Nampula: Cidadãos continuam a desleixar os cuidados da saúde oral

Nampula (IKWELI) – Na província moçambicana de Nampula, no norte do país, cresce o número de pessoas que só procuram cuidar da saúde oral quando a dor já não dá tréguas, uma vez que a negligência esconde uma realidade que muitas vezes é relegada para segundo plano.

Nas ruas e avenidas da cidade, é cada vez mais comum encontrar rostos mascarados não apenas pelo tempo, mas pela dor silenciosa que gira entre o medo das consultas, a falta de informação, bem como as dificuldades no acesso ao tratamento.

Dados partilhados ao Ikweli pelas autoridades locais de saúde, indicam que em 2024, cerca de 45 mil pessoas procuraram serviços de estomatologia, contra 42 mil de 2023.

Desse número, 36 mil foram extraídos os dentes devido ao estado avançado, tal como revelou o responsável pela Saúde Oral nos Serviços Provinciais de Saúde de Nampula, Ismael Chicra.

Ismael Chicra, responsável pela saúde oral no SPS

“As pessoas acham que só podem se fazer a uma unidade sanitária quando tem um problema, como por exemplo dor no dente. E, uma das doenças que mais acometa a saúde oral a nível de Nampula é a cárie dentária.”

No entanto, a fonte partilhou que o sector tem disseminado mensagens que tem em vista conscientizar o público sobre a necessidade de se fazer a unidade sanitária para cuidar da saúde oral quanto antes.

“Nas brigadas criadas pelo sector de saúde, nós temos feito palestras nas escolas entre outros pontos falando sobre os cuidados a ter em conta com a saúde oral, uma vez que acometa doenças que prejudicam o coração, bem como o aparecimento de cancro da boca.”

Utentes consideram um “capricho” cuidar da saúde oral

O Ikweli entrevistou alguns cidadãos para perceber até que ponto estão atentos aos cuidados a ter em conta com a saúde oral.

João Lopes, operador de táxi mota, começa por afirmar não ser muito relevante ir ao hospital sem que tenha uma dor.

“Eu não posso mentir, nunca fui ao hospital só para saber do estado da minha saúde oral. A única vez que fui ao hospital foi para tirar dente.”

Anacleto Mazive considera uma “frescura e capricho” dirigir-se a unidade sanitária para cuidar da saúde oral. 

Por outro lado, na fila de espera do Hospital Central de Nampula (HCN), nos serviços de estomatologia, encontramos a dona Maria, nome fictício que, pela sétima vez, procurava a unidade sanitária para extrair um dente. “É a sétima vez que venho ao hospital para extrair dente.”

Apesar de ser a sétima vez, a mesma reconhece a necessidade de se fazer a unidade sanitária para cuidar da saúde oral.

“Muitas vezes nós erramos quando pensamos que só devemos ir ao hospital quando temos algum problema no dente.”

Enquanto isso, há quem entende ser necessário dirigir-se a unidade sanitária para cuidar da saúde oral, tal é o caso de Wilson Francisco, que viveu uma experiência diferente, sentiu uma dor leve num dente e decidiu procurar ajuda de imediato.

Por conta disso, ficou a saber que a sua saúde oral estava estável e que não havia necessidade de extrair o dente.

“Fui logo à unidade sanitária porque não queria perder o dente. Os técnicos limparam e deram medicação. Hoje estou bem e ainda com todos os dentes no sítio.”

Para ele, o medo de perder o sorriso falou mais alto. “Aprendi que ir cedo ajuda a evitar problemas grandes. Às vezes as pessoas pensam que é só dor de momento, mas pode piorar.”

“Falta de cuidados com a saúde oral pode levar a problemas de coração”

Biora Anás, Médica dentista no HCN

No dia 20 de março último, celebrou-se o dia mundial da Saúde Oral, e, com vista a  perceber a fundo as consequências que podem advir quando a saúde oral é negligenciada, o Ikweli conversou com a médica dentista do Hospital Central de Nampula, Biora Anás, que explicou tratar-se de uma situação que advém de vários factores, uma das quais é a má higiene bocal.

“Temos a gengivite, temos a cárie dentária que causa mais dor e depois na evolução da cárie dentária podemos ter o abcesso dentário, a periodontite que é causada por vários factores, uma das quais é a técnica de escovagem.”

Mas também, segundo a fonte, a ida tardia a unidade sanitária pode até contribuir para o aparecimento de tumores orais causados por bactérias que acometam a cavidade oral.

“E fora disso, todas as bactérias da boca, elas vão para o coração e podem provocar endocardites, que é uma situação muito grave, que é problema do coração. Já tivemos um paciente, me lembro de uma criança que chegou na semana passada vindo da cardiologia, para a consulta de estomatologia, a criança já tem endocardites.  E temos outros fatores já, outras crianças e outros pacientes com tumores orais.”

Segundo Biora, trata-se de uma realidade que mexe até com a autoestima do ser humano, sobretudo já na fase adulta que pode até levar a depressão.

“Então, tudo começa pela boca. A partir da ingestão dos alimentos, se tu tens um abcesso, não vais conseguir mastigar. Se tens falta de um dente, não vais conseguir mastigar. Se tens ausência de um dente de frente, não vais conseguir sorrir. Ou seja, a tua autoestima vai criar depressão e consequentemente tu não vais conseguir se socializar. Podes ficar abatido psicologicamente, porque não consegues ficar inteirado na sociedade.”

Por isso, aconselha aos utentes a se fazerem as unidades sanitárias de seis em seis meses e alerta ainda para a escovagem dos dentes após o aparecimento do primeiro dente, isso em crianças.

“Não esperem  sentir algum problema para vir a unidade sanitária, que seja um hábito, escovem sempre depois das refeições e nunca dormir sem escovar  e dizer, igualmente, que a criança  a partir dos seis meses ela deve ser escovada sim, porque ela já começa a ter os primeiros dentes e cárie dentária afecta os dentes, então se a pessoa já tem o primeiro dentinho ela deve ser escovada.”

A fonte terminou afirmando que “se a tua boca está saudável, seu corpo está saudável.”

A saúde oral continua a ser um espelho de desigualdades e prioridades adiadas. Enquanto a dor ainda for tolerada em silêncio e os cuidados forem um luxo para poucos, muitos continuarão a sorrir com vergonha ou a não sorrir. (Ângela da Fonseca)

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