Nampula (IKWELI) – Na passada quinta-feira (21), o país fez 30 dias após o arranque das manifestações que estão a ser levadas a cabo à escala nacional, pois foi precisamente a 21 de outubro que o candidato a Presidente da República, Venâncio Mondlane, anunciou que os moçambicanos deviam sair a rua para mostrar o seu descontentamento em relação aos resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), após o processo de eleição havido no passado dia 09 de outubro.
Tal situação tem vindo a retrair a entrada de alguns investidores, assim como turistas que nas vésperas da quadra festiva procuram lugares e espaços turísticos, em particular na província mais populosa do país para lazer.
Nesta senda, um dos sectores que tem vindo a se ressentir do impacto das manifestações é o da hotelaria e turismo, lembrando que num passado recente, o país viveu situações que impactaram negativamente a área como é o caso da Covid-19, terrorismo em Cabo Delgado e agora as manifestações.
Dados partilhados pelo governo em 2020, indicam que aquando da COVID-19, Moçambique perdeu 90% das receitas no sector do turismo e não só, a pandemia obrigou o encerramento de várias estâncias turísticas, como também causou perda de postos de emprego.
Futuro hipotecado…
Café Central, uma das estâncias turísticas localizada na primeira capital do país, Ilha de Moçambique, em Nampula, revelou estar a registar baixas e cancelamentos de reservas devido as manifestações.
Um cenário que de acordo com o representante daquela estância, Agostinho Mabota, 10 funcionários que dependem do local para sustentar seus parentes, correm o risco de perder o emprego, hipotecando assim o futuro de suas de famílias.
Ademais, por falta de turistas, o representante partilhou com o Ikweli que novembro é o segundo mês que não paga salários aos seus trabalhadores. “E isso é algo sério, é bastante sério! Talvez até estou a me arranjar problemas, porque eu ainda continuo a manter funcionários que eu não gostaria de desempregar, não queria me desligar de nenhum deles, mas também estou nessa situação em que não consigo mantê-los porque estou endividado, já estou no segundo mês e com o outro atrasado. O que eu desenhei como estratégia é tentar pagar em parcelas”.
Devido as manifestações, a estância perdeu 15 reservas de turistas das Ilhas Maurícias e ainda um grupo de 5 pessoas de Portugal que pretendiam realizar uma reunião por 15 dias na Ilha de Moçambique. “Mas simplesmente porque receberam informações que Moçambique não está bem, mandaram carta de cancelamento”.
Mabota entende que as partes envolvidas devem procurar resolver o problema o mais rápido possível e nos fóruns próprios, por forma a garantir que a população volte a ter uma vida normal. “Temos que voltar a lavar a imagem do país, e os que tomam decisões deviam criar uma forma correta de tentar resolver, com vista a deixar a sociedade a ter uma vida segura como antes”.
Aliás, o mesmo cenário é partilhado pela casa de hóspedes Ruby, uma estância virada para aspectos culturais, localizada na cidade de Nampula, que há muito vem se debatendo com cancelamentos de reservas devido as manifestações.
O responsável pela casa, AC Guimarães, revelou ao Ikweli que por conta da situação, teve que assistir cerca de 90% de reservas a serem canceladas. “Estamos a falar que para quem tinha 20 reservas num mês, só ficou com duas e inclui os 9% aqueles que não perderam a motivação para reservar, isso quer dizer que nós temos as reservas que são de turistas, eles fazem com alguma antecedência e temos a reserva de trabalho de moçambicanos que fazem para vir fazer o processo de inspeção ou formações nos distritos e ficam aqui connosco e nenhum deles veio e não posso afirmar que cancelaram, simplesmente não vieram. Em relação aos turistas, todos cancelaram, os que vieram, eram indivíduos que não fizeram reserva”.
Guimarães partilhou ainda que chegaram a receber apenas 1 hospede por semana, o que significa que num mês receberam só 4 visitantes. Tal facto está a prejudicar não só a casa, mas também aos 8 trabalhadores que poderão perder o emprego. “Alguns salários vão ter que ser revistos, neste momento de crise, quem quiser está aberto para ir a procura de um outro lugar, tivemos que ter essa abertura para poder manter o funcionamento nesse período. O Ruby tem 8 trabalhadores e todos estão nessa condição”.
Apesar disso, Guimarães afirma não ser contra as manifestações, visto que elas fazem parte de um direito constitucional, contudo, entende que para um melhor entendimento, deve “haver vontade de mudança, ambas as partes estarem disponíveis para conversar e que aceitem mudança em prol de Moçambique, se isso não acontecer, eu não estou a ver essas manifestações a acabarem tão cedo”.
A nossa equipa fez, igualmente, uma ronda em alguns hotéis da cidade para perceber até que ponto a instabilidade política está a afectar o ramo hoteleiro, entretanto, todos sentiram-se receosos em gravar entrevista, contudo afirmaram estarem a passar por momentos difíceis, visto que a estas alturas do ano, os espaços estão completamente vazios, pois as organizações, assim como instituições do Estado, estão a cancelar as reservas.
Só para ter uma ideia, uma das estâncias, fez saber que contam com cerca de 135 quartos, destes, apenas 15 estão ocupados, uma ocupação que mesmo com os valores que são cobrados não cobre o pagamento das despesas do hotel, como por exemplo a compra de corrente eléctrica que tem um valor fixo de 600.000,00Mt (seiscentos mil meticais) a 700.000,00Mt (setecentos mil meticais) por mês.
Os responsáveis explicaram, igualmente, que o que tem mantido os hotéis são os eventos criados pelas organizações, mas mesmo tais treinamentos e formações já não acontecem. “Outubro, novembro e dezembro tem havido muitos encontros, pois é uma altura de fiscalização e treinamento. As organizações podem até fazer reservas, mas as pessoas é que não querem vir por medo de sair. Isso não está a ser bom para nenhum de nós”.
Governo de Nampula prevê baixas de 28 para 15 mil visitantes
Enquanto isso, a direcção provincial da Cultura e Turismo em Nampula diz que o fluxo de hóspedes e reservas tem vindo a reduzir a cada dia que passa, pois para a quadra festiva 2024-2025, a província tinha, como previsão, a recepção de 28 mil turistas, entretanto, por conta das manifestações que estão a ser registadas em diversos pontos da região, o executivo prevê uma baixa para 15 mil visitantes. “Por conta da quadra festiva nós estávamos a projectar 28 mil turistas, mas agora recai para 15 mil, uma baixa acentuada. Como disse, até setembro, tínhamos 117 mil turistas, mas o que está a acontecer agora é que, pelo menos, para essa quadra festiva não temos hipótese, as ameaças continuam, mesmo com apelos que saem de todo o canto do nosso país, até da diáspora”, disse o director provincial da Cultura e Turismo, Omar Abdul Aquiamungo.
O responsável da pasta do Turismo em Nampula partilhou, igualmente, que até na última quarta-feira (20), tinham sido canceladas 45 reservas em 5 estabelecimentos e o destaque vai para as estâncias turísticas do distrito de Mossuril, onde cerca de 31 reservas foram canceladas, seguido de Angoche com um total de 4. “Na verdade, a questão de manifestações veio apenas agravar, Nampula nunca esteve bem, desde a Covid-19, estávamos a tentar recuperar e agora está a surgir esta situação. Em Nampula temos três polos principais do turismo, que é a Ilha de Moçambique, Mossuril e Nacala, se esses três polos estiverem fracos, estamos a afirmar categoricamente que não estamos bem. Só para elucidar, há quatro dias tínhamos apenas 25 cancelamentos das reservas, mas até esta manhã (quarta-feira 20), tivemos 45 cancelamentos e me parece ser um processo progressivo, porque a própria manifestação parece estar a abrandar, mas a ressonância da comunicação que sai do país para fora não está a conjugar-se com a realidade no terreno, porque as pessoas sentem-se ameaçadas e vão continuar a cancelar”.
Segundo a fonte, de janeiro a setembro do ano em curso, a província recebeu 117.205 turistas, sendo que nestas alturas de pico devido a quadra festiva, a região devia estar a registar maior fluxo de hóspedes, mas está a acontecer o contrário.
Aquiamungo fez saber que maior parte dos turistas que visitam os locais turísticos da província saem dos países da europa ocidental, tais como Portugal, Espanha, Itália, Alemanha, França Holanda, Noruega, Bélgica entre outros. Mas por conta do cenário actual, estão a cancelar suas reservas e assume que “as manifestações vieram agravar a situação do turismo na nossa província”.
A fonte avançou ainda tratar-se de uma cadeia de prejuízos que poderá afectar diversos sectores, até o próprio manifestante. “As pessoas não querem compreender que a economia é o fluxo da moeda, isso que está a acontecer significa menos entrada de hóspedes e com isso a migração, turismo entre outros não fazem dinheiro, a consequência disso será não ter dinheiro para pagar o tesouro central. Os que vendem combustível e os que tem transporte terão menos mobilidade porque não há turistas, em consequência disso, algumas casas podem sofrer quedas e podem fechar e quando uma estância turística fecha, os nossos irmãos ficam sem emprego”.
Dados partilhados pela direcção de Cultura e Turismo indicam que nos últimos três meses o fluxo de turistas e reservas na província reduziu. Ora vejamos, em setembro houve um registo de 1222, outubro passou para 965, o que corresponde a uma descida de 21,03% sendo que para o mês de novembro prestes a findar, o número desceu ainda mais para 199.
A nossa equipa de reportagem procurou os serviços migratórios em Nampula, para perceber o fluxo de entradas e saídas de cidadãos na província face a onda de manifestações, entretanto, estes afirmaram não dispor de dados suficientes para partilhar com a imprensa. (Ângela da Fonseca)