Nampula (IKWELI) – Parece estar calmo nos bairros da cidade e província de Nampula, mas vive-se um clima de medo, sobretudo para aqueles que um dia ousaram juntar-se às manifestações em protesto aos resultados da eleição do dia 9 de Outubro de 2024 cujos resultados validados pelo Conselho Constitucional deram vitória ao partido Frelimo e Daniel Chapo, porque os agentes da lei e ordem estão numa campanha de “caça” a esse grupo de nacionais.
As manifestações do período pós-eleitoral, em Moçambique, deixaram consigo lembranças amargas, começando mesmo pelas perdas de vidas humanas, por baleamento, destruição de infraestruturas públicas e privadas, como estabelecimentos de ensino, comerciais, postos policiais, incluindo a caça e assassinato dos agentes da lei e ordem.
Durantes aquele período a acção policial não se fez sentir, no sentido da neutralização e responsabilização imediata dos envolvidos naqueles actos. Pode estar na origem o alegado medo dos agentes, pois naquele período a fúria popular estava no auge, e reinava uma suposta união no seio da população manifestante contra as intervenções policiais.
Agora que tal união parece fragmentada, a corporação voltou a operar no terreno, e a acção inicial é mesmo desafiar aquele que um dia não lhes deixaram dormir. Por exemplo nas zonas do campo dos Macondes e Clube 5, áreas pertencentes a unidade comunal Marien Nguabi, há relatos de que, pelo menos, cinco jovens, maioritariamente operadores de táxi-mota, foram recolhidos às celas. Pesam sobre eles, acusações de vandalização na residência de um policial, ocorrida no passado dia 15 de Janeiro do ano em curso, na área de Marien Nguabi.
“Nesses dias andamos com o coração nas mãos. Aqui na praça do clube 5 alguns colegas foram recolhidos pela polícia, por causa daquelas manifestações. Assim, estão na cadeia, outros conseguiram pagar e saíram, outros deixaram de fazer o táxi e fugiram”, contou um operador de táxi-mota na zona vulgarmente conhecida por clube 5, na cidade de Nampula.
“É aquilo que se diz que governo é governo, os problemas do governo não apodrecem. Naquele tempo das manifestações parecia que esses policias tinham medo, mas agora viraram as coisas, estão a andar atrás desses que manifestaram”.
“No campo dos Macondes sei que foi recolhido um taxista, isso não tenho dúvidas, porque foi visto num vídeo gravado naquele dia que foram na casa daquele polícia ali, perto da casa do padre, mas lá no clube 5 era um número maior, mas tenho certeza que ficou um taxista na cadeia, outros conseguiram pagar e saíram. Dizem que eram cobrados 80.000,00Mt (oitenta mil meticais), o preço inicial era de 150.000,00Mt (cento e cinquenta mil meticais), então pediram e saíram com esse 80 mil. Esses outros, como o Papaíto, dizem que estão lá na cadeia civil”, contou uma outra fonte, também que preferiu o anonimato.
Sheik capturado a sair da mesquita
Marien Nguabi de lado, a caça dos policiais contra os manifestantes fez-se sentir em Natikiri, ainda na cidade de Nampula.
Naquela circunscrição geográfica, o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) deteve dois supostos líderes das manifestações, os quais lideraram a tentativa de incêndio de uma locomotiva pertencente a empresa Caminhos de Ferro de Moçambique.
“Quando eles vieram, disseram que traziam um papel do tribunal de busca e captura, eu pedi esse papel e eles disseram que não precisava levar, temos que seguir consigo, eram muitos, cerca de sete, e me levaram num carro pântano e me trouxeram aqui no SERNIC. Quando vieram aqui escreveram o que escreveram e me levaram para o comando”, começou por contar o líder religioso, neste momento sob custódia do SERNIC.
“Quando chegamos lá eles me bateram. Nesse momento essas nádegas estavam inchadas. Me bateram e me pediram para dizer assunto do comboio, eu assunto de comboio? Disseram sim, eu disse que não sei assunto do comboio, estavas com quem, eu disse que não sei nada. Me puseram oleado na cara, me amarraram para eu não respirar e dizer, eu disse que não sei de nada, podem me matar, não sei de nada. Daí me deixaram na cadeia desde o dia 21, até hoje que estão a me trazer mais aqui”, prosseguiu.
“A minha família sabia, porque nesse dia estavam cheio de crentes, estava cheio da minha família lá na mesquita, acabávamos de sair mesmo na porta. Eles me encontraram nessa hora e minha família ficou preocupada desde sexta-feira e só vieram me localizar no sábado lá no comando, vieram lá e procuraram saber do meu nome. Eu não sei da queima do comboio, porque da minha casa para no Waresta é distante, não sei. Sou responsável de uma mesquita ao pé da escola da pedreira, antes do posto policial tem uma mesquita, a frente da escola tem uma mesquita. Fui recolhido depois da oração, por volta das 12h45, porque tínhamos programa da mesquita para lá em Muahivire, com outros crentes. Então, quando acabei de sair, me recolheram”, precisou o sheik, que disse nunca ter se envolvido em actos de vandalismo. “Eu nunca fiz parte desse grupo que queimou comboio na Resta, nunca”.
“Foi numa sexta-feira, por volta das 13 horas, ele estava na mesquita a rezar, então vieram dois homens trajados de maleia entraram na mesma mesquita e rezaram. Perguntaram é sheik o dono daqui, então quando terminaram com a reza saíram para fora, por sua vez esses dois homens começaram a dar sinal aos homens do SERNIC como estavam num carro minibus, vieram cerca de 10 homens armados e meu pai ficou assustado. Eles dispararam por duas vezes e levaram meu pai, mas meu pai perguntou o que estava a se passar e pediu para primeiro tirar a roupa que tinha vestido, mas eles negaram daí levaram a ele para o carro com os dois homens vestidos de maleia e foram-se embora, assim nós ficamos assustados até hoje aqui que não estamos a perceber o que está a acontecer com ele e os porquês que levaram ele”, contou, ao Ikweli, a filha mais velha do sheik.
“Só tomamos o conhecimento que levaram o meu pai por fazer parte do partido de Venâncio Mondlane, porque ele é membro do partido. Até aqui no nosso bairro, também, quando alguém é membro do partido de Venâncio Mondlane é problema. Até existem outros senhores que até agora estão a fugir mesmo, o filho do secretário desse bairro tem estado a ameaçar esse senhor, por isso que até agora esse pai não estamos a lhe ver, agora não sei se também ele foi sequestrado, não estamos a perceber”, acrescentou a fonte.
“Eu vi numa sexta –feira das 9h para as 10 horas, a virem me buscar a dizerem que senhor o tribunal mandou-nos busca e captura, em Natikiri. Pronto, subi no carro, quando subi no carro logo estou a ver algema, me algemaram e perguntei qual é o problema, e disseram que o problema vamos lhe falar a andar. Andamos até no SERNIC, chegamos no SERNIC só aquele chefe disse que o tribunal disse para você estar aqui, então perguntei, qual é o meu processo aí, que eu fiz. Disse o processo vais ouvir lá mesmo, não interessa em ler o processo, desde daí foram me deitar lá no comando até hoje. Não me falaram nada, só disseram que o tribunal nos mandou para vir lhe buscar”, contou um outro suposto de liderar manifestações em Natikiri.
Pedagógico suspeito de liderar manifestações em Muecate detido
O Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), em Nampula, nessa campanha de “caça” aos manifestantes deteve um professor no distrito de Muecate, por sinal secretário da Organização Nacional de Professores (ONP) local, indiciando-se de incitação a violência durante as manifestações.
Materialmente, o referido profissional de educação é suspeito de ter promovido e liderado manifestações pós-eleitorais no distrito de Muecate, as quais culminaram com a vandalização e saque de bens públicos e privados.
“De salientar que neste grupo tem um que seria educador exemplar, que é pedagógico de uma escola no distrito de Muecate e responde como secretário da ONP. O mesmo é que ia lá recolhendo um grupo de jovens para que o mesmo pudesse pautar pela violência que é repudiada pelos estragos que fomos verificando no acto das manifestações, que foram mesmo em situações alarmantes”, disse Enina Tsinine, porta-voz do SERNIC em Nampula.
O referido professor nega qualquer envolvimento seu em actos ligados as manifestações pós-eleitorais. “Eu não sei porque é que estou aqui. O que sei é de que emprestei um senhor que é comandante daqueles policias comunitários no valor de 2000, isso foi em Agosto de 2023. Então, quando eu peço o meu valor ele nega de me dar. Então, neste ano, no dia 7 meu tio ficou de baixa no Hospital de Marrere, eu fiquei com ele e apareceu um colega dele lá no posto comunitário a minha procura e disse, meu chefe na SERNIC disse para lhe investigar porque é apoiante do Venâncio, pronto, é quando me ligaram e me disseram que você é apoiante do Venâncio e eu disse não sei, mas eu nunca apoiei nenhuma cor partidária”, alegou o indiciado.
São segredos de justiça e não podemos partilhar
Questionada a porta-voz do SERNIC sobre a apresentação de apenas três indivíduos, sabendo que nas manifestações foram muitas pessoas envolvidas, respondeu que “não são somente três, esses são os que foram detidos até então, os outros ainda decorrem diligências. Quando se trata de concentração, ou no caso de incitação a violência, manifestações, nem são todos que vão lá como responsáveis, existem pessoas que orquestram todo o plano e vão convidando os outros para poderem materializar. Então, tivemos informações que nos levaram a detenção destes, são segredos de justiça e não podemos partilhar aqui com a imprensa, mas existem provas concretas que levaram a detenção dos mesmos”, referiu Enina Tsinine. (Constantino Henriques, Malito João e Virgínia Emília)
