Persistem desafios para o combate a violência sexual contra menores em Nampula

Nampula (IKWELI) – O Gabinete de Atendimento a Família e Menor Vítimas de Violência (GAFMVV), em Nampula, registou, durante os primeiros 5 meses do corrente ano, 106 casos de crimes contra a liberdade sexual da rapariga, contra 92 de igual período do ano transacto.

Os crimes contra liberdade sexual incluem o estupro, violação sexual mediante fraude, assédio sexual, estupro de vulnerável, corrupção de menores, divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, mediação para servir à lascívia de outrem, casa de prostituição, rufianismo, promoção de migração ilegal e ato obsceno.

A lei 29/2009 de setembro, também conhecida como lei de violência sexual, estabelece que a violência sexual é “qualquer conduta que constrange a praticar, a manter ou a participar relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força,” como também refere-se a prática que “induza [alguém] a comercializar ou utilizar de qualquer modo a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimónio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício dos seus direitos sexuais [e] reprodutivos.”

A província de Nampula, a mais populosa do país, tem vindo nos últimos tempos a registar de forma sistemática casos de violação sexual contra menores, alguns dos quais perpetrados por membros das suas famílias.

O caso mais recente foi reportado na edição de 11 de junho no jornal Ikweli, onde uma menor de 7 anos foi violada pelo padrasto na zona de Marrere em Nampula, e o outro ocorreu no bairro de Mutava Rex, envolvendo um jovem de 26 anos e uma rapariga de 10 anos de idade.

Apesar das denúncias feitas por familiares, casos há em que os processos não têm o devido fim, tal como o da menor de 14 anos de idade, que no ano 2023 foi violada pelo seu professor no distrito de Murrupula, mas contra todas as expectativas, até o momento, 2 anos após o sucedido, o julgamento ainda não aconteceu. 

Desolada, a mãe da menor explica que “o caso de violação sexual da minha filha continua sem julgamento por alegadamente várias situações, como é o caso das manifestações violentas após o processo eleitoral que culminaram com a vandalização de infraestruturas públicas e privadas, além disso, o juiz do caso teria sido transferido para um outro distrito da província de Nampula, e até os dias que correm nada vem e nada vai sobre o caso de violação sexual.”

Tentativas de entender porque o processo não teve o devido avanço mesmo com o tempo considerável que passou, o magistrado do Ministério Público e porta-voz da Procuradoria Provincial de Nampula pediu alguma calma, esclarecendo que “o julgamento vai ser marcado em Murrupula e quem marca a data é o tribunal, a procuradoria na província já acusou o processo e então o arguido da acusação será notificado.”

Falando exclusivamente ao Ikweli, Ilda Ferreira, representante do GAFMVV no comando provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Nampula, informou que a violação sexual de menores traz consigo várias consequências na vida da criança.

“Nós como autoridades, estamos também muito preocupados, porque sabemos que a situação da violência é uma realidade, isto porque acontece em todo sítio, seja nas escolas, em casa, nas comunidades e muito mais na rua. Preocupa-nos também que alguns pais têm feito negociações a nível das comunidades e só quando não dá certo é que procuram o nosso gabinete,” mas também “nos alegramos porque as denúncias estão a aumentar, isso é sinal de que a comunidade está consciencializada.”

Questionada sobre como a entidade que dirige lida com casos de violência sexual envolvendo familiares, Ferreira explicou que “aqui nós não damos contemplações, por isso esses casos todos que citei tiveram procedimentos criminais, os mesmos pararam na procuradoria e foram julgados. Agora nós dizemos que a justiça já está a fazer o seu trabalho com rigor e seriedade, pedimos que a sociedade seja colaborativa na denúncia destes casos criminais.”

Naqueles casos em que os familiares tentam esconder os vestígios, a fonte asseverou que “não importa se tem ou não vestígios, nós acabamos fazendo a nossa parte, que é de encaminhar a estâncias superiores no sentido que seja punido o autor do acto de violação sexual de menor.”

A responsável revelou, igualmente, que há um trabalho colaborativo com a direcção provincial do Género, Criança e Acção Social com vista a garantir o apoio psicossocial e “para desencorajar este mal.”

Esta fonte disse que o GAFCVV enfrenta desafios com o pessoal, sobretudo psicólogos, pois “actualmente só dependemos dos psicólogos do hospital, mas gostaríamos que nós também tivéssemos, isto porque, quando a vítima vier, apesar que eles primeiro vão ao hospital e tem aqueles diagnósticos, séria muito bom que a mesma tivesse um atendimento psicológico especializado do gabinete.”

Ferreira apela uma comunicação de qualidade entre pais e filhos, “porque, muitas das vezes, elas imitam as amizades, quando vem algumas meninas com telefone e um pouco de condições elas também querem seguir o mesmo caminho supostamente para mudarem de vida e no final de tudo a menina é inocente e sai prejudicada.”

Entretanto

A directora provincial do Género, Criança e Acção Social de Nampula, Cedinha Mpila, disse que não há cultura de denúncia de casos de violação sexual de menores, apesar dos esforços empreendidos pela entidade que dirige.

“É uma preocupação, porque notamos que há falta de denúncia, nós como direcção, já fizemos um trabalho de sensibilização nas nossas comunidades e não só, Na cidade de Nampula, temos nossos centros de acolhimento de serviços integrados, lá temos psicólogo, a saúde e IPAJ [Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica], temos todos esses serviços, isto é para facilitar as pessoas que sofreram este mal para irem de forma aberta denunciar e fazer-se o seguimento dos casos.”

Para Mpila, os denunciantes têm medo de serem penalizados, por exemplo, se a pessoa vai fazer denúncia e o processo chega as autoridades competentes, segundo os denunciantes é “atirado pedras” do tipo, porque você foi denunciar este caso? não podias fazer isso.”

A fonte partilhou que durante o primeiro trimestre do presente ano, a instituição registou 105 casos em toda província, um número que considerou baixo, olhando pela complexidade da província que conta com acima de 7 milhões de habitantes.

“Sabemos que estes casos de violência baseada no género acontecem, mas por falta de denúncias temos esses números reduzidos, nós como a direcção não vamos parar de trabalhar e sensibilizar a população no sentido de mudar a consciência.”

E o psicólogo Castiano Castiano, dos Serviços Provinciais de Saúde em Nampula, anota que há necessidade de prover assistência contínua a essas vítimas.

“Este é um problema de saúde pública que preocupa nós como sector e programa de saúde mental, porque são casos que registamos e tendo em conta a faixa etária os impactos são negativos, nesse caso, quando uma criança é violada não está preparada biologicamente para esses tipos de actos.”

O que dizem os religiosos?

O delegado provincial do Conselho Islâmico de Moçambique (CISLAMO), em Nampula, Sheik Abdulmagid António, reagiu ante as violações perpetradas contra criança considerando-as como “uma grande preocupação, porque nós temos dentro da comunidade pessoas que pautam por actos de violência dos direitos da criança e mulher, que são impedidos de viver livremente na escolha do seu parceiro, a lei refere que enquanto não atingir os 18 anos a pessoa é menor, mas as situações que vivenciamos nas comunidades são contrárias.”

Para o Sheik, é necessário que o governo atribua “penas exemplares aos violadores.”

Já para o líder da Igreja África Wayeso, Armando Jó, a violação de menores é uma prática condenada e “um pecado grave diante de Deus,” pois “a criança não tem uma capacidade de discernir, a igreja olha para violência doméstica e sexual como uma violação da dignidade humana.”

Jó foi mais adiante afirmando que na sua congregação, por exemplo, se este acto de violação sexual contra menores é praticado por um líder, este é censurado de forma dramática. “A palavra de Deus fala que o mundo está sob influência do mal e por isso vamos nos afastar de todo o mal. Uma pessoa salva por cristo não pratica actos sexuais com crianças, ainda segundo a palavra de Deus, as coisas inimigas do homem é o desejo da carne e as coisas mundanas influenciam por actos diabólicos.” (Nelsa Momade)

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