Nampula (IKWELI) – Num universo de 79 tentativas, o Hospital Central de Nampula (HCN) registou 23 casos de suicídio de janeiro a agosto deste ano.
A informação foi avançada pelo psicólogo clínico do HCN, Airone Malaze, alusivo a campanha de conscientização contra o suicídio que decorre durante o mês de Setembro.
De acordo com Malaze, o número tende a crescer, quando comparado com igual período do ano passado, onde foram registadas 63 tentativas, contra 79 do corrente ano, o que tem preocupado as autoridades.
“Nos últimos tempos, temos recebido muitos casos de tentativa de suicídio derivadas de múltiplos factores, um dos quais são problemas conjugais ou de relacionamento”, disse.
Dentre várias motivações, aquele profissional frisou problemas sociais, conjugais, a falta de emprego e motivos passionais, principalmente na camada juvenil.
ʺQuando nós fazemos uma pequena resenha dos casos assistidos, encontramos jovens no auge da vida que, de certa forma, tomando uma decisão de pôr fim a sua existência, deixam famílias e outras situações adversas que de certa forma acabam impactando bastante o seio familiar, o seio laboral e em todas as áreas de sua inserção, por isso o impacto é devastador”.
Para mitigar o problema, várias acções de prevenção têm sido levadas a cabo, especialmente no mês de setembro.
“Para nós, torna-se uma preocupação naquilo que são as estratégias de intervenção, porque, bem dizia que a intervenção não se pode basear só apenas a nível da unidade sanitária, a intervenção é multifacetada, talvez através desta passagem poderíamos apelar as outras áreas de intervenção para que pudéssemos fazer entender a população de que este problema precisa ser travado e que não podem ser apenas as autoridades sanitárias que devem estar na vanguarda para travar este problema de saúde pública”.
Mas o que realmente está por trás do suicídio?
O Ikweli entrevistou alguns jovens que já tentaram o suicídio, bem como alguns familiares que deixaram seu testemunho e desencorajaram a prática.
Ângela (nome fictício), residente na cidade da Beira, contou como foi perder seu irmão, de 24 anos, há sensivelmente um ano e meio. “Tudo aparentava estar bem, meu irmão era estudante da Universidade Zambeze, finalista do curso de engenharia e fazia conta própria. Naquele dia, nós tivemos um almoço familiar, de seguida nos desperdiçamos para os nossos afazeres. No final da noite, ele e os meus pais tiveram uma discussão, ele queria noivar e os meus pais repudiaram, alegando que era novo e que ainda não tinha condições para sustentar alguém. Daí, ele saiu e desapareceu, procuramos por ele a noite toda e só fomos lhe encontrar num porão fora de casa já enforcado. Até agora não sabemos o que lhe levou a cometer suicídio, mas, há quem diz que ele tinha uma dívida elevada, e não quis pagar”.
Cacilda, também nome fictício, jovem de 19 anos, estudante universitária e residente algures em Nampula, disse ao Ikweli ser assombrada por pensamentos suicidas desde a sua adolescência. “Chegou uma fase em que eu até dormia com faca e num destes dias cortei os meus pulsos, quando tinha 15 anos”, relatou.
A nossa entrevistada conta, ainda, que sente-se sozinha e dificilmente conta com seus pais ou com pessoas mais velhas, pois, vezes inúmeras tentou explicar o que se passa com ela, mas diz ser dada pouco crédito. “Eu prefiro escrever os meus problemas que falar com alguém, tenho um diário onde escrevo tudo o que me incomoda e escrevo desde criança. Já tentei falar com alguém, mas as pessoas é que não me levam a sério, comecei com estes problemas quando tinha 11 anos. Meus pais nunca estão lá para mim, não me dão atenção, tem coisas que eles fazem que me fazem duvidar do amor que eles têm por mim, e não confio muito nas pessoas, porque tenho medo de ser ridicularizada”, desabafou.
Contudo, apesar de crises emocionais, de ansiedade e demais desafios mentais e de personalidade, Cacilda conta que actualmente tende a ser mais controlada, pois pensa nas consequências de um acto do género.
“Actualmente já não tenho estas tendências, simplesmente sofro de ansiedade, pensava em me suicidar na minha fase de adolescência, mas parei quando fiz 18 anos. Agora penso…se eu fizer isso, como ficarão meus pais, meus irmãos”, disse.
O que no entender de Justina (nome fictício), amiga de Cacilda, há que os pais e filhos serem amigos e compartilharem suas necessidades, ansiedades, quer na assistência doméstica, emocional e espiritual.
“A mensagem que deixo para os pais, é que sejam muito comunicativos com seus filhos, porque as vezes passamos por uma situação que nossos pais não sabem e quando tentamos interagir com eles, eles só jogam pedras…então, antes de lançarem pedras tem de procurar entender o que é que estamos a passar, porque não só a pressão de casa, mas também a pressão de fora, na escola, com os amigos, sendo que somos uma camada de jovens, somos muito sensíveis…daí que os pais e filhos devem interagir mutuamente”, apelou.
De acordo com estatísticas da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos a nível do mundo, há pelo menos 1 tentativa de suicídio, o que perfaz oitocentos e mil casos, até o final de ano. (Marcela Viagem)