Nampula (IKWELI) – O recente anúncio do governo, que permite aos estabelecimentos comerciais estenderem livremente os horários de funcionamento, está a provocar reações divergentes entre os principais intervenientes do sector.
Trata-se de uma medida que visa dinamizar a economia e adaptar os serviços às novas dinâmicas urbanas. No entanto, a mesma foi bem recebida pelo sector empresarial a nível da província de Nampula, mas está a ser fortemente contestada pela Organização dos Trabalhadores Moçambicanos (OTM), particularmente no ramo do comércio.
Para o representante do Conselho Empresarial da província de Nampula (CEP), Luís Vasconcelos, trata-se de uma decisão estratégica que pode impulsionar o volume de vendas, melhorar a competitividade e responder melhor aos hábitos dos consumidores, muitos dos quais fazem compras fora do horário tradicional.
“O sector empresarial da província de Nampula CEP-CTA, recebeu com grande satisfação a liberalização dos horários de funcionamento do comércio, visto que este é um dos pontos da nossa matriz de constrangimentos em que sempre foi apresentado esta preocupação. Um dos grandes benefícios é o aumento da produção e da produtividade, encaixe de receitas para cofres do Estado e o aumento da mão-de-obra.”
Enquanto isso, a OTM-Central Sindical, através da secretária provincial do Sindicato do Comércio de Seguros de Serviços, Maiassa Ussene, expressou desagrado face à medida, alegando que a liberalização poderá agravar a situação laboral dos trabalhadores comerciais, muitos dos quais já enfrentam jornadas longas, baixos salários e ausência de transporte adequado para horários tardios.
“Nós recebemos esta informação com muito desagrado. Pois, vai criar um grande transtorno para os sindicatos, principalmente para o meu, porque ora vejamos, das diligências feitas com alguns empregadores dos sectores comerciais encontramos algumas dificuldades, no sentido de os trabalhadores entrarem em turnos. No entanto, alguns empregadores querem se aproveitar dessa medida para servir de elo para massacrar o trabalhador.”
Segundo Ussene, mesmo antes da liberação do horário de funcionamento, alguns empregadores já violavam os direitos dos empregadores.
“Mas o sindicato da província conseguiu fazer com que alguns empregadores conseguissem pagar horas extras. Tivemos sucessos, mas como sabem, o empregador é aquele que não quer perder e com essa medida, não sei como vamos trabalhar.”
Trabalhadores comerciais sentem-se “enteados do Estado”
Alguns trabalhadores de estabelecimentos comerciais da cidade de Nampula entrevistados pelo Ikweli, mostraram indignação e descontentamento com a medida, pois acreditam que só virá agravar a actual situação laboral que não é das melhores.
Segundo avançam, antes que a mesma fosse tomada, o governo devia antes seguir com um processo de auscultação aos trabalhadores “e, não tomar medidas como se não fizéssemos parte deste país, é como se fossemos enteados.”
Maria, nome fictício, é trabalhadora de um estabelecimento de venda de artigos de beleza para mulheres. Para ela, o alargamento do horário de funcionamento só poderá beneficiar os proprietários.
“Mesmo antes dessa medida não éramos considerados. Por exemplo, agora encerramos às 17h apenas para os clientes, mas nós continuamos dentro da loja para fechar as contas. Acabamos saindo praticamente às 18 horas, agora com essa medida vamos passar a sair ainda mais tarde e para nós que vivemos distante, como fica a situação do transporte para chegar à casa?”, questionou.
Por conta disso, Maria prevê igualmente um futuro sombrio sobretudo às mulheres, segundo avança poderá acrescer ainda mais a vulnerabilidade deste género.
“Nós as mulheres temos passado por situações não muito boas. Várias vezes acompanhamos casos de mulheres que foram violadas e assassinadas durante o período noturno. Estamos num período de inverno onde começa a escurecer a partir das 17 horas quem vai garantir a nossa segurança?”.
Micheque Daimone, farmacêutico numa das farmácias da urbe, entende haver vantagens e desvantagens, pois o seu sucesso ou insucesso dependerá do patronato.
“Há alguns que tem um patronato que está mais preocupado com a parte financeira dele do que do profissional e este último acaba tendo muito tempo de trabalho, mas o salário continua o mesmo. Mas para alguns patrões que entendem podem pagar horas extras, entretanto são poucos patrões que fazem isso.”
Estefânia José, trabalhadora de uma loja de venda de roupa no centro da cidade, diz estar preocupada com a possibilidade de ter de trabalhar até tarde da noite. “Vivo muito longe e não há chapa depois das 20h, dizem que os transportes municipais funcionam até às 22h, mas eu nunca vi, sem contar que não são abrangentes e se a loja ficar aberta até mais tarde, como voltar para casa?”
Em resposta a essas inquietações, Vasconcelos explicou que com a liberação do horário de funcionamento surge a necessidade de acautelar os turnos dos trabalhadores e a respectiva segurança dos estabelecimentos, assim como dos funcionários.
Tendo afirmado ao Ikweli que os turnos serão geridos em consonância com as horas que se pretende estender, permitindo que haja rotatividade dos trabalhadores abrangidos, entretanto, avança que o governo deve ser mais vigilante.
“Na componente dos direitos dos trabalhadores, deve-se assegurar a segurança nos estabelecimentos comerciais até a hora que se pretende com esta medida.”
Chineses e somalis apontados como os que sobrecarregam trabalhadores

De acordo com a secretária provincial do Sindicato do Comércio de Seguros de Serviços, Maiassa Ussene os empregadores que mais sobrecarregam trabalhadores comerciais são os de nacionalidade chinesa e somali e com a nova medida a situação poderá agravar-se.
“Eu acabei dizendo que principalmente os sectores comerciais dos chineses e somalis que já estão a implementar essa medida, aliás eles já faziam isso mesmo antes desta nota, já vínhamos recebendo reclamações dos trabalhadores.”
“O futuro dos trabalhadores será muito mau, porque o que vai se verificar são faltas excessivas e nessa altura haverá processos disciplinares e despedimentos sem direito a remuneração. Se já antes dessa abertura já havia problemas porque alguns empregadores abriam seus estabelecimentos aos domingos alegando arrumações, ficavam até 20 à 21h e já era um caos para o sindicato na província, agora imagina com esta abertura?”
Ussene revelou que houve conversações tidas com os empregadores em relação a segurança dos trabalhadores no período noturno numa altura em que a cidade tem reportado casos de agressões.
“Não há nada específico, o empregador até hoje não se responsabiliza em alocar transporte para os trabalhadores, principalmente para o período noturno onde mesmo com os municipais, estes não entram até nas zonas recônditas. Aqui deve haver um diálogo certo a todos os níveis incluído o próprio governo.”
Município garante prontidão na disponibilidade de transporte
Enquanto isso, o director do pelouro dos Transporte ao nível do município da cidade de Nampula, Samuel dos Santos, garantiu que o sector junto dos operadores do privado está preparado para disponibilizar transporte noturno aos trabalhadores, entretanto o mesmo dependerá da dinâmica.
“Um dos desafios é saber como vai ser a demanda, porque tanto o conselho municipal assim como o sector privado só se farão a rua se houver pessoas por carregar. Podemos anunciar o alargamento do funcionamento fora ao que nós estamos habituados e não haver aderência por parte dos munícipes, mas se for o contrário, nós como conselho municipal não teremos outra alternativa se não redobrar os esforços e para o efeito, contaremos com os operadores do sector privado.”
Segundo a fonte, o alargamento do horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais poderá trazer elementos urbanísticos diferentes do habitual no que concerne ao transporte noturno.
“Com a implementação de novos horários nos estabelecimentos comerciais sem dúvidas será uma novidade para nossa cidade e sem dúvidas teremos de nos adaptar em termos de respostas que possam satisfazer os nossos munícipes.”
O executivo de Giquira garante ainda que será acautelada a segurança dos trabalhadores através da polícia municipal em coordenação com a Polícia da República de Moçambique.
“Eu penso que o conselho municipal junto dos seus parceiros está pronto para responder a estas transformações que a cidade vai ter em decorrência dessas decisões do nível central. É nosso desafio unir a polícia municipal com a Polícia da República de Moçambique para assegurar que haja segurança e que os munícipes possam circular de um ponto para outro.”
Vale realçar que até o momento, o município de Nampula conta com uma frota com de 13 autocarros que circulam em 22 rotas urbanas, para uma autarquia com perto de 900 mil habitantes distribuídos em 18 bairros localizados nos seus seis postos administrativos, num intenso movimento de pessoas e bens.
Importa referir que, desde o anúncio da medida, o Ministério do Trabalho ainda não se pronunciou oficialmente sobre possíveis medidas de proteção para os trabalhadores neste novo cenário.
Num país onde o sector do comércio emprega milhares de pessoas, especialmente mulheres e jovens, a decisão de estender o horário de funcionamento levanta uma questão essencial, como promover o desenvolvimento económico sem deixar os trabalhadores para trás? (Ângela da Fonseca)