e sede fora da capital, viria a ser inaugurada a 29 de junho de 2007, pelo antigo Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza.
O Professor Jorge Ferrão foi o seu primeiro reitor. Foi sob sua direcção que a UniLúrio fez o seu nome, mostrando uma verdadeira universidade que produzia conhecimentos para as comunidades em sua volta, como também para o país.
Basta recordar-se do programa “Um Estudante, uma família”, na cidade de Nampula, os programas de pesquisa marinha e agrária, na cidade de Pemba, Cabo Delgado, e na vila de Uanango, na província do Niassa.
Mesmo com um orçamento exíguo, Ferrão chegou a mobilizar parceiros para o melhoramento do quadro do pessoal, por isso docentes beneficiaram de mobilidades formativas para o Brasil e para Portugal, de forma a melhorarem a sua capacidade intelectual e científica.
Por essas alturas, a UniLúrio acolhia os melhores debates sobre a vida da sociedade, bem como o lançamento de obras literárias.
Após o reinado do Professor Ferrão, chegou à direcção da universidade o Professor Francisco Noa que, também, deu vida a instituição, incluindo a criação de duas novas unidades orgânicas, precisamente a UniLúrio Business School (UBS), na cidade de Nampula, e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, na cidade da Ilha de Moçambique.
Ainda que tenha sido no reinado de Noa que as coisas começaram a perder uma certa dinâmica, justificando-se com os cortes orçamentais, será no reinado da actual reitora, Leda Hugo, que a dinâmica da universidade sumiu. Professores descontentes, fazendo das suas, proliferação da corrupção, assédios sexuais contra estudantes, estágios não pagos, tanto aos médicos estagiários, assim como as instituições de acolhimento dos estágios.
As unidades orgânicas passaram a funcionar a sua maneira, e a Faculdade de Ciências de Saúde, o cartão de visita da UniLúrio, tornou-se numa das mais péssimas. Os docentes dos cursos desta faculdade começaram a envolver-se na venda de notas para ganharem algum dinheiro, pois a extensão que pagava as pesquisas deixou de ser proactiva e o salário pago pelo Estado não chega para suprir as despesas dos docentes.
Os estudantes andam cansados, agastados, não vendo a quem recorrer. Já tentaram promover manifestações, mas foram repelidos e agora escreveram uma carta denunciando as barbaridades.
Na carta denúncia, os estudantes afirmam que a Faculdade de Ciências de Saúde tornou-se em um “autêntico cemitério de sonhos”, justificando que “para quem algum dia conheceu a Universidade Lúrio, sabe muito bem que agora ela perdeu a boa imagem que tinha, e o seu sistema académico é dos mais críticos que já existiu, devido a má regência da reitoria, direcção da Faculdade de Ciências de Saúde, e coordenação do Curso de Medicina”.
Dizem os estudantes que “desde o empossamento da nova reitora, a universidade perdeu o seu brilho e prestígio, perdeu os melhores docentes e funcionários, e está tudo à sorte. Estamos num nível em que nalgumas cadeiras, quem leciona as aulas aos estudantes do 1°, 2° ano, são os estudantes do 3°, 4°, 5° e 6° ano, e noutras cadeiras são feitas magaivas que mesmo eles não entendem. Os estudantes do curso de Licenciatura em Medicina, os mais lesados, sofrem calados por medo de represálias/expulsões que os dirigentes colocam. Há estudantes de Medicina do 6°ano que tiveram que ir estagiar no Hospital Central de Quelimane (algo que nunca havia acontecido na história da faculdade), por conta de dividas que a Faculdade tem com os Tutores de Estágio do Hospital Central de Nampula. Não pagam os Tutores há́ mais de 3anos. Por conta disso, os Tutores recusam receber os Estudantes dos diversos cursos de Saúde (Medicina, Enfermagem, Optometria, Nutrição, Farmácia), no Hospital Central de Nampula. Em conversa recente entre a Reitoria e o HCN, a Reitora mostrou-se renitente em celebrar contractos e pagamentos aos Tutores que vêm assegurando o estágio naquele Hospital de Referência, deixando assim os Estudantes sem Rumo há́ sensivelmente 4 meses, contando que mesmo quando são recebidos, há́ rotações que os estudantes são obrigados a parar por tempo indeterminado por conta dos pagamentos atrasados, ou melhor dizer, nunca dados. Por conta disso a FCS sempre recorre a meios impróprios para a resolução desses problemas. Os Estudantes na fase clínica (desde o 3°ano até o 6°no), que deveriam estar a correr em seus estágios no Hospital Central de Nampula, estão neste momento sem rumo algum. Na tentativa de uma marcha pacífica, a Faculdade abortou a ideia usando ameaças de expulsão e reprovações”.
“Os Estudantes do 6°Ano (Médicos Estagiários), que correm actualmente no 7°ano sem ter sofrido reprovações e sem alguma previsão de culminação de curso, para a celebração de contractos de Estágio integral, tiveram que pressionar a faculdade que estava na posse dos valores desembolsados pelo Ministério da Saúde para o efeito, mas mesmo assim houve grande injustiça pela redução dos valores sem alguma explicação prévia, que deveria ser 80% do salario do Médico e seus subsídios, e foram obrigados a assinar os contractos e até hoje não se sabe o rumo desses contractos e muito menos em que pé́ se encontra o processo”, desabafavam os estudantes na carta enviada a redação do Ikweli.
Segundo a carta, “os Médicos Estagiários estão neste momento sentados sem algum rumo. Os docentes/funcionários da universidade estão em constante pedido de demissão por conta da falta de valorização do seu trabalho, falta de salários há meses, e falta de condições mínimas para exercer as suas funções naquela Universidade, que recentemente foi elevada a uma das melhores do país”.
Os estudantes vão mais longe, apelando para que os novos ingressos não aceitem começar a ser leccionados sem que hajam sido resolvidos estes e outros problemas. “Em forma de conselho aos que concorreram para os diversos cursos naquela universidade, aconselhamos a não seguirem em frente até que as condições melhorem, até que haja uma nova regência e direcção para aquela faculdade, pois o que se retratou neste pedido de socorro, não é nem a metade do que se vive lá. Invistam em universidades privadas, ou ainda nas publicas que ainda valorizam a formação académica”.
Igualmente, pedem os estudantes para quem de direito, reanime a UniLúrio.
Alguns docentes que falaram ao Ikweli sob anonimato, confirmaram as alegações da carta denúncia dos estudantes, relatando que “agora nem se quer conseguimos investigar. Cada docente deve-se virar para ter suas pesquisas e/ou artigos científicos publicados em revistas científicas”.
Um outro docente precisou que “há colegas que fazem passar estudantes depois de irem a cama com elas, ou então por causa de 500,00Mt (quinhentos meticais).
Todavia, a direcção da Universidade ainda não se pronunciou sobre o assunto, mas o Ikweli sabe que na última sexta-feira (1) o conselho universitário teve uma sessão extraordinária convocada para discutir os problemas levantados pelos estudantes, mas até este domingo ainda não se sabe nada sobre as decisões ou consensos alcançados. (Aunício da Silva)