Nampula (IKWELI) – O país encontra-se mergulhado em onda de greves levada a cabo por agentes e funcionários de Estado, tais como professores, médicos, enfermeiros e recentemente a classe dos juízes moçambicanos anunciou, para breve, uma paralisação das suas actividades de forma a reivindicar os seus direitos.
Trata-se de uma greve que tem início previsto para o dia 9 de Agosto próximo, com a duração de 30 dias prorrogáveis.
No entanto, o Conselho Provincial da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) em Nampula, através do seu presidente, Isidro Júnior, manifestou a sua preocupação face ao anúncio, visto que coloca em risco o funcionamento da justiça moçambicana, prejudica os cidadãos que aguardam decisões judiciais, como também compromete as responsabilidades dos magistrados como agentes da justiça.
Em entrevista ao Ikweli, Isidro Júnior afirmou que a greve poderá trazer retrocessos na resolução de alguns conflitos, visto que há tribunais que contam com processos em atraso entre 10 a 20 anos, respectivamente.
“Não é segredo que com a greve o atraso será maior, eu vi o comunicado que serão garantidos serviços mínimos, mas isso por si só não é suficiente, a nossa justiça em algum momento tem registado uma lentidão, e com essa paralisação os direitos e os processos do cidadão estarão em causa”, disse.
Por isso, a fonte apela aos juízes, assim como o governo para encontrarem alternativas de forma a encontrar soluções que não prejudiquem o cidadão no que concerne o acesso a justiça.
“É preciso haver bom senso entre as partes no sentido de resolver os diferendos que os opõem. Que seja aberto um canal de diálogo para que os cidadãos não venham a sofrer com essas manifestações”, alertou.
Em comunicado enviado a redacção do Ikweli, os magistrados denunciaram, igualmente, as constantes intimidações no exercício das suas funções e, sobretudo, da falta de segurança, tendo lembrando que há 10 anos que aguardam pelo esclarecimento do assassinato do Carlos Sílica, que se encontra arquivado pela Procuradoria da cidade de Maputo.
Vale ressaltar que a Associação Moçambicana dos Juízes (AMJ) anunciou, no passado dia 08 do mês em curso, que os seus membros vão entrar em greve a partir do dia 09 de Agosto, uma paralisação das actividades que vai abranger cerca de 400 Juízes.
Segundo explicam a paralisação surge em resposta a falta de diálogo com o governo que decidiu aliar-se ao silêncio em relação as inquietações da classe, como consta do caderno reivindicativo dos Magistrados, sendo que uma das questões é a necessidade de separação de poderes e independência financeira do sistema judiciário em Moçambique para que sejam criadas condições para uma justiça plena.
Quem, também, apela para uma solução mais pacífica é o jurista Bogaio Nhancalaze, docente universitário, o qual entende que a manifestação dos juízes terá custos sociais bastante elevados, no que se refere a morosidade processual.
“Se num funcionamento normal há reclamações de demora processual e de decisões que põem em causa o princípio da tutela efectiva e jurisdicional, a greve poderá trazer custos sociais bastante grandes. Falasse que os juízes vão preparar serviços mínimos, mas pela natureza do trabalho dos juízes, os juízes não podem ter serviços mínimos”, comenta o Dr. Bogaio, questionado: “se os juízes julgarem apenas processos urgentes, como ficam os processos complexos e que custos sociais isso terá para as partes envolvidas?”.
Para Bogaio, os juízes deviam arranjar outro mecanismo para resolver os seus problemas, pois, “na verdade, a atividade de juízes não é igual a qualquer funcionário público, quando, por exemplo, eles exigem segurança faz sentido, porque há juízes que, por exemplo, por terem tomado alguma decisão, sofrem ameaça junto das suas famílias, por isso que em relação à segurança é preciso que eles tenham. Mas tendo em conta que os juízes trata-se de um órgão de soberania, eles podem discutir outros caminho com um Governo que, também, é um órgão de soberania”.
O defensor de direitos humanos, Gamito dos Santos, comenta que “justa ou não, num estado democrático que Moçambique construiu a greve é um direito, mas o Governo tem que tomar uma posição para que essa greve não aconteça, uma vez que os maiores lesados nisso serão os cidadãos. As pessoas têm seus direitos e o Governo tem que se abrir para conversar, ora vejamos, para além dos juízes temos agora os médicos, os professores e esses profissionais encontram a greve como alternativa porque o governo manda-lhe passear”.
Gamito dos Santos lamenta, no entanto que “com essas greves não são os Governantes que ficam prejudicados, mas sim o pacato cidadão. Um ministro raramente vai ao tribunal, um presidente raramente vai ao tribunal, quem fica prejudicado, sou eu, cidadão comum, então nós é que ficamos prejudicados com estás situações”.
Gamito lembra ainda que a justiça já é desde morosa e dá como exemplo alguns processos de violação de direitos humanos que estão nos órgãos da justiça sem qualquer esclarecimento. (Ângela da Fonseca)