Nampula (IKWELI) – Na província de Nampula, a mais populosa do país, os distúrbios vocais estão cada vez mais a afectar quem depende da fala para trabalhar, tais como comunicadores, cobradores, cantores e professores.
Eles ensinam, pregam, informam e vendem, são profissionais que usam a voz como ponte com o mundo, mas essa ponte está a “depreciar-se” num cenário onde o cuidado com a saúde vocal ainda é negligenciado.
Dados partilhados pelo Hospital Central de Nampula (HCN) indicam que, só no primeiro trimestre do presente ano, foram registados cerca de 15 casos de profissionais que deram entrada com problemas relaccionados com a voz, destes, quatro eram professores.
Ilídio Nhancale, terapeuta de fala no HCNDe acordo com o terapeuta da Fala do HCN, Ilídio Nhancale, há cada vez mais professores que enfrentam distúrbios vocais causados pelo esforço excessivo nas salas de aula.
Rouquidão constante, dor de garganta, cansaço ao falar e, nos casos mais graves, perda temporária ou permanente da voz têm se tornado parte do cotidiano de muitos educadores.
“Os professores estão entre os profissionais mais propensos a desenvolver disfonias. A voz é o principal meio de trabalho deles. O uso intenso, sem técnicas correctas e em ambientes barulhentos, compromete a saúde vocal com o tempo”.
Entretanto, o terapeuta afirma que para o presente ano, poucos pacientes vindos da consulta de otorrinolaringologia foram encaminhados à terapia da fala, para um exercício vocal.
“Podem ter mais casos de problemas de voz, são vários, a partir de módulos que aparecem nas cordas vocais que podem provocar paralisia, as pregas vocais ficam paralíticas”
O especialista alerta que o consumo de álcool, café, tabaco, assim como alimentos gordurosos contribuem para o desgaste das pregas vocais.
“As pregas vocais ficam paralíticas pode ser por um AVC, pode ser pelo mau uso da voz como falar alto ou mesmo até gritar. O consumo do café também provoca problemas da voz por causa da cafeína que está lá, o ar-condicionado. Tem alimentos que precisamos evitar como é o caso daqueles gordurosos porque podem provocar refluxo gastresofágico, que é o material ácido que temos no estômago e sempre que temos problemas a tendência é subir para as pregas vocais e vai irritar e posterior pode criar problemas de voz”.
No entanto, recomenda o consumo da maçã pois, segundo explica, ajuda na hidratação das pregas vocais.
Antes mesmo do quadro e do giz, existe um instrumento essencial para o acto de ensinar que é a voz. É por meio dela que o professor transmite conhecimento, disciplina, motivação. Mas o que acontece quando esse instrumento de trabalho começa a falhar? Quando a voz, ao invés de ajudar, machuca, limita e silencia?
Vitória Tauzene, professora há 25 anos, começou a sentir os efeitos do desgaste da voz no ano de 2024, isso porque lecionava em duas turmas numerosas da 6ª e 1ª classes respectivamente, nesta última, era obrigada a falar (gritar) mais alto para que os alunos pudessem compreender, mas também tinha meta de alcançar objetivos favoráveis.
“Eu tinha que dar aulas a 90 crianças da 1ª classe, não era fácil. Foi aí que comecei a ter problemas, rouquidão e cansaço na fala”.
Hoje em dia, ainda sente os efeitos desse desgaste diariamente. Pois mesmo com apenas uma turma, da 2ª classe, a garganta dói e por vezes a voz some.
Foi ao hospital, tendo sido diagnosticada com Polipo na corda vocal esquerda. por conta de dores na garganta. “O médico disse que, se eu continuar assim, posso perder a voz por completo. E não sei como vai ser, porque eu amo ensinar crianças, não me vejo a fazer outra coisa”.
Um problema que se agrava devido às turmas numerosas, num país onde um professor está para mais de 100 alunos. Por isso, Tauzene apela aos demais colegas para que tenham maior atenção com a voz. Uma das estratégias usadas por ela é o consumo da maçã.
“Mas também, converso com os meus alunos, explico sobre a minha situação e eles compreendem. Aos meus colegas tenham mais atenção no uso da voz, evitem gritar quando estiverem a dar aulas apesar de ser difícil, mas vamos tentar para o nosso bem”.
Não é um caso isolado. Conversando com outros professores em diferentes escolas da cidade de Nampula, o cenário se repete. “Fico rouca toda semana”, conta um professor da Escola Básica de Mutauanha. Que preferiu anonimato. Igualmente na profissão a mais de 20 anos, diz que já pensou em abandonar a profissão. Pois, apesar da gravidade, o problema é pouco reconhecido.
“Não há campanhas de prevenção nas escolas, nem programas regulares de acompanhamento vocal. Nem sequer temos pausas entre as aulas. Somos tratados como máquinas”.
Além de professores, os músicos também passam por desafios no que concerne aos cuidados a ter com as cordas vocais. Por conta disso, Ruth Likaunga, uma jovem que usa a voz para alegrar os corações de quem a ouve, explicou que tem seguido algumas regras para manter as cordas saudáveis.
“Evito muito gritar e estar em ambientes barulhentos para evitar o desgaste das cordas. Já fiquei roca e quando isso acontece busco descansar, beber muita água e comer frutas, como por exemplo a maçã”.
Na última quarta-feira (16), celebrou -se o dia Mundial da Voz, sob o lema “Falar bem é viver melhor. Valoriza sua voz”. Trata-se de uma data instituída para conscientizar os profissionais que trabalham com esse instrumento a cuidar mais dela. (Ângela da Fonseca)






