Nampula (IKWELI) – A capital do maior círculo eleitoral do país, a cidade de Nampula, esteve, por um lado agitada, por outro silenciosa, sendo possível em parte significante do dia respirar-se pólvora, tanto de balas verdadeiras, como de gás lacrimogénio.
O Ikweli observou que a paralisação, tal como instruiu o candidato presidencial Venâncio Mondlane que reivindica vitória nas eleições de 9 de outubro passado, começou pouco depois das 8h, tendo viaturas sido imobilizadas e o tráfego parado.
Sequencialmente, forças especiais da Polícia da República de Moçambique (PRM), destacadamente o Grupo de Operações Especiais (GOE) e a Unidade de Intervenção Rápida (UIR) saíram as ruas para “despejar” sobre os transeuntes gás lacrimogénio e balas verdadeiras.
As principais avenidas e bairros periféricos cheiravam a pólvora, debaixo de um sol radiante.
A zona da Sipal, na avenida do Trabalho, não deixou os seus créditos em mãos alheias, pois, do nada, surgiram manifestantes que bloquearam a via com recurso a pedras, paus e contentores de lixo. Do outro lado, na rua da Unidade, que separa os bairros de Napipine e Carrupeia, uma fumaça jamais vista, de queima de pneus, gabava-se diante do sol escaldante que faz-se sentir na cidade de Nampula.
Do outro lado da cidade, concretamente na zona do mercado do Waresta, também, uma moldura humana procurava escapar das balas da polícia, pois os transportes-semi-colectivos de passageiros não circulam.
Um comboio de carvão da empresa Nacala Logistics viu-se invadido pelos manifestantes que subiram na sua locomotiva, impedindo a sua circulação.
Já do lado de Namutequeliua, concretamente na zona do Clube 5 os disparos são constantes e a rajadas, sendo que pessoais que nada têm a ver com a manifestação procuram refúgio em casas alheias, mas agentes da GOE perseguem civis.
Nas ruas, era possível ver jovens arrancando dos postes e queimando bandeiras, cartazes ou qualquer outro material de propaganda do partido no poder. Os manifestantes colocaram, igualmente, barricadas nas principais avenidas, portavam dísticos e entoavam cancões de combate contra qualquer um que ousasse passar pela via de algum meio de transporte.
Uma das situações presenciadas pela nossa equipa de reportagem, é de uma mulher que se encontrava no táxi moto e quando o mototaxista tentou fazer das suas para passar, mesmo com a proibição dos manifestantes, a senhora foi literalmente molestada, chegando ao ponto de a mesma quase ficar sem vestes.
“Aqui não há passagem, somente vão passar depois da reposição da verdade eleitoral, tudo está interrompido, se insistirem, vamos incendiar essa tua motorizada”, relatou um dos manifestantes, na sipal, que nem a nossa equipa de reportagem permitiu passar.
Na antiga Gorongosa, os manifestantes colocaram barricadas e lançavam pedras contra os carros que tentavam ultrapassar o limite por eles colocado. Quando tudo parecia calmo, eis que alguns agentes da PRM fizeram-se ao local e disparos soaram por todo o lado, o que precipitou que as ruas ficassem rapidamente desertas.
Carlos Ossufo, um dos manifestantes qua falou ao Ikweli, conta que a sua motivação para fazer parte da marcha é o cumprimento das orientações do candidato presidencial Venâncio Mondlane. “A minha motivação para estar aqui é porque queremos nosso direito eleitoral e só vamos parar de marchar, depois do Venâncio tomar o lugar. Nenhum carro deve passar, nós não proibimos as pessoas de irem para o serviço, porque o presidente Venâncio não disse isso, o que o presidente Venâncio Mondlane disse é que quem tem carro, deve deixar na rua e ir ao serviço a caminhar, a volta das 16 horas, pode levar o carro”.
Quando questionado se eles garantiriam a segurança dos carros, enquanto os proprietários vão ao trabalho, o nosso interlocutor respondeu nos que “nós vamos controlar todos carros, ninguém vai vandalizar até a hora que o presidente Venâncio falou, porque estamos cansados, visto que em Moçambique, o único serviço que ficou é ser agente de carteira móvel e segurança, a receber 2.000,00Mt (dois mil meticais). Nós estamos a chorar porque toda hora as coisas estão a subir”.
A equipa do Ikweli escalou, igualmente, a unidade comunal de Mutava Rex e o mercado Pacai, bairro de Nampaco, onde os manifestantes também colocaram barricadas e carros, assim como motas, impedidos de circular, incluindo pessoas e bens.
Um quase por todo o lado comentava-se o facto de a prontidão policial ser extremamente perigosa. “Esses GOE’s estão a disparar só porque queimaram pneus, o mais engraçado é que disparam para qualquer pessoa, não se importam se aqui no bairro tem crianças”.
No mercado Memória, o dia 27 de Novembro de 2024 vai ficar na memória, pois invés de barricadas, os manifestantes usaram a oportunidade para “dar alguns toques” de futebol em plena estrada. “Todo aquele que for a circular na estrada de carro ou de mota, vamos queimar, porque todos no mundo sabem o que vai acontecer nos 3 dias”.
A avenida Paulo Samuel Kankhomba foi, igualmente, palco das manifestações, onde os manifestantes clamavam por justiça com frases como “estamos em manifestações para garantir a justiça no país, apesar de que a polícia está atenta para atirar balas verdadeiras para o povo, e mesmo assim continuarmos a manifestar, tudo isso acontece porque queremos mudança”.
Minguito Manuel, um jovem que também participou das manifestações naquela avenida, revelou que “queremos a verdade eleitoral e enquanto isso não acontece, continuaremos a manifestar pacificamente, neste momento estou feliz com a paralisação de tudo, porque queremos mudanças no país”.
Por outro lado, há munícipes em Nampula que repudiam veementemente o bloqueio das vias de acesso e paralisação de transportes. “O candidato comunicou esta manifestação de forma pacífica, mas o que estamos a assistir em Nampula, é tudo contrário, porque as mesmas manifestações tendem a criar desordem em todo lado, impedindo que os cidadãos exerçam o seu trabalho normal”, disse Sebastião Joaquim.
Entretanto, a principal protagonista dos tumultos é mesmo a PRM, pois tende a disparar no que, ao olho do cidadão pacato, não há necessidade para o efeito.
A equipa do Ikweli trabalhou, durante o dia todo, ao som do barulho ensurdecedor das armas da polícia.
Manifestantes “tomam” comboio de carvão da Nacala Logistics
O comboio de carvão, que faz o trajecto Moatize (Tete) e Nacala-à-Velha (Nampula) está sob controle dos manifestantes que o paralisaram no mercado grossista do Waresta, nos arredores da cidade de Nampula, na manhã desta quarta-feira.
É, por muitas vezes, contestado o comboio como estando a poluir o meio ambiente por onde passa, uma situação que agudizou-se com a compra da empresa pela multinacional indiana Vulcan.
Paralisações na N1
O ambiente foi, também, desgastante para os transportadores de longo curso. Por exemplo, no distrito de Murrupula, o trânsito ficou paralisado por muito tempo, mesmo ao longo da Estrada Nacional Número Um (N1).
Nosso correspondente naquele distrito partilhou evidências de longas filas de autocarros, tanto de carga, como de passageiros, que aguardava por uma provável calmia para continuarem com as suas viagens.
A cidade de Nampula é atravessada pela N1, bem no troço correspondente a avenida do Trabalho e o trânsito também andou paralisado durante o dia, sendo que apenas ouvia-se ruídos de motorizadas e disparos.
E não houve “chapa-100” nem para os distritos
Transportadores interdistritais, no estacão dos CFM, na cidade de Nampula, queixaram-se de falta de passageiros durante esta quarta-feira (27), uma situação agravada quando os manifestantes e apoiantes de Venâncio Mondlane entraram em cena naquele ponto e outros locais, fazendo com que muitos viajantes com destino aos distritos de Mossuril, Nacala e Nacala-à-Velha adiassem as suas viagens.
Muhammad Momade, transportador do troço cidade Nampula/Murrupula, disse que os passageiros que tencionavam viajar puseram-se em fuga por medo de serem atingidos pela polícia que já tinha começado a disparar tiros reais e lançar gás lacrimogéneo.
“Na verdade, a situação não está nada boa, estou aqui desde as 3h de hoje [quarta-feira], não estamos a conseguir sair com passageiros, todos carros estão sem passageiros, assim tinha pensado que poderia trabalhar até 7h como de costume, para depois que começar a manifestação, pelo menos, enquanto tinha feito uma rotina”, lamentou, anotando que “se não houvesse disparos teríamos passageiros”.
Zidane Saleque, transportador interdistrital que faz a rota cidade de Nampula/Nacala, contou que até 11h não tinha conseguido sequer um passageiro para seguir ao destino.
Dino Paulo, também transportador da cidade de Nampula/Monapo, descreveu o dia como difícil em termos de produtividade, “devido a esses conflitos, há défice de passageiros e hoje há muita paralisação das actividades, isso tem dificultado tudo, assim voltei pelo caminho, não está a se passar, toda estrada está interrompida, quase perdemos a vida pelo caminho, os agentes da polícia que estão posicionados, estão a atirar de qualquer maneira, assim não sei como ganhar alguma coisa para sustentar os meus filhos, não sabemos como voltar à casa”, expressou.
Os entrevistados apelam o governo para orientar os agentes da polícia da república de Moçambique a parar de disparar para não matar sua própria população. (Aunício da Silva, Atija Chá, Malito João, Nelsa Momade e Virgínia Emília)
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