“A paz é um exercício que deve ser constantemente praticado”, defende munícipes da cidade de Nampula

Nampula (IKWELI) – O mês de Outubro é, certamente, um especial para os moçambicanos e para o país, pois foi por estas alturas que, após 16 de uma guerra sangrenta, alcançou um entendimento e, consequentemente, a assinatura dos Acordos Gerais da Paz (AGP).

Foi sob a mediação da comunidade do Sant’Egídio que o governo moçambicano, naltura lidera por Joaquim Chissano, e o movimento rebelde Renamo, sob direcção do falecido Afonso Dhlakama, que as armas renderam-se a um convívio pacífico entre irmãos da mesma terra a 4 de outubro de 1992.

Neste ano, celebrou-se, a 4 de outubro corrente, os 32 anos da assinatura do AGP e na cidade de Nampula, munícipes, políticos e académicos defendem a necessidade do exercício contínuo da paz para a sua preservação.

Ainda com esta visão, há cepticismo que prevalece, sobretudo quanto as constantes ameaças à segurança e tranquilidade públicas, até da soberania do Estado, principalmente com os ataques terroristas em alguns pontos de Cabo Delgado, que tendem a estender-se pela região norte, situações de raptos e recente tensão político-militar.

Gervásio Botão, munícipe da cidade de Nampula, entende que, no contexto da paz, se a existência de grandes e valiosos recursos explorados no país, não reflectir na vida da população será difícil manter a paz. “É muito difícil dizer que em Moçambique há paz, porque temos acompanhado na mídia, assim como nas redes sociais, muitas vezes o que tem acontecido em Cabo Delgado, não só, na nossa província também a corrupção está cada vez mais aumentando, muita coisa ruim, então em Moçambique não há paz”, disse.

Para Hortênsio Emílio, também residente de Nampula, não será possível que a paz seja uma realidade de longos anos quando os políticos não entenderem que a causa é por Moçambique, e não pelos seus partidos. 

“Nós até podemos celebrar o dia da paz, mas aquilo que é verdadeira paz em Moçambique não temos, uma vez que não há união entre os políticos e não só, os que dizem estar a governar o país têm estado a destruir a paz assinada há 32 anos. Vejamos, há muita corrupção, os que estão no poder não querem deixar os outros governarem, então como forma de resolver acabam se matando, visto que o nosso próprio governo também é corrupto, ele não luta para o bem-estar da população, mas sim para o bem-estar deles e das suas famílias”.

Por seu Turno, Edna de Fátima João, outra entrevistada, considera que nos 32 anos dos Acordos Gerais da Paz, não houve grandes mudanças, e justifica que “na verdade nos 32 anos não temos boa segurança por parte dos agentes da Polícia da República de Moçambique, o que deixa a população em risco. Nas noites, sempre há relatos de assassinatos, nas escolas, para passar de curso ou classe devemos pagar, se não tem a condição, deve dormir com os docentes para ter boa nota no sistema, nos hospitais, para sermos bem atendidos devemos pagar os enfermeiros, assim como nas maternidades para dar à luz o seu bebé, então não adianta dizer que em Moçambique há paz. Além disso, temos a situação triste de Cabo Delgado que os nossos irmãos estão a sofrer com ataques”.

Intolerância política e terrorismo 

Para ter a visão dos políticos, tidos como actores chaves no processo da consolidação da paz, o Ikweli entrevistou membros dos partidos MDM, RENAMO e AMUSI.

Para Jamal José, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o terrorismo na província de Cabo Delgado, a corrupção, a desnutrição crónica em crianças, são as manchas da paz no país. “A dor dos irmãos de Cabo Delgado, é uma dor de todos os cidadãos moçambicanos, e pautar pelo diálogo é a melhor opção para o bem-estar social. Nós como partido político, acreditamos que estes problemas podem ser resolvidos”.

Ali Assane, da RENAMO, explica que a paz não reside apenas no calar das armas. “Falar da paz não é o calar das armas que estavam nas mãos da RENAMO. Em Moçambique não temos paz, tudo por causa da intolerância política, neste momento repudiamos estes actos que minam a paz. Outro factor que nos impede de celebrar a paz, é a problemática da guerra em Cabo Delgado que desconhecemos a sua origem”, disse.

Entretanto Mário Albino, presidente do partido AMUSI, acredita que mais do que lutar pela paz, há que criar condições para a manutenção da mesma, sendo uma actividade colectiva e diária. “A paz é um processo que requer manutenção, a paz precisa que haja reconciliação por parte daqueles que estiveram em conflito. No país não há paz, aqui só passa”.

“Não podemos compreender a paz apenas na dimensão política”

Abdala Mussa Inaque, cientista político e historiador, compreende a importância da comemoração desta e demais datas, contudo chama atenção para a ampliação do conceito “PAZ” em toda sua extensão, que vai além da política e dos seus actores.

“Entendo que o 4 de Outubro marca-se como uma data de comemoração de paz em Moçambique, e entendo ser um processo muito importante, em relação aos vários desafios políticos, sociais que afectaram e afectam até hoje os moçambicanos, mas devemos deixar de pensar na paz na dimensão do calar das armas, de entendimento entre os protagonistas políticos, porque a paz conflui vários factores de bem-estar, a participação política, a gestão da coisa pública, e entre outras dimensões que devíamos pensar, sobre a paz. Insisto, a paz não pode só ser olhada numa dimensão política”, comentou esta fonte.

Questionado sobre o impacto do terrorismo sobre a paz no país, Inaque disse entender que além deste conflito em Cabo Delgado, Moçambique enfrenta vários outros conflitos que minam a paz, pese embora não sejam considerados como deveria para alcançar-se a paz na sua plenitude. “Em relação ao conflito de Cabo Delgado, não é o único conflito que nós temos em Moçambique, não é único conflito que nós temos de pensar sobre Moçambique. Moçambique é um país violento, e o conflito em Moçambique abre-se desde os problemas de educação, isto também tem de se olhar como conflito, como um problema. A saúde, o desemprego, etc. Ainda estamos longe, penso eu, de uma paz, se não compreendermos a paz em várias dimensões, voltaremos em acordos e acordos que nunca vão terminar”, disse.

E porque o 4 de Outubro ganhou um novo significado, em particular para Nampula, com o assassinato de Mahamudo Amurane em 2017, Marchal Silimile, analista político, escritor e pesquisador, entende que Moçambique ainda está longe de alcançar a tão almejada paz, enquanto não compreendê-la como transformação social e investir-se no sentido de nação e de pertença.

“A morte de Amurane mostra ao país que não está preparado para as pessoas que querem justiça, não está preparado para pessoas que querem transformação social, e que Moçambique é um país composto por pessoas cobardes, que nem têm o sentido de nação, não têm o sentido de pertença. Alguém que vem, que promete mudar, promete reestruturar, promete conduzir, e não só promete, mas essa pessoa cumpre com os requisitos, cumpre com os manifestos, como Amurane, matá-lo, não foi só silenciar ao Amurane, mas é silenciar os demais, aqueles que pensam para a moçambicanidade, aqueles que pensam para a transformação social.”

Diante de tantos desafios, as perspectivas são turvas, contudo, os académicos apresentaram dois pontos distintos. Marchal Silimile preferiu apelar as lideranças, em especial ao vencedor das eleições para agir da melhor forma possível com base científica para resolver o conflito em Cabo Delgado, através de medidas locais e adequadas ao contexto moçambicano.

“Nos últimos 10 anos, Moçambique foi um país sem norte, sem visão, sem algo de concreto, porque aqueles que governam Moçambique, até hoje, não podiam governar Moçambique, aqueles que dirigem o país até hoje, não podiam dirigir o país. Com isso quero dizer que o conflito em Cabo Delgado, será pior no próximo mandato. Se Daniel Chapo, se Venâncio, se Ossufo Momade, se Lutero, se aquele que vencer, não usar propriedades acertadas, para mediar com terroristas…nós conseguimos notar que o terrorismo em Cabo Delgado é um assunto político, não são terroristas, nós precisamos notar que a situação de Cabo Delgado são conflitos de interesse,” fincou Marchal.

Por sua vez, Abdala Inaque defendeu a necessidade de se incluir mais actores nos processos de negociação de paz, tendo em conta todas as suas dimensões “estamos com estes grandes desafios e as lições que tiramos, é que ainda não estamos conscientes da dimensão da paz, porque ela ainda é olhada numa única dimensão, como um aspecto político. Precisamos de olhar a paz nas várias dimensões que existem.”, reiterou o académico. (José Luís Simão, Nelsa Momade e Virgínia Emília)

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