- A 11 de Setembro de 2019, na cidade de Nampula, a campanha do candidato presidencial da Frelimo conheceu o seu pior momento, ao registar a morte de pouco mais de uma dezena de cidadãos, vítimas de asfixiamento.
Nampula (IKWELI) – Hoje, sexta-feira (11 de Setembro), assinala-se o primeiro ano da ocorrência da tragédia que vitimou mortalmente, pelo menos, mais de uma dezena de cidadãos e mais de 80 ferido graves durante um comício de campanha eleitoral orientado pelo candidato presidencial do partido Frelimo, Filipe Nyusi, no estádio 25 de Junho, na cidade de Nampula, no norte do país.
A tragédia ocorreu minutos depois de Filipe Nyusi (actual presidente da República) ter lançado o seu compromisso de governação, caso fosse eleito, como se apregoava na altura.
Após a sua saída, segundo apurou o Ikweli na altura, a sua guarda pessoal impendeu que a população que acorreu ao comício abandonasse o local, fechando parte do único portão público que dá acesso ao estádio 25 de Junho. Este acto concorreu para que as pessoas se pisoteassem e algumas delas perderam a vida no local.
Volvido um ano, os familiares das vítimas continuam aguardando pelo esclarecimento por parte das autoridades, as quais, também, andam fechados em copas sobre o assunto.
A acção imediata após a tragédia, tomada pelo governo e pelo partido Frelimo, compreendeu a suspensão do então comandante provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM), Joaquim Sive, assistência das famílias das vítimas, e um minuto de silêncio no comício seguinte orientado por Filipe Nyusi, bem como tentativa de intimidação da imprensa para não abordar de forma detalhada sobre o assunto.
Igualmente, uma comissão de inquérito foi constituída pelo Ministério do Interior, estabelecendo o limite temporal de 14 dias para esclarecer o que provocou a tragédia, que vitimou altos quadros de empresas públicas, e não só, cujos resultados nunca chegaram a ser conhecidos.
O Ikweli conversou com alguns parentes das vítimas. Rufino Luanda, de 25 anos de idade, perdeu a mãe na referida tragédia, e segundo contou a nossa equipa de reportagem, o apoio do partido de que a vítima era membro limitou-se, apenas, nas cerimónias fúnebres, e dai todos sumiram, incluindo os que deram as caras na imprensa a garantir apoio as famílias.
A precipitada morte da mãe do Rufino concorreu para que, cedo, as responsabilidades do jovem se tornam-se maiores, passando a cuidar, para além da sua própria família, os irmãos e o pai.
“A minha mãe deixou oito filhos, dos quais eu sou o crescido. Assistência que eu vi foi na cerimónia fúnebre, e depois dali não vi mais nada. Eles tinham dito que estariam juntos, a nos assistir, pelo menos na educação das crianças até ao nível secundário. Não vi nenhum apoio, e muito menos fomos consolados após as cerimónias fúnebres”, disse.
Após a tragédia, o primeiro Secretario do Comité Provincial do partido FRELIMO, Agostinho Trinta, tinha encorajado as autoridades para esclarecerem, com celeridade, a ocorrência.
“Estamos há um ano, o que mais me doe é que diziam que haviam de fazer uma investigação, mas não há resultados. Agora não sei de quem é a responsabilidade, mas eu acredito que a cerimónia já passava de partidária, até o estado poderia pronunciar-se. Agora nem do inquérito não ouvimos, nem da responsabilização e nem do apoio material”, lamentou.
As outras famílias não abordam o assunto, temem por represálias. Contactamos mais de cinco famílias, as quais negaram gravar entrevistas, mas deixaram claro que estão ainda angustiadas com o partido Frelimo, com a PRM e com a Procuradoria da República.
“Epah, é difícil falarmos disso. Parece que nos ameaçam, mas criaram um certo medo em nós para não exigirmos a responsabilização pela morte do nosso parente”, disse o irmão de uma das vítimas.
FRELIMO “desactualizada”
Para ainda entender o rumo da investigação, o Ikweli contactou a entidade promotora do evento que causou a morte das mais de dez pessoas, e não houve disposição, e muito menos diplomacia, para tratar a preocupação.
Telefonamos ao Caifadine Manasse, porta-voz do partido dos camaradas, o qual se revelou nervoso com a questão colocada pelo jornal, muito menos quis comentar se houve prestação de algum apoio as famílias a posterior as cerimónias fúnebres.
Para Manasse, o assunto já não deve ser de interesse do Ikweli, porque passa um ano após a tragédia.“Isto já não é notícia, não procurem problematizar este assunto”, retemos estas palavras da chamada que efectuamos ao porta-voz da Frelimo.
Ao nível local, contactamos ao Secretário para a área de Mobilização no comité provincial da Frelimo, Saíde Momade, o qual marcou uma entrevista para depois das 10h de ontem, quinta-feira (9), mas trinta minutos antes alegou indisponibilidade, caso não chegássemos as instalações do partido no momento da chamada.
Sendo assim, Momade adiou a entrevista, mas mesmo assim fomos ao seu gabinete de trabalho, e não estava presente. Insistentemente, telefonicamente, contactá-lo, mas não respondeu as chamadas.
Quem, também, tentamos contactar é o primeiro secretario provincial, Agostinho Trinta, o qual disse está fora da cidade e só regressava no período de 15 dias.
PRM distancia-se do caso
Procuramos, também, ter algum posicionamento do comando provincial da PRM em Nampula, sobretudo no que se refere aos resultados do inquérito promovido pelo Ministério do Interior, mas o porta-voz, Zacarias Nacute, disse que “o assunto está sob alçada do Ministério (do Interior), já não está sob alçada do Comando Provincial. O ministério é que tomou as rédeas do caso”.
Entretanto, contactamos ao porta-voz do Comando – Geral da Polícia da República de Moçambique, Orlando Mudumane, mas este mostrou-se indisponível, na altura, e prometeu pronunciar-se mais tarde, o que não aconteceu até ao fecho desta reportagem.
Investigação deve prosseguir
O jurista e docente universitário, Bogaio Nhancalaze, defende a continuidade da investigação para o esclarecimento do que originou a tragédia.
Todavia, Nhancalaza entende que a FRELIMO, como pessoa colectiva, pode não ser responsabilizada criminalmente, porque o código penalnãoresponsabiliza a pessoa colectiva, senão o responsável da colectividade, dai que defende a investigação por parte do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), para a identificação do autor da tragédia e a sua responsabilização.
“É competência do SERNIC apurar quem realmente é o responsável dos danos ocorridos, porque a pessoa colectiva não responde criminalmente. Por outro lado, temos a responsabilidade civil, a pessoa teve danos e prejuízos, neste caso da responsabilidade civil a pessoa colectiva responde civelmente os actos praticados por seus titulares”, disse. (Aunício da Silva e Sitoi Lutxeque)