Nampula (IKWELI) – A Oficial de Protecção no Alto Comissariado das nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em Moçambique, Inês Castanheira Pinto, disse que até 2020, mais de 80.000.000 (oitenta milhões) de pessoas procuraram refúgio em todo o mundo, quer através de fronteiras ou mesmo no país de origem, por conta de vários fenómenos, com destaque para a guerra e perseguições.
Pinto falava no Centro de Refugiados de Maratane, o único na região austral de África, localizado na província de Nampula, no norte de Moçambique, pela passagem do dia 20 de Junho, dia dos refugiados.
Esta fonte considera, olhando para os dados, que este número representa o dobro do que se registava há décadas, facto que preocupa a instituições e outros actores da sociedade.
“Este dia serve para reconhecer as experiências difíceis e os desafios enfrentados por milhões de pessoas forçadas a fugir da violência e da perseguição. Serve ainda para ressaltar a importância da inclusão, a capacidade das pessoas refugiadas em contribuir para as comunidades que as acolhem e alertar para os deslocamentos forçados, não só em Moçambique, mas em todo o mundo”, anotou Inês Castanheira Pinto, acreditando que “com a ajuda das comunidades acolhedoras e a amabilidade dos países vizinhos as pessoas podem encontrar a força para curar e construir as suas vidas na normalidade”.
No entender daquela oficial de protecção do Alto Comissariado das Nações Unidas, não se deve perder o olhar porque cada número representa uma pessoa real, seja ela, rapariga, criança ou adulto, cuja vida foi condicionada por conflitos. No entanto, sob o lema, “Quando estamos juntos aprendemos e construímos uma comunidade melhor” celebra-se o Dia Mundial do Refugiado, onde com a ajuda das comunidades se pode construir um mundo melhor sem discriminação.
Apesar dos enormes desafios encontrados no dia-a-dia, Inês Castanheira Pinto dá a entender que os refugiados e alguns cidadãos deslocados internamente têm mostrado as suas forças e a sua resiliência, trabalhando como médicos e enfermeiros, desenvolvendo soluções de higiene inovadoras e mantendo as suas comunidades a funcionar e sempre protegidas e, exemplo disso, é o Centro de Refugiados de Maratane.
“Em 2020, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), continuou a insistir na inclusão das pessoas deslocadas à força, quer através das campanhas de vacinação da Covid-19, planos de ajuda económica, bem como na inclusão de projectos inovadores de educação. Apelamos a inclusão de todas as pessoas que se viram forçadas a serem deslocadas, nas nossas comunidades optamos de nos concentrarmos nos cuidados de saúde, educação e desporto, isto porque precisamos de combater a pandemia, por causa dos milhões de crianças cuja educação foi interrompida e finalmente, no desporto, em honra dos próximos jogos olímpicos e pelo poder que o desporto tem ultrapassado os obstáculos da língua e nacionalidade, pela sua capacidade de aproximar os povos”, explicou Inês Castanheira Pinto, terminado que “quando for dada uma oportunidade os refugiados continuaram sempre a contribuir para um mundo mais forte, mais seguro e vibrante. Maratane é exemplo disso”.
Entretanto…
Para alguns cidadãos naquela condição, ser refugiado é um desafio, a partir das razões que fazem com que as pessoas abandonem as suas terras de origem, o percurso para chegar a uma zona, os meios de ganhar a vida, bem como o pedido de asilo no território de chegada.
Hirwa Bruce, do distrito de Bukavu, província de Sud Kivu, na República Democrática de Congo é um dos mais refugiados entrevistados pelo Ikweli, que deixa cair lágrimas ao recordar dos momentos difíceis que passou para chegar a Moçambique, concretamente na província de Nampula. Ele contou-nos que testemunhou a morte de seus familiares protagonizada pelos terroristas, naquela região da África Austral.
“Eu fui capturado pelos malfeitores e fiquei no esconderijo deles há cerca de uma semana. Passados aqueles dias, eles mandaram-me buscar lenha porque achava que eu já estava conformado e poderia ficar com eles, então, foi daí que, pela graça de Deus, eu consegui escapar. Quando sai neste lugar, corri muito, tendo entrado em Dodoma e Dar-És-Salam, na Tanzânia, até chegar à província de Cabo Delgado”, contou o nosso entrevistado.
Ao Ikweli, Hirwa Bruce, de 35 anos de idade e solteiro, revelou que abandonou a sua terra de origem por motivos de guerra e tendo chegado a Moçambique no ano de 2013, depois de um percurso de um mês. Igualmente, a nossa fonte lembra que na altura trazia consigo 100 dólares, dinheiro que acabou ao longo da caminhada.
“Quando eu saí do Congo nem sabia qual era o meu destino, daí que quando cheguei na província de Nampula a polícia me acolheu e enviou-me ao Centro de Refugiados de Maratane, dado que em Cabo Delgado passei a maneira”, disse ele, para quem “quando cheguei em Maratane fui dado um documento que me permite circular”.
Bruce contou ainda que enfrenta uma grande dificuldade, uma vez que ele é requerente de asilo, mas que não está a ter resposta. Ademais, a falta de assistência médica, escassez de produtos alimentares, entre outros dificuldades condicionam a vida dos refugiados residentes no Centro de Maratane, razão pela qual alguns não sabem qual vai ser o futuro.
Outrossim, para o nosso entrevistado que frequentava o curso de Ciências de Educação é que “parece que a constituição moçambicana não acredita os refugiados entrar no ensino superior. Isso, também, nos preocupa bastante. No caso de concurso, por exemplo, uma das condições é ser cidadão de nacionalidade moçambicana, então não há espaço para nós os refugiados”.
“Eu sou agricultor, sempre que puder faço as minhas actividades, não quero roubar para ir à cadeia. Ainda mais, vivo com a esperança de um dia ter uma vida melhor cá em Moçambique ou mesmo na minha terra de origem. Da minha família todos os membros foram vítimas da guerra, eu apenas consegui escapar”, referiu Hirwa Bruce que almeja voltar a Bukavu, na República Democrática de Congo, quando os conflitos terminarem. (Esmeraldo Boquisse)