Manifestações deixam cicatrizes profundas em menores

Nampula (IKWELI) – Nos últimos dias, as ruas têm sido palco de intensas manifestações que, embora reflictam a luta por mudanças, têm gerado consequências devastadoras para as crianças. 

A violência, o caos e a insegurança generalizada têm transformado a rotina das famílias, deixando marcas emocionais profundas, especialmente nos menores de idade.

Em entrevista, crianças e seus encarregados compartilharam relatos comoventes sobre o impacto desses acontecimentos.

Joana Afonso, de 12 anos de idade, descreve as noites sem sono e o constante estado de alerta. “Eu vejo as pessoas correndo e gritando na rua. Às vezes, parece que estou lá no meio, mesmo estando dentro de casa. Quando ouço os barulhos de bombas ou tiros, meu coração dispara, e eu sinto como se algo horrível fosse acontecer. Já faz dias que não consigo dormir direto. Fico acordada até tarde, esperando o silêncio, mas ele nunca chega”.

Adimo Ismael, de 14 anos de idade, relata que, por conta das manifestações, a sua rotina mudou bastante e agora ele sente-se sozinho. “Antes eu jogava futebol no campo da Texmoque, mas quando iniciaram as manifestações já não brinco bem, tenho medo de me deslocar para lugares distantes como antes por medo de ser baleado”.

Conceição Aristides, de 13 anos de idade, relatou ao Ikweli que além de não brincar como antes, ela tem medo de perder os seus familiares em manifestações. “Quando meus pais saem, para as ruas, tenho medo de eles não voltarem mais e serem alvejados”.

Para Ester Manuel, de apenas 11 anos de idade, as ruas que antes eram um lugar seguro, tornaram-se em motivo de pavor. “Estávamos a brincar quando ouvimos muito barulho do lado de fora. De repente, ouvimos barulho, meu nariz começou a arder, meus olhos ficaram cheios de lágrimas, e todos os meus amigos começaram a encher-se de lágrimas nos olhos. Eu não quero passar por isso de novo”.

Nazir Teodoro, de 7 anos de idade, sente falta de sua liberdade e da convivência com os amigos. “Antes, eu brincava na rua com as outras crianças da minha vizinhança. A gente jogava bola, corria, fazia brincadeiras. Agora, minha mãe não deixa mais. Ela fala que é perigoso, que alguém pode machucar a gente, eu sinto falta dos meus amigos, mas eles também estão trancados em casa. Parece que não temos mais onde brincar”.

Carlos, de 11 anos de idade, relata um episódio que transformou sua visão sobre a segurança no bairro onde vive. “Na última vez que manifestaram aqui, sentimos a dor do gás lacrimogénio. Quando começaram, eu e minhas irmãs corremos para dentro por orientação da nossa mãe”.

Anascência da Conceição, de 13 anos de idade, é categórica em sua declaração. “Eu só quero que tudo isso acabe. Não gosto quando ouço os barulhos de tiros ou bombas. Parece que o mundo está acabando, vejo minha mãe chorando e minha irmã me pedindo para não sair da sala. Isso não é justo. Eu só queria que tudo voltasse a ser como antes”.

O receio dos pais

A dor das crianças é um reflexo directo da angústia sentida pelos encarregados de educação, que se vêem sem alternativas para protegê-las do caos ao redor. Jesuína Alfaque, moradora da zona CTT, mãe de dois filhos, explica como a rotina da família foi completamente alterada. “Antes, meus filhos brincavam no quintal ou na rua. Agora, não saem de casa. Eles estão o tempo todo grudados em mim, perguntando se estamos seguros, se algo vai acontecer connosco. É muito difícil explicar para eles o que está acontecendo, porque nem eu mesma entendo direto. Eles choram por causa do barulho dos tiros e do fumo, e eu fico desesperada por não conseguir acalmá-los”.

António Silva, pai de uma menina de 8 anos, compartilha a dificuldade de lidar com o medo crescente de sua filha. “Ela começou a me fazer perguntas difíceis, para mim ela pergunta ‘Papá, e se eles entrarem aqui em casa? Eu tento ser forte, mas às vezes não consigo esconder o quanto estou preocupado. Ela percebe meu nervosismo e fica ainda mais assustada. Como pai, eu deveria dar segurança a ela, mas parece que não estou conseguindo”.

Carla Mendes, mãe de um menino de 6 anos de idade, enfrenta o dilema de sair para trabalhar e deixar o filho sozinho. “Eu trabalho numa casa, entro cas 5 horas e saio as 19h, nesse tempo deixo meu filho com minha irmãzinha e, mesmo assim, fico com o coração apertado. A cada notícia de protesto ou confronto, eu penso: ‘Será que ele está bem? Será que algo aconteceu enquanto eu estava fora?’ Esse tipo de preocupação está me consumindo. Meu filho está mais calado ultimamente, e eu sei que ele também sente alguma mudança”.

João Almeida, pai de três crianças, destaca o impacto da violência na rotina educacional dos filhos. “A escola não é um local seguro, e por causa das manifestações, os professores dificilmente aparecem nas escolas. Isso mexeu muito com a rotina das crianças. Elas sentem falta dos amigos, das aulas e até da segurança que a escola oferecia. Agora, elas ficam o dia todo em casa, ouvindo barulhos e vendo imagens na TV. Eu vejo que elas estão mais tristes e ansiosas, mas não sei como ajudá-las”.

Especialistas alertam para impactos psicológicos graves

Analistas políticos, também, destacam o impacto social. “As manifestações para futuras gerações vão deixar sequelas, as crianças veem nas comunidades pessoas a serem mortas a pedradas, veem pessoas a projectar bombas de fabricos caseiros e usam, vêm famílias, pais, jovens e filhos a participarem de actos de vandalismo, assaltos e estabelecimentos comercias, lojas, fazendo saques, isso tudo vai prejudicar a psique social”, comentou Dércio Alfazema. 

Psicólogos politicos afirmam que os traumas vivenciados pelas crianças em situações de violência urbana podem ter consequências comprometedoras no futuro. “Para as crianças que estão a vivenciar este fenómeno, o que pode acontecer é que essas crianças podem desenvolver um stress pós-traumático, por vivenciar mortes, principalmente para aquelas que vivenciaram directamente, nos seus bairros, ruas, mortes de um familiar ou foi afectado, mesmo aquelas crianças que conseguem ver na televisão, vai desenvolver o stress pós-traumático que é um trastorno que a criança vai desenvolver devido a presenciar estes actos”, explicou psicólogo Paulino Feliciano, acrescentando que “além disso as manifestações vão trazer para as crianças a insegurança e medo, isso impedirá o desenvolvimento social da criança, porque ela  terá medo de sair, e por conta do medo e insegurança a criança irá desenvolver a ansiedade, stress prolongado, isolamento, restrição a movimentos sociais”.

Enquanto as manifestações continuam, especialistas pedem uma atenção especial às crianças, sugerindo o fortalecimento de redes de apoio psicológico e acções que minimizem os impactos dessa crise.

“Os pais e encarregados de educação devem fazer de tudo para proteger as crianças para que estejam em lugares seguros e que não façam parte desses movimentos, e os pais devem procurar dialogar com as crianças. Para aquelas crianças que vivenciaram as manifestações violentas, é preciso que essas crianças tenham acompanhamento, os encarregados devem estar atentos aos sinais, provavelmente essas crianças podem mudar de comportamento ter insónia, isolamento não querer sair de casa, se essas crianças apresentarem esses sinais devem ser encaminhados a especialistas”, recomendam os especialistas. (Ruth Lemax)

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