Explicada a razão da crise no fornecimento de água na cidade de Nampula: Da captação a distribuição, todo o sistema está obsoleto

  • Esta situação faz com que não haja capacidade para o controlo do nível de turvação

 Nampula (IKWELI) – A cidade de Nampula, maior centro urbano do norte de Moçambique, vive, ciclicamente, uma crise no fornecimento de água, serviço prestado pela empresa Águas da Região do Norte (AdRN).

Há bairros em que o precioso líquido parou de jorrar nas torneiras há mais de um ano, mas a empresa continua a emitir facturas, o que consubstancia um modelo moderno e desonesto de sobrefacturação.

Para entender o problema, o Ikweli desenvolveu nos últimos 3 meses uma investigação, da qual concluímos que a situação tem a ver com a avaria do equipamento, desde a captação, tratamento até a distribuição.

Nos últimos meses, a AdRN tem vindo a emitir comunicados, informando, sobre o fornecimento da água potável com restrição, mas isso não passa de uma camuflagem em relação ao verdadeiro problema.

A maior intervenção de reabilitação que a barragem de Nampula e todo o sistema de abastecimento de água que a cidade já se beneficiou foi no âmbito do Millennium Challenge Corporation (MCC), entre os anos 2011 e 2014.

Em 2011, o Governo Americano aprovou um pacote de financiamento de 506 milhões de meticais para Moçambique, do qual perto de 66 milhões de dólares foram destinados a reabilitação dos sistemas de abastecimento de água de Nampula e Nacala.

Na altura, o sistema de Nampula, onde registava-se uma grande escassez de água, não conseguia abastecer a população e o mesmo tinha apenas uma capacidade de tratamento de 20.000 metros cúbicos por dia. Nisto, o MCC disponibilizou perto de 38 milhões de dólares, para a reabilitação e ampliação do sistema de Nampula, ou seja, a duplicação da capacidade dos 20.000metros cúbico dia para 40.000 metros cúbicos dia.

Estação de elevação com bombas avariadas

Essas obras tiveram seu início em Setembro de 2011 e termino em Fevereiro de 2014, com a inauguração feita pelo antigo estadista Armando Emílio Guebuza.

Desta reabilitação, na captação, ou seja, barragem de Nampula, o projecto instalou um total de 9 bombas, sendo 4 das quais para situação de emergência, ou seja, no momento em que se registam níveis baixos na albufeira da barragem devido a escassez de chuvas, normalmente registado nos meses de Agosto a Dezembro de cada ano.

Igualmente foi reabilitada a ETA que existia na altura, de capacidade de 20.000 metros cúbicos por dia e igualmente construída uma nova ETA de 20.000metros cúbicos por dia, para totalizar os 40.000 metros cúbicos/dia que se previa no projecto.

A ideia era de aumentar o nível de cobertura de água na cidade de Nampula, melhorar a sua qualidade e satisfação dos consumidores, através da melhoria dos serviços.

Sucede que, volvidos 10 anos, essas infraestruturas já não se encontram operacionais plenamente ou até funcionam com muita deficiência. Isto porque ao nível da captação, as 9 bombas instaladas para garantir a captação dos 40.000 metros cúbicos previstos, apenas funciona no momento uma (1) bomba, sendo que todas as 8 bombas de captação encontram-se avariadas.

Já para o sistema de tratamento reabilitado, assim como o que foi construído para tratar os 40.000 metros cúbicos por dia, encontra-se a funcionar na maior dificuldade possível, uma vez que os equipamentos responsáveis para o doseamento de produtos químicos encontram-se avariados, assim como os seus respectivos instrumentos de monitoria de qualidade de água, levando ao tratamento de água sem o cumprimento das normas exigidas pela OMS. Uma vez que só a turvação de água tratada (para ser consumida) chega a atingir 8 a 10 NTU do padrão de 5 NTU recomendado pela OMS.

Assim, o sistema de Nampula recuou no tempo, estando neste momento a captar e produzir, em média, 20.000 a 25.000 metros cúbicos por dia, uma capacidade insignificante para o grande número da população que disparou nos últimos anos.

Neste momento a Barragem de Nampula encontra-se a descarregar e a empresa de água não consegue explorar acima de 50% daquilo que devia.

Um trabalhador afecto a barragem de Nampula confidenciou-nos que “o problema não tem a ver com manutenção no sistema, tem a ver com a avaria dos equipamentos. As bombas estão queimadas, nós tentamos recuperar uma, mas não está fácil. Para já não teremos soluções e nunca vamos atingir o funcionamento pleno do sistema, mesmo estando a barragem a transbordar”.

Esta mesma fonte assegurou que “no poço de captação somente uma bomba funciona e na emergência vamos tentar reanimar uma bomba para entrar em funcionamento”.

Um outro trabalhador da AdRN explicou que “parece não haver interesse do lado do PCA [Presidente do Conselho de Administração] em resolver os problemas, porque eles já nos mandaram efectuar o estudo de viabilidade para a comprar de uma bomba para a torre de emergência, mas não passou disso. Fizemos isso em janeiro, mas até agora nada acontece”.

Não há cloro, nem químicos

Na estação de tratamento, um trabalhador disse-nos, com preocupação, que faltam produtos para o tratamento da água, sobretudo o cloro e químico, o que faz com que a água fornecida não esteja nos padrões aceitáveis.

“A água sai turva porque não estamos a tratar como deve ser. Não há cloro e nem químico lá na estação de tratamento”, disse esta nossa fonte, prosseguindo que “isso é crime, um atentado para a saúde pública”.

Esta situação da falta de produtos para o tratamento de água prevalece há meses, mas a empresa AdRN nunca informou o público.

“Se houver uma investigação a sério pode-se notar que esses problemas de saúde que a cidade de vive (cólera, diarreias e até conjuntivite) podem estar ligados com a água fornecida pela AdRN”, comentou um outro trabalhador. 

Níveis de turvação

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece padrões da turbidez da água para o consumo humano. Estes padrões compreendem parâmetros físicos, que tem a ver com cor, turbidez, sabor, odor, temperatura. Parâmetros químicos: pH, alcalinidade, acidez, dureza, ferro, manganês, cloretos, nitrogênio, fósforo, oxigênio dissolvido, matéria orgânica, micropoluentes orgânicos e inorgânicos, e os padrões biológicos, ligados a organismos indicadores, algas, bactérias.

Ainda segundo a OMS, a turbidez é um parâmetro de aspecto estético de aceitação ou rejeição do produto, e o valor máximo permitido de turbidez na água distribuída é de 5,0 NTU. Cor – A cor é um dado que indica a presença substâncias dissolvidas na água.

Entretanto, segundo fonte da AdRN, a água fornecida na cidade de Nampula tem um nível de turbidez na ordem dos 7,0 NTU, o que quer dizer que “estamos a fornecer água muito abaixo do que é aceitável para a saúde humana”.

“Durante o mês de março, fornecemos água com cor, o que não é aceitável, segundo estes padrões da OMS”, assegurou um outro trabalhador da empresa.

Segundo os nossos contactos na área técnica da AdRN, “a conduta adutora da cidade de Nampula tem mais de 20 furos entre a Estação de Tratamento de Água (ETA) e a Estação de Bombagem de Água (EBA) número um, o que não garante qualidade no produto final fornecido aos consumidores”.

“Quer dizer que, mesmo se estivéssemos em condições na ETA, a água chegaria aos consumidores desarmonizada, por causa dessas fugas”, disse a mesma fonte.

Sobrefacturação a grandes clientes

No Conselho de Administração da AdRN, um trabalhador assegurou que “neste momento, para a empresa sobreviver, o PCA comanda um esquema de sobrefacturação, lesando os principais clientes, sobretudo as grandes empresas”.

Só para ilustrar, esta fonte contou que “só para veres que não estou a mentir, neste momento estamos abaixo de 50% da captação, mas a facturação continua a mesma. Os grandes clientes continuam a pagar as mesmas facturas, mas não estamos a fornecer a mesma quantidade”.

Este nosso interlocutor conta que “as operações de sobrefacturação são lideradas pelo próprio PCA, Francisco Napica, e as empresas CLN, Bakhresa, as refinarias de óleo são as mais lesadas”, para o caso da cidade de Nacala.

Namiteca é só para “inglês ver”

A maior esperança, segundo sabe a comunidade da cidade de Nampula, era ver os furos de captação abertos em Namiteca, nos arredores da urbe, a contribuírem, significativamente, na crise de abastecimento de água, mas em vão.

“Aquilo é só para o inglês ver”, disse um trabalhador afecto nos furos de água, o qual prossegue que “a direcção da AdRN está a facturar para os seus bolsos. A única empresa que ganha os concursos, por adjudicação directa, numa resolve os problemas. Aqui em Namiteca não se está a fazer quase nada, mas se tivessem implementado o projecto como tinha sido concebido, teríamos resolvido significativamente o problema”.

“Estamos numa cobertura de 30%”

Para entender a narrativa oficial do funcionamento do sistema de abastecimento de água na cidade de Nampula, o Ikweli entrevistou Ermelindo Bonifácio, director da área operacional de Nampula da AdRN, o qual garantiu que “estamos numa cobertura de 30%”, ou seja, “estamos abaixo daquilo que era o desejado”.

Esta fonte procura, largamente, negar os problemas que apoquentam o sistema, mas entrelinhas deixa escapar que a situação não é das melhores.

“Neste momento o sistema está a trabalhar normalmente, embora a capacidade instalada prévia a uma captação de 40 mil metros cúbicos dia e devido a questões com alguns órgãos de tratamento de água, alguns equipamentos que deviam responder na capacidade máxima tenham alguma avaria, e neste momento a nossa capacidade de distribuição baixou dos 40 mil para 30 mil a 32 mil metros cúbicos dia”, disse, inicialmente.

Num outro desenvolvimento, Bonifácio elaborou que “aliada a esta questão de produção e distribuição, nós temos os centros distribuidores. Temos o centro distribuidor de Namicopo, centro distribuidor da Sipal e o centro distribuidor de Muhala Expansão. O centro distribuidor central, que é este da sipal, foi concebido em dois planos de distribuição, sendo um plano para a zona cimento (como distribuímos a cidade em duas zonas, temos a zona cimento e temos a zona industrial). A operação é feita um dia para a zona cimento e um dia para a zona industrial, com vista a garantirmos a abrangência dos nossos clientes e consumidores”.

“É um processo difícil de fazer”, reconhece a nossa fonte, calculando que “isso é devido a capacidade de exploração da albufeira, não conseguimos atingir. Nestes dias, como disse antes, podemos dizer que o abastecimento está regular. Também temos conhecimento que não conseguimos fazer a cobertura a todas as zonas”.

Perguntamos ao director Ermelindo Bonifácio como considerar uma situação regular numa altura em que há famílias que ficam mais de 6 meses sem água, ao que respondeu que “digo regular nas condições a que nos encontramos. É uma situação média. Reconhecemos que temos zonas que não conseguimos fazer o devido abastecimento”.

Ainda aliado a este fornecimento que deixa a desejar, perguntamos a nossa fonte a emissão de facturas para quem não consome um produto [água], e defendeu-se referindo que “eu penso que a questão das facturas não é situação normal. Isso é um caso, cada caso é um caso, uma coisa é faltar água e outra é o processo de facturação. Temos que gerir. Estes casos devem ser dirigidos aos balcões para serem resolvidos”.

Voltamos a perguntá-lo sobre o funcionamento dos equipamentos, entendendo que parte significante das bombas encontram-se avariadas, ao que não assumiu na plenitude. “Não tenho conhecimento da avaria de bombas na sua totalidade, razão pela qual digo que a nossa capacidade instalada era de produzirmos acima de 40 mil metros cúbicos dia, não conseguimos chegar lá. Temos alguns equipamentos ou alguns órgãos de tratamento de água que estão no estado de avaria. Já imaginou se esses órgãos de tratamento de água se estivessem a operar na sua plenitude? Teríamos sim uma cobertura total daquilo que é a nossa produção e distribuição”, disse.

Única bomba em funcionamento e improvisada na captação

Quanto a falta de produtos químicos, Bonifácio comentou que “não temos nenhum registo da falta de produtos químicos. Nós temos produtos nos armazéns tanto da ETA, na barragem, assim como temos armazéns fora da barragem. Não justifica a falta de químicos”.

Mesmo diante das defesas que narrou, quando convidado a encerrar comentando a entrevista, a nossa fonte reconheceu “limitação do sistema de abastecimento de água”, tanto quanto “estamos preocupados com as paragens devido a roturas no sistema, estou a falar de fugas que acontecem, outras por questões da erosão. Temos tubagem expostas, mas também temos a questão da vandalização. A zona de Murrapaniua tem uma tubagem que é constantemente vandalizada, para além de ela ser arrastada devido a questões de chuvas”.

O Ikweli contactou o PCA da Águas da Região Norte, Francisco Napica, durante a semana passada, o qual disse que estaria de viagem a Pemba, a fim de participar na reunião dos municípios. Contudo, marcou que realizaríamos a entrevista na corrente semana, mas há dois dias que não atende o telefone nem sequer retorna, as nossas ligações. (Aunício da Silva)

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