Nampula (IKWELI) – A província de Nampula, localizada no extremo norte do país, registou mais de 1800 casos relacionados com a Violência Baseada no Género (VBG) em 2024, que culminaram em mortes, dos quais dois provaram ser resultantes de feminicídio.
A informação foi partilhada à imprensa nesta quarta-feira (21), pela psicóloga clínica e de aconselhamento do Gabinete de Atendimento Integrado às Vítimas de Violência, (GAIVV), no Hospital Central de Nampula, Zunura Zubaire.
“Olhando para o feminicídio daria uma escala muito reduzida, porém, tem entrado casos de violência doméstica grave. Sabemos que feminicídio é a violência física no seu nível extremo, o que quer dizer que se uma vítima sofre inúmeras vezes violência doméstica, isso pode terminar com o feminicídio”.
Para que não termine em feminicídio, a fonte encoraja as mulheres a denunciar casos de violência de forma antecipada, para que se veja livre da situação e possa beneficiar de um acompanhamento psicológico.
“Para perceber as causas, como começou, como é que ela tem passado, quanto tempo vivencia aquela situação (…) porque em algum momento algumas mulheres sentem-se presas para fazer uma denúncia por conta da dependência emocional e económica e dificilmente procuram por ajuda e quando procuram damos maior apoio, também para fazer avaliação psicológica e suporte emocional”.
Já, a médica legista, Bainabo Parruque, revelou que por vezes, o sector tem enfrentado dificuldades para identificar as causas da morte de uma mulher vítima de violência, tudo porque há famílias, sobretudo as que professam a religião muçulmana, que mostram renitência para o exame de autópsia.
“Nós temos que fazer um esforço para explicar as famílias a importância de fazer uma autopsia médico-legal para chegar as causas de morte, muitas das vezes temos tido controversas e sabendo que aquela família está naquela situação de perda, temos que trabalhar muito mais na informação para que as pessoas saibam que o feminicídio é crime”.
Por outro lado, entende que há famílias que encobertam as reais causas da morte de um parente,
“Nós temos prestado atenção nos casos de mulheres que perdem a vida em casa de forma não muito bem clara, mas quando chegam a unidade sanitária contam uma história de que a pessoa sofria de hipertensão. No entanto, as lesões levam-nos a pensar que esta mulher já sofria violência e acabamos deixando como um crime de agressão física (…) pelo menos no serviço de medicina legal notificamos dois casos”.
Enquanto isso, mais de quatro mil casos deram entrada no IPAJ
A ponto focal do gabinete de género do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ), a nível da província de Nampula, Irene Cabral, partilhou ao Ikweli que em 2024, o sector notificou 4.232 casos de violência doméstica.
Na ocasião, a fonte explicou que por se tratar de um crime recente, o feminicídio não se encontra tipificado no código penal, por isso, muitos casos são enquadrados no código penal na componente de homicídio agravado e a pena varia de 20 a 24 anos de prisão.
“É um crime que está cada vez mais a aumentar na sociedade moçambicana. Perdemos muitas estudantes, senhoras e estamos a gritar por socorro porque a sociedade não pode ser feita de crimes”.
Com isso, entende ser urgente a necessidade de enquadrar este tipo de crime no código penal ou então na lei de violência doméstica, “podemos lutar para que seja enquadrado para que o agressor ou o assassino tenha uma pena severa”.
As fontes falavam no âmbito de uma mesa redonda organizada pela faculdade de Educação e Comunicação em parceria com o gabinete da esposa do governador de Nampula, com vista a debater e compreender a raiz dos casos de violência baseada no género que nos últimos tempos culmina em feminicídio, tal como afirmou na sua intervenção, o académico Lino Marques Samuel.
“Refletir sobre os papeis sociais e pensar juntos o caminho de prevenção e transformação. Esta mesa redonda procura oferecer um espaço de diálogo aberto e interdisciplinar. Essa troca entre o conhecimento académico e a experiência vivida é fundamental para que o debate seja completo, sensível e eficaz”.
Esposa de governador pede maior vigilância
Por sua vez, a esposa do governador da Província de Nampula, Nazira Abdula pediu maior vigilância da sociedade na proteção das mulheres, jovens e raparigas contra a onda de feminicídio que nos últimos meses tem ganho proporções alarmantes.
Nazira Abdula chama atenção para a prevenção do feminicídio para garantir que as mulheres não se sintam só, mas para o efeito, entende que urge a necessidade de haver escolas que ensinem o respeito, serviços de saúde que acolhem com zelo e dedicação, mas também uma justiça que acima de tudo protege.
“Gostaria de exortar a todos e a todas que sejamos vigilantes e denunciemos todos os actos de violência contra as meninas. Qualquer sinal de suspeita devemos denunciar”.
Na ocasião, a esposa do governador, reafirmou o compromisso de continuar a promover os direitos da mulher.
Estudantes entendem que a raiz do feminicídio parte de traumas do passado
O Ikweli entrevistou alguns estudantes que estiveram presentes no encontro. Os mesmos entendem que a raiz da violência baseada no género, bem como os crimes de feminicídio provém de traumas vividos durante a infância.
“Essa situação provem dos nossos pais, porque é lá onde a criança nasce e colhe tudo que os pais andam a fazer. Se os pais estão naquele meio de agressão facilmente elas podem mentalizar. A minha ideia é que os pais devem evitar tais práticas, disse Vinildo Afonso.
Patrícia Pequenino igualmente estudante, apela maior valorização das mulheres, “e os homens devem saber que temos direitos. Não devem olhar para nós como pessoas sem raciocínio lógico, também somos pessoas e temos direito de viver como todos”.
Vale ressaltar que o encontro contou com a presença de especialistas de diversas áreas académicas e sociedade civil. (Ângela da Fonseca)