Maputo (IKWELI) – A comunidade masculina, homens e rapazes, são chamados a desconstruir práticas e concepções machistas oriundos de estereótipos de género, por forma a reduzir casos de violência contra as mulheres no país. Para o efeito, teve lugar na última sexta-feira (09), na cidade de Maputo, “Conversas de Homens pelo Fim da Violência Baseada No Género”, palestra organizada pela Embaixada do Reino dos Países Baixos em Moçambique, no âmbito dos 16 dias de activismo contra a Violência Baseada no Género (VBG).
A palestra que tinha, igualmente, em vista promover debates entre os homens sobre como acabar com a violência baseada no género, baseando-se em experiências na primeira pessoa, teve como oradores os activistas sociais, Adão Paia, Filipe Tumbo e Gilberto Macuacua Harilal.
O primeiro orador, Filipe Tumbo, contou através de histórias vividas no seio da sua família, a forma como redescobriu o seu papel como homem no seio da família e da sociedade, partindo de uma educação em que ouvia frases como “engole o choro, você é homem”, numa mentalidade que ensina os homens a esconderem os seus sentimentos.
“A forma como nós os homens, assim como as mulheres, somos educados durante a nossa infância impacta em todo o nosso percurso de vida. Nós os homens somos educados a não demostrar os nossos sentimentos, quando perdemos um parente na família, quem nunca ouviu aquele famoso ditado engole o choro você é homem. O que significa que não somos ensinados a exteriorizar os nossos sentimentos, ao passo que as mulheres são ensinadas a serem respeitosas”, disse Tumbo.
Por isso, a fonte acredita ser importante trabalhar com rapazes por forma a molda-los ainda em tenra idade, tendo em conta que os mais novos estão em processo de construção de sua identidade.
“É preciso que haja programas que visam envolver os homens no questionamento das suas masculinidades do que é ser homem e mulher. Quando nós temos programas que incentivam a participação dos homens na prevenção da violência o contexto em que este homem está inserido muda, então estamos a dizer que se mudarmos o ambiente em que o homem se inseri ele também muda, nós não nascemos violentos, nós aprendemos a ser violentos”.
O segundo orador, Adão Paia, falou da pressão que, desde pequenos, os rapazes sentem, nas suas casas, para serem provedores das suas famílias. O orador explica ainda que, um dos factores que contribui para que haja violência nas famílias são os trabalhos domésticos.
“Quando é que vamos perceber que cuidar do espaço doméstico é, também, nossa responsabilidade, como a bíblia diz, a cozinha não escolhe raça, não escolhe sexo e não escolhe cor, mas sim, procura resolver a fome que está dentro de nós e a pergunta que fica é porque é que nós os homens somos ensinado a não ocupar esses espaços, porque é que somos ensinados a responder com a violência quando lá em casa falta o pão, comida e achamos que a culpa é sempre da mulher”, elaborou este orador, o qual entende que se os homens forem envolvidos em processos de mudança, eles podem se tornar em actores chaves para a transformação da sociedade no geral.
“Precisamos de continuar a ter homens envolvidos em actividades domésticas, precisamos de ter homens diferentes na medida em que não pautem pela violência mais uma vez porque faltou comida na mesa”.
Por sua vez, Gilberto Macuacua falou da violência aliada as masculinidades. Macuacua acredita que a violência é um veneno que mata e quanto mais tempo leva, maior é a destruição no individuo, família e sociedade.
“Precisamos criar espaços para que homens e rapazes possam dialogar sobre assuntos de VBG. Se não conseguimos falar, pelo menos saber ouvir a outra pessoa, porque o poder da escuta é muito forte. Quem disse que os homens não podem combater a violência contra as mulheres”, anotou Macuacua.
Em entrevista ao Ikweli, a Coordenadora de Género e Juventude para Embaixada do Reino dos Países Baixos, Odília Marques, disse que a iniciativa da palestra “Conversas de Homens pelo Fim da Violência Baseada No Género” no palco do Orange Talks visa envolver rapazes e homens no combate a VBG.
“Este é o primeiro Orange Talks e a embaixada pretende continuar com esta ideia, no sentido de buscar algumas vezes criar debates sobre assuntos que sejam relevantes para aquilo que são as nossas intervenções, nós temos intervenções não só na área de género, mas também na área dos direitos sexuais e reprodutivos, entre outras. Então vamos ao longo do tempo organizar outros talks a volta desses temas”, disse.
Por outro lado, a Directora de Programas da h2n, Farida Ustá, explica que em Moçambique as estatísticas mostram que as mulheres são as que mais sofrem com actos de violência baseada no género, por isso é que a h2n decidiu juntar-se a iniciativa da Embaixada, acreditando que o envolvimento de homens, meninos e rapazes no combate a violência poderá despertar algumas acções no seio da sociedade que desvalorizam a mulher.
“A perspectiva masculina significa trazer um outro ponto de vista em relação a este mal. Ter três homens a partilharem ideias do que é ser homem e sobre a masculinidade é muito importante. E o ponto que eles trazem do envolvimento deles para quebrar o ciclo de violência e valorizar a mulher torna-se numa arma para acabar com este mal que é a violência. Foi por isso que decidimos nos juntar a este evento idealizado pela embaixada”, apontou Ustá.
Gilana Macuacua, participante do evento, congratulou a iniciativa da Embaixada, pois para ela, foi benéfico acompanhar debates de homens a aconselhar outros homens sobre a forma como a violência é prejudicial para a mulher, assim como para a própria sociedade.
“Participar desse debate nos ajuda a reflectir melhor sobre o que nós queremos ser num relacionamento. Como um dos oradores disse, o facto de eu cuidar da minha esposa, lavar a loiça da minha casa, não estou a fazer um favor algum, eu estou a fazer aquilo que é a minha obrigação como homem, como parceiro. Então há uma necessidade de reflectir sobre as nossas atitudes, homens e mulheres, todos somos iguais e temos que buscar por essa igualdade”, comentou Macuacua.
Para o Oficial de Programas e Pesquisa do Observatório das Mulheres, Sérgio Vilanculo, o debate serviu para consciencializar a sociedade sobre a importância da igualdade de género a todos os níveis como casa, comunidade e em estruturas institucionais.
“Então é importante que os homens discutam sobre esse problema para ver como é que podemos sair da questão da violência. Para mim foi um momento que aprendi como nos posicionar para o fim da violência. Nós não devemos colocar barreiras que ofendam aquilo que são os direitos básicos, principalmente o direito da igualdade entre homens e mulheres”.
Importa referir que, durante o ano de 2021, em todo o país foram notificados cerca de 11.873 casos de violência e desse número, mais de nove mil contra mulheres. (Ângela Da Fonseca)