Nampula (IKWELI) – O ano eleitoral de 2024 foi palco de diversos protestos e manifestações extremas, levadas a cabo por supostos apoiantes do ex-candidato as presidenciais, Venâncio Mondlane, que contestavam os resultados divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) e confirmados pelo Conselho Constitucional (CC) que dão vitória ao actual presidente de Moçambique, Daniel Chapo.
Por forma a manter a ordem e tranquilidade públicas, a Polícia da República de Moçambique (PRM) foi chamada a intervir e numa tentativa de conter os ânimos dos manifestantes, vários cidadãos perderam a vida devido ao uso excessivo da força por parte dos agentes.
Entre o período do arranque das manifestações, que tiveram início a 21 de Outubro de 2024 até ao momento, várias pessoas entre jovens, crianças, adultos e idosos foram atingidas com objectos bélicos como gás lacrimogénio, balas de borracha e até as verdadeiras foram usadas, tudo na justificativa de conter os ânimos dos manifestantes.
Sucede que, no meio disso, nem mesmo os homens da comunicação foram poupados, alguns eram confundidos como parte integrante dos manifestantes e outros mesmo que bem identificados não eram considerados, violando-se assim a liberdade de imprensa e expressão.
Só para ter uma ideia, dados partilhados ao Ikweli pelo MISA Moçambique, indicam que desde o arranque das manifestações até esta parte, houve registo de um total de 21 casos de violação da liberdade de imprensa e expressão em quase todas as províncias que incluem agressão, ameaças a jornalistas, bem como organizações de comunicação social.
Por conta disso, o MISA Moçambique, através do seu Oficial de Comunicação e Advocacia, Armando Nhantumbo, classifica 2024 como um ano “terrível” para classe jornalística, numa altura em que 2022 houve uma redução de casos de violações contra jornalistas.
“Entretanto no ano passado (2024), por causa da tensão gerada ao longo do processo eleitoral, voltamos a ver os números a subir, nessa altura nós enquanto MISA, começamos a alertar sobre isso, dos jornalistas também se tornarem alvo neste ambiente de tensão pós-eleitoral. O que nós vimos, foi a confirmação de que infelizmente os jornalistas continuam a ser encarados em alguns casos como inimigos até pelas autoridades públicas deste país, vimos casos muito preocupantes de jornalistas que estão a ser deliberadamente atingidos, sobretudo pela Polícia da República de Moçambique.”
Nhantumbo recuou a fita para lembrar o caso mais gritante que se registou na cidade de Maputo, no passado dia 21 de Outubro, em que enquanto jornalistas de órgãos nacionais e internacionais conduziam uma conferência de imprensa com o ex-candidato, Venâncio Mondlane, a polícia simplesmente lançou gás lacrimogénio justamente no local onde decorria a entrevista. Um acto considerado propositado, segundo afirma a fonte. “O que nós estamos a ver desde que iniciou esta crise é que a polícia não tem adotado medidas para proteger os jornalistas. Os jornalistas devem sim estar nesses locais onde decorrem as manifestações e é responsabilidade das autoridades policiais tomar as precauções necessárias para que as medidas de repreensão que estão a fazer contra os manifestantes não atinjam e não violentem os jornalistas. O que nós estamos a ver, infelizmente é que a polícia nem sequer pensa em fazer essa distinção entre quem é manifestante e quem é jornalista.”
Armando Nhantumbo enfatizou que é de lei que os jornalistas estejam em qualquer ponto para cumprir com o seu dever e obrigação de manter o público informado sobre os acontecimentos do país, e que este, não deve ser encarado como um inimigo. “Infelizmente a polícia não tem agido nesse sentido de proteger os jornalistas, tivemos um caso que aconteceu no dia 14 de Dezembro, onde um jornalista foi atingido pela Polícia da Unidade de Intervenção Rápida e não prestaram assistência, colegas desse repórter foram ajoelhar perante eles para pedir ajuda, mas eles mais uma vez começaram a disparar para aqueles jovens. É um cenário trágico e muito preocupante, mais uma vez mostra esta tendência de fechar cada vez mais o espaço para o exercício das liberdades fundamentais em Moçambique, incluindo a liberdade de imprensa”.
Segundo Nhantumbo, tais actos poderão contribuir para que nos próximos relatórios de avaliação de liberdade de imprensa e de democracia em Moçambique, indiquem o país a nível internacional como um regime autoritário, hostil ao exercício livre do jornalismo independente. (Ângela da Fonseca)