Nampula (IKWELI) – Movido pelo espírito de erradicação do analfabetismo que assola meninos sem abrigo na cidade de Nampula, assim como a paixão e o amor em ajudar o próximo, Alimo Uirissone, jovem estudante mais conhecido por professor e pai de rua, reacendeu a luz de esperança arranjando-lhes com um pequeno espaço que servirá de refúgio nos próximos meses.
Trata-se de um grupo social que tinha a rua como seu único e principal abrigo. Sem cobertores nem um colchão para minimizar seu sofrimento, recorrendo assim a papelões para se aconchegarem e expondo-se a situações de extrema vulnerabilidade, o que de alguma forma os deixava propensos a contrair várias doenças.
Por isso, para além de ensinar a literacia e a numeracia, através do seu “projecto Aprenda”, Alimo Uirissone, sentiu a necessidade de desvincular seus alunos da rua e tomou a iniciativa de procurar um espaço para servir de abrigo.
Depois de várias tentativas, eis que a única porta que se abriu foi a casa de hóspedes Ruby, um conhecido espaço de manifestações artístico culturais localizado na cidade de Nampula.
Por conta disso, o dia 17 de Outubro do ano em curso, passará a ser uma data histórica na vida de, pelo menos, 9 adolescentes e jovens com idades compreendidas entre 14 e 18 anos que passarão a ter um espaço para chamar de casa, ainda que seja temporário.
Temporário porque, os 9 meninos selecionados destacaram-se durante as aulas e por conta disso, passaram também a ter uma formação técnico profissional de electricidade instaladora e mecânica auto que durará quatro meses, posto isso, os mesmos serão reintegrados nas suas famílias, já com o saber fazer. Pois entende-se que só assim os mesmos não olharão para a rua como fonte de autossustento.
“Depois dessa formação, nós vamos reunificar essas crianças junto das suas famílias e para aqueles que são mais velhos, vamos arranjar meios de enquadrar no mercado de emprego”, explicou Alimo.
Por isso, Alimo considera o Ruby como sendo a salvação do seu projecto “Aprenda”, visto que para além do espaço, lhes foram oferecidas todas as condições necessárias para que as crianças sentissem-se acolhidas.
“Elas prometeram não voltar a rua e não pensar sobre a rua, porque aqui tem sido uma casa para eles, tem gente acolhedora e para além de mim, as pessoas que encontramos dentro do Ruby conversam com as crianças, chamam atenção e passam um aprendizado para elas na minha presença, assim como ausência. As crianças sentem-se em casa, não só, elas têm estado muito ocupadas com actividades. No período da manhã estão na formação, no período da tarde idem e depois da formação tem um explicador para reforçar a leitura e escrita aqui em casa e depois do formador o mesmo venho trabalhar com eles na língua inglesa”.
Entretanto, Alimo conta que abriu mão dos seus bens para lutar por um bem que considera ser maior, que é ver um brilho diferente na vida dos adolescentes, por isso ele também se encontra a viver no mesmo local. “Eu tive que vender tudo, todos os meus bens para estar aqui. Uma das condições, também, para que ficássemos é que os meninos estivessem com alguém para os supervisionar e caso aconteça alguma coisa, vamos supor que um deles fique doente é minha responsabilidade levá-los ao hospital e isso não seria possível se eu estivesse a viver longe deles”.
Entretanto, o jovem explica que apesar disso, os meninos continuam a enfrentar desafios constantes, um deles tem a ver com a falta de transporte para se deslocarem ao local onde são ministradas as aulas técnicas de mecânica auto e electricidade instaladora, como também a falta de condições financeiras para alimentá-los. “Meu maior medo é ter as crianças na rua, levar elas caminhando para a formação, gostava de ter um transporte para a segurança delas. Tem sido muito desafiador pensar no que é que elas vão comer amanhã, tudo depende de mim, tenho que correr para suprimir algumas necessidades que o projecto tem”.
Meninos esboçam sorrisos pela mudança
Naquele local, os meninos sem teto, passaram a viver a vida com mais dignidade, pois, é lá onde passam as noites e contam com refeições, assim como banhos regulares.
Ramadane Assane, de 14 anos de idade, disse ao Ikweli que vivia na rua há dois anos, por isso lhe era difícil acreditar que um dia poderia sair da rua. “Eu dormia no papelão e no pavê, alimentava-me com restos de comida, mas agora estou muito feliz por estar aqui, porque para além de um sítio bom para dormir posso continuar a estudar”.
Ali Momed, de 18 anos de idade, desde 2018 tinha a rua como seu único refúgio. Para sobreviver aprendeu a lavar carros e foi lá onde pela ironia da vida conheceu o cigarro.
Entretanto, neste ano conheceu o professor Alimo que, imediatamente, o convidou para passar a participar de algumas aulas que eram ministradas no passeio central da Av. 25 de Setembro.
Tal como o Ramadane, Ali não acreditava que um dia podia sair da rua para um local mais condigno. “Eu fumava cigarro e isso acontecia porque também andava com pessoas que fumavam, mas um dia conheci o professor que me explicou que essa forma de viver nunca mais teria família e que o meu comportamento não seria bom, foi quando disse para começar a estudar. Eu não estava a acreditar que a nossa vida iria mudar, começamos a estudar e sempre o professor dizia amanhã vamos sair daqui, e hoje agradeço ao professor e o Ruby”.
Tal como os outros meninos, Mendes partilhou que acreditava que estavam a ser usados pelo professor para benefício próprio, no entanto essa percepção mudou imediatamente porque sempre foram tratados com amor, carinho e o local onde hoje se encontram é exemplo disso. “Nós sentávamos no chão para estudar, mas o professor sempre nos encorajou, sempre dizia que a vida vai mudar. Hoje estamos bem, não queremos mais voltar a viver na rua, aqui temos tudo, temos cama e lençol, temos comida não comemos mais coisas do lixo”.
Mas apesar disso, sua maior motivação é ver o futuro dos meninos muito bem traçado e, por isso, para além das aulas técnicas, são submetidas a aulas de ética.
Em entrevista ao Ikweli, o responsável pela casa de hóspedes Ruby, AC Guimarães revelou que o jovem Alimo não chegou a pedir-lhe o espaço, tendo explicado que apenas procurava saber se conhecia alguém que o pudesse ajudar. “Gostei do projecto do jovem e avancei que tínhamos dormitórios em formato de beliches e que as crianças podiam ficar lá, a gente só precisava ajustar alguma logística porque nós somos uma guest house virada para turismo e não para crianças de rua e com outras necessidades, mas depois de acertarmos esses detalhes eles ficaram”.
Enquanto isso, o governo garante suporte técnico ao projecto
O governo, através da Direcção Provincial do Género, Criança e Acção Social (DPGCAS), em entrevista ao Ikweli garantiu que tem estado a dar todo suporte técnico ao projecto do jovem, uma vez que se trata de uma iniciativa que conta com os mesmos objectivos do sector que é retirar as crianças da rua.
Albertina Ussene, directora provincial do Género, Criança e Acção Social explicou ao Ikweli que o sector emitiu uma credencial ao Projecto do Jovem que terá a validade de um ano para que o mesmo não tenha dificuldades durante as suas actividades. “Na senda da nossa assistência técnica, aconselhamos o jovem a legalizar a sua situação e ele submeteu a sua proposta e foi muito fácil darmos um parecer porque nós vivemos a mesma história e os mesmos propósitos que é retirar as crianças da rua. Credenciamos para que ele não encontre inibições na prática da sua actividade de assistência a essas crianças”.
Ainda sobre o suporte técnico, Albertina Ussene sublinhou que como indivíduo que pretende apoiar por via de um parceiro, existem alguns procedimentos que estes devem seguir. “Se é um espaço, nós aconselhamos a legalizar como um centro de acolhimento e nós daríamos todo o suporte técnico, ou pareceres favoráveis para que quando fosse um ministério tivessem um aval favorável, porque nós sabemos que agora temos nove crianças e tenho fé que este processo pode terminar com sucesso e poderão abrir espaço para mais outras crianças, porque elas não podem estar ali para sempre, aquele espaço serve de ponte para a sua reintegração na família”.
A fonte avançou ainda que é pretensão do governo criar uma ponte entre o jovem e alguns parceiros que se identificam com a causa, por forma a apoiar os meninos mais velhos com um estágio remunerado, após o término da formação. “Fazer uma advocacia para que o estágio seja remunerado, e aí estaremos a devolver a esperança a esses jovens de poder contribuir activamente para a sociedade, desde que ele esteja motivado a contribuir para a sociedade pode sonhar em ter seu próprio espaço, pode não regressar para casa, mas terão condições de ter uma família própria e cuidar de si e porquê não sonhar que esses meninos poderão ser como este jovem que está neste projecto a tentar tirá-los da rua?”.
Entretanto, adianta que o professor deve criar aliança com o sector de Educação para que os meninos no final tenham os respectivos certificados. “Sugerimos que, através da Direcção Provincial da Educação, legaliza-se o projecto, num centro de alfabetização. De um lado iria incentivar os formadores que dão aulas de forma gratuita e por outra estaríamos a legalizar aquele procedimento, isso é para que permita que a criança possa ingressar a uma escola automaticamente, não estaria apenas a passar o tempo em vão, é como se estivesse a graduar e quando chegasse altura de ser reintegrada já sairia com uma documentação”.
Vale frisar que o professor contava com 20 adolescentes, desses, apenas 9 destacaram-se e passaram para a fase de formação técnico profissional, enquanto os outros continuam a ter aulas no recinto do DPGCAS, com o sonho de um dia também poderem sair da rua. (Ângela da Fonseca)