Nampula (IKWELI) – Os “restaurantes ambulantes” nas principais vias, mercados, avenidas e até esquinas têm “roubado” espaço na conhecida capital da região norte de Moçambique, Nampula, isso porque muitas mulheres, sejam elas casadas, solteiras, viúvas, jovens ou idosas, vêem na venda de refeições na rua, como principal fonte de rendimento para sustentar seus parentes.
Trata-se de um restaurante não convencional, por isso preferimos chamar de “ambulante”, porque a comida é confeccionada em casa e transportada na cabeça ou carrinhas de mão para os pontos de venda, que localizam-se preferencialmente defronte de estabelecimentos comerciais ou repartições públicas.
A equipa do Ikweli deslocou-se para alguns pontos da urbe, tais como o mercado Waresta, Sipal e Bombeiros, locais onde, debaixo de árvores ou do sol escaldante, a partir das 12h, o almoço é servido. Os clientes, na sua maioria trabalhadores e vendedores, não dispensam um bom prato ou uma bacia recheada pelas iguarias preparadas pelas nossas entrevistadas.
Os pratos preparados são diversificados, desde a xima, arroz, feijão, peixe frito e matapa, composta por diferentes tipos de verduras, e tudo é vendido a preços que variam entre 25,00Mt (vinte e cinco meticais), 50,00Mt (cinquenta meticais) à 200,00Mt (duzentos meticais) cada, para a satisfação dos consumidores, que não têm condições para passar refeições em restaurantes sofisticados.
Apesar dos desafios enfrentados, algumas mulheres mostram-se satisfeitas com o negócio informal, uma vez que com o que conseguem ganhar ajudam a cobrir certas necessidades dos seus dependentes, tal como contou Amélia Joaquim, de 42 anos de idade e mãe de 8 filhos.
No negócio de comida há dez anos, revelou Amélia que decidiu abraçar a prática com mais precisão quando perdeu o seu parceiro em 2015.
“Comecei a fazer negócio quando meu marido ainda estava em vida. Na altura, vendia maheu, mas depois dele falecer, saí para rua.”
Saindo para a rua, abriu mão do negócio de maheu e começou a vender arroz com feijão, para suprir as necessidades de casa. Para o efeito, é obrigada a acordar às 4h da manhã para cozinhar, pois logo cedo deve estar no mercado Waresta para servir as primeiras pessoas que saem das suas casas sem tomar uma refeição.
“Um prato de arroz com feijão vendo a 25,00Mt. Dá para ajudar meus filhos na escola, outros até já concluíram com dinheiro deste negócio.”
Amélia não sabe dizer quantos clientes serve num dia, mas explica que confecciona 13 a 14 quilos de arroz diariamente.
Entretanto, afirmou que nos últimos meses o negócio não tem tido muita saída, devido aos últimos acontecimentos tais como manifestações, ciclones, que de certa forma reduziram a procura por falta de dinheiro.
“Nesses últimos meses está a ser muito difícil, as pessoas já não vêm com muita frequência porque não tem dinheiro.”
No mesmo espaço, encontramos Zinha Antônio, de 24 anos de idade e mãe de 3 crianças, a servir um prato de arroz acompanhado com feijão. Diferente de Amélia, Zinha está no negócio há um ano e as suas refeições são vendidas ao preço de 40,00Mt (quarenta meticais).
No entanto, explicou que não tem tido muita saída, pois no início conseguia lucrar por dia 400,00Mt (quatrocentos meticais) a 500,00Mt (quinhentos meticais), mas hoje em dia consegue no máximo 350,00Mt (trezentos e cinquenta meticais).
“Decidi vender comida porque em casa eu não tinha nada. Quando comecei a vender consegui sustentar meus filhos, mas esse ano, piorou, não há nada. Hoje em dia tenho conseguido por dia ter lucro de 300,00Mt a 350,00Mt quando cozinho 4 quilos de arroz.”
Zinha revelou ainda que entrou no negócio para ajudar seu parceiro que, igualmente, é vendedor informal, para juntos sustentarem seus filhos.
“Meu marido vende aqui mesmo no mercado, vende bluetooth [colunas de som], auriculares e outras coisas. Com o dinheiro, conseguimos comprar comida para os nossos filhos.”
Enquanto isso, Glória Martinho, de 30 anos de idade, olha para o negócio de venda de comida como uma saída para sustentar o seu único filho e custear despesas escolares desde quando tinha 27 anos.
“Não tinha ninguém para me ajudar. Na altura estava a fazer 7ª classe e fiz aqui mesmo a minha 11ª classe a vender essa mesma comida que faço a 40,00Mt a 50,00Mt, chima depende de caril.”
Apesar dos ganhos que a actividade traz, principalmente para o alcance da independência financeira da mulher, Ermelinda Cavalo, de 70 anos de idade, conta que nem sempre consegue atingir suas metas. “Agora está complicado porque os preços desses produtos estão caros, mas consigo fazer o possível, acordo as 5h para chegar aqui no mercado e cozinhar, para regressar para casa as 17h, por exemplo, um prato faço a 50,00Mt, praticamente não consigo ganhar nada e estou há 50 anos a fazer o mesmo negócio,” disse a fonte.
Outra mulher que decidiu ousar é Melita Gustavo de 37 anos de idade, a qual pratica a actividade há 7 anos e esclarece que só começou a vender comida após sucessivos divórcios. “Na verdade, o que me fez entrar na vida de negociante, é porque sempre sofri com os homens, me engravidam e deixam crianças comigo vão embora, então para evitar me expor fora com os homens, achei melhor vender para sustentar os meus filhos, mas graças a Deus já consegui comprar meu espaço e construir através desse meu negócio,” acrescentou a fonte.
Já alguns consumidores, dizem que os preços são baixos, comparativamente aos praticados pelos proprietários de alguns takeaways, restaurantes e outros estabelecimentos que, supostamente, comercializam comida em melhores condições de higiene.
Outros ainda confessam que muitas vezes recorrem aos “restaurantes ambulantes” por falta de tempo, tal como afirmou João Lopes, taxista de moto na zona de Muahivire.
“Não temos como, eu sei que é arriscado comer nesses sítios porque não sabemos como é que preparam, mas não tenho tempo para ir para casa para comer ou ir num lugar mais organizado porque não tenho dinheiro.”
“Não temos como, essas senhoras também fazem isso para sustentar suas famílias lá em casa,” disse Mateus Miguel, igualmente moto-taxista.
A nossa equipa de Reportagem constatou que, para além de ser praticado debaixo das árvores, a refeição é igualmente servida ao lado de contentores de lixo que ao mesmo tempo é usado como casas de banho, contribuindo assim para a multiplicação de ratos, baratas, moscas e outros insectos nocivos à saúde pública. Entretanto, é nesse espaço que as mulheres moçambicanas conseguem dinheiro para sustentar suas famílias. (Ângela da Fonseca e Virgínia Emília)