Estigma contra mulheres que não podem ser mães Choros e lamentações de mulheres inférteis descritas em uma música

Nampula (IKWELI) – Algumas mulheres no país têm se deparado com questões de infertilidade, uma condição que faz com que este grupo social não tenha a bênção de conceber. Tal situação, tem muitas vezes gerado um desconforto relacionado ao estigma e preconceito por parte da sociedade. 

Por conta disso, Nanny Jhulson, uma jovem artista moçambicana, decidiu retratar o sentimento e as lamentações dessas mulheres através de uma música cantada em Changana, com o título “Sula Minhambeti”, que em português significa “limpa as lágrimas”. 

Através dessa música, a autora busca retratar estórias de mulheres inférteis que dia após dia são condenadas pela sociedade pelo facto de não ter filhos.

A medicina explica que a infertilidade é uma doença do sistema reprodutor masculino ou feminino, definida pela incapacidade de conceber uma gravidez após 12 meses ou mais de relações sexuais regulares desprotegidas. Pode causar sofrimento, estigma podendo afectar a bem-estar mental e psicossocial das pessoas. 

Em entrevista ao Ikweli, Nanny Jhulson explicou que a música tem em vista dar voz às mulheres que enfrentam tais dificuldades por forma a mostrá-las que o facto de não gerar filhos não as faz menos mulheres na sociedade.

Segundo Jhulson esse preconceito vai desde atribuição de rótulos pejorativos como “essa não é tia Maria, é aquela que não faz filhos” até ao isolamento da mesma em certos convívios “A sociedade tem sempre essa mania de conotar as pessoas com esse problema. As mulheres que tem dificuldades em gerar sofrem muito preconceito, são as mais apontadas na zona. Eu quis falar por elas, pedir que a sociedade pare com isso”.

Nanny revelou que quem escreveu a música foi um homem, Nelson Tivane, uma composição que para ela é de se louvar, pois alguns homens têm dificuldade de apoiar suas parceiras quando estão nessa situação. 

“Veja só que essa música foi escrita por um homem, o que significa que não são todos que apoiam essa ideia de menosprezar a mulher quando está nessa situação”.

Para Jhulson o governo e seus parceiros têm a missão de criar palestras e debates que visam conscientizar a sociedade sobre os problemas que o preconceito pode trazer na vida de uma mulher estéril. 

“Educar a sociedade é educar mundo. O papel da sociedade é reduzir esse preconceito por forma que esse assunto possa ser encarado como algo normal, da mesma forma que eu posso ter problemas de visão e ser visto como algo normal, também posso ter problemas de não fazer filhos e ser visto como algo normal. Precisamos ter os mesmos direitos, temos que parar de atribuir títulos ou nomes pejorativos. Conforme digo na música, não é uma situação que ela escolheu. A sociedade precisa entender que somos iguais, a lei que protege a mulher com filhos é a mesma que protege as que não têm”.

No entender da artista, um outro ponto não menos importante, está relacionado com a rejeição no mercado de trabalho, mais precisamente como empregadas domésticas, visto que muitas vezes elas são conotadas como pessoas que não podem cuidar de um lar ou uma criança por falta de experiência, ou seja, porque não são mães.

“Eu sinto que ainda há um preconceito enorme quando se trata de contratar uma mulher que não faz filhos para cuidar de uma casa ou de uma criança. Muitas vezes, quendo procuramos alguém sempre colocamos como condição que seja alguém que tem filhos, por que? Acontece muito isso, as pessoas sempre dizem que não podem contratar uma mulher que não faz filhos porque ela não tem censo de humor, não percebe quando é que uma criança está doente ou faz birra, por que? Não tem o direito de opinar porque não tem filhos. Se estou a trabalhar e tenho que repudiar o comportamento de uma criança a pergunta que vem é, senhora, tens filhos?”

Nanny que já é mãe de uma menina, não deixa de sentir a dor de outras mulheres sempre que sobe ao palco para actuar e afirmou que nos seus shows muitas vezes tem tido dificuldades para cantar essa música, pela sensibilidade da mensagem e por que muitas vezes aparecem mulheres para chorar com ela e apresentar suas dores.

“Eu sinto muito o choro das mulheres. Aparecem mulheres para expressarem suas dores, mesmo os homens. Há homens que se sensibilizam com essas causas e isso é de louvar. Essa música sobretudo trouxe uma reflexão maior, porque muitas vezes fazemos músicas para entretenimento e esquecemos que a música não é só para dança ou curtição, mas também serve para aliviar as dores, educar, sensibilizar e chamar atenção sobre o que acontece. Há mulheres que são expulsas de casa quando perdem os parceiros, por não ter tido filhos, ela perde o direito de ficar com a casa”.

Por outro lado, o antropólogo Alberto Adelino, entende que a religião tem um papel fundamental para a mudança de comportamento da sociedade, contudo, avança que alguns religiosos perderam o seu valor.

“Os religiosos devem fazer com que as pessoas se guiem pelos princípios básicos que terminam na moralidade. A moral ética e social que zela são eles. O antropólogo, sociólogo ou psicólogo não vão resolver isso, deve haver uma coesão social para manter uma sociedade boa”.

Segundo a fonte, o estigma social pela falta de filhos especialmente para as mulheres, pode levar ao isolamento em muitas culturas, pois apesar de haver homens que igualmente não podem ter filhos, as mulheres são predominantemente percebidas como as responsáveis pela infertilidade de um casal e posteriormente o sofrimento social tem de a ser maior. 

Adelino afirma que o machismo que existe na sociedade, contribui para que as mulheres sejam vistas como as únicas que não podem gerar um filho, por isso, os homens que tem conhecimento da sua infertilidade fazem um contrato social com as esposas, no sentido de manter a sua masculinidade.

“Ou vão ter com alguém que vai engravidar a mulher, ou seguem para a fertilização em vidro, mas esse último método, é para pessoas com condições, mas o contrato que me refiro é um entendimento entre marido e mulher. As mulheres que não nascem nunca são culpadas sozinhas, os maridos também são”.

A fonte avança com o pensamento de Nanny no sentido de o governo deve influenciar políticas locais que protegem mulheres nessa condição, à semelhança de algumas Organizações não governamentais. 

“Sem a intervenção do governo, as mulheres com problema de infertilidade estarão constantemente a enfrentar estigma na sociedade”.

Dados publicados no relatório sobre infertilidade em 2023, pela Organização Mundial da Saúde, indicam que uma em cada 6 pessoas são afectadas pela condição em todo o mundo. Por isso, apresenta a necessidade urgente de aumentar o acesso aos cuidados de alta qualidade e a preços acessíveis para as pessoas que necessitam. (Ângela da Fonseca)

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