Apesar dos mitos Pais tendem a ganhar consciência sobre o tratamento da hidrocefalia em Nampula

Nampula (IKWELI) – Alguns pais em Nampula tendem a ganhar consciência sobre o tratamento da hidrocefalia, uma condição neurológica que muitas vezes ocorre em crianças menores de dois anos e que é negligenciada e deixada de lado pela sociedade por falta de informação.

Trata-se de uma condição que, de acordo com a medicina, é marcada pelo acumulo excessivo de líquido no cérebro, o que pode provocar aumento de pressão intracraniana e causar problemas de desenvolvimento cognitivo.

Uma pesquisa feita pelo Ikweli, constatou que há pouca informação disponível sobre a condição a nível dos órgãos de comunicação social, bem como do próprio governo, o que contribui para surgimento de mitos e superstições associados ao estado. Tal situação concorre para fraca procura por diagnóstico e tratamento precoce.

“Sentença de morte por nascer com hidrocefalia”

Várias são as vezes em que crianças com hidrocefalia são renegadas pelos seus progenitores, isso porque a própria sociedade associa a condição a uma maldição ou punição espiritual.

Tal aconteceu com Ancha Maxaca, natural de Mossuril e mãe de quatro filhos. Entretanto quis o destino que em 2022, na altura com apenas quatro meses, seu caçula desenvolvesse a hidrocefalia.

“Após o nascimento fiquei com ele só três dias e depois começou a adoecer, levei-o ao hospital de Mossuril, fizeram analises e não acusou nada, acabei levando ele para a pediatria do hospital central onde ficou um mês internado, depois de ter alta voltei para casa. Já com quatro meses a cabeça começou a crescer, mas fiquei em casa, já com um ano de vida comecei a ver que meu filho não andava, não gatinhava e muito menos falava”.

A jovem notou com preocupação o crescimento exagerado da cabeça do filho quando este tinha apenas quatro meses de vida, no entanto, teve receio de encaminhá-lo ao hospital porque seus familiares próximos, assim como vizinhos, diziam que se tratava de uma condição que não tinha cura e que o mesmo não tinha muito tempo de vida.

Acreditando nos seus vizinhos, Ancha ficou em casa com a criança, esperando apenas o dia em que a morte fosse bater a porta.

“Meus vizinhos diziam que essa doença não tem cura e que meu filho não teria muito tempo de vida e eu acreditava”.

A falta de informação a fez acreditar ainda que o tratamento da condição era dispendioso, isso porque seus parentes afirmavam que custava entre 30.000,00Mt (trinta mil meticais) e 50.000,00Mt (cinquenta mil meticais).

“E eles diziam que não tinham esse dinheiro para seguir com o tratamento”.

No meio a tanta desinformação, Ancha conheceu pessoas mais informadas que a aconselharam a levar a criança ao Hospital Central de Nampula (HCN).

Eis que no presente ano, já com dois anos, a jovem decidiu levar o filho ao hospital. Em Junho o menino foi conduzido a primeira cirurgia onde lhe foi colocado uma válvula (shant) que serve para drenar o excesso de líquido do cérebro para o abdómem de forma a reduzir a pressão e o crescimento da cabeça.

Entretanto, após a operação, quatro meses depois, Ancha teve que regressar à unidade sanitária, tudo porque o tubo que haviam colocado para ajudar na drenagem do líquido havia entupido.

“Foi operado, deram-me alta e voltei para casa, mas começou a adoecer de novo, levei-lhe as pressas ao hospital e quando cá cheguei o doutor disse-me que o tubo entupiu e que teriam que trocar, e essa nova intervenção foi feita no dia 28 de outubro”.

Quem, igualmente, teve um filho com a condição de hidrocefalia é Estélio Silvana Mateus que já era pai de dois filhos, sucede que em julho de 2023 nasceu seu terceiro filho.

E como já era pai, aos seis meses do seu caçula nota uma diferença no crescimento da cabeça que era desproporcional com o corpo, mas também o comportamento da criança não era considerado normal, pois irritava-se com facilidade e chorava quase sempre. Foi então que, em conversa com a esposa, decidiu levar a criança para o centro de saúde de Monapo e estes por sua vez encaminham o caso ao hospital de referência no distrito.

Já no hospital distrital de Monapo, a criança foi observada e o médico suspeitou que se tratava de uma hidrocefalia. Essa suspeita fez com que os pais da criança pedissem uma guia para imediatamente seguir ao HCN para ter um diagnóstico com mais precisão.

Após vários exames feitos, chegou-se a conclusão que realmente tratava-se de uma hidrocefalia. O jovem conta que não entrou em pânico, pois, com ajuda da família, conseguiu reunir algumas informações sobre a condição e o seu tratamento.

Mas também tinha que ficar com os pés assentos no chão para servir de suporte para a sua esposa que não acreditava no que estava a acontecer.

No entanto, tiveram que ficar muito tempo a espera porque vezes sem conta a criança deparava-se com recaídas por febres, assim como baixa hemoglobina, e precisava mobilizar a família para que doasse o líquido vital.

“Ficamos internados com o menino por um mês e algumas semanas a espera, porque estávamos na lista de espera e nesse intervalo haviam situações de marcar-se a cirurgia, mas na última hora as condições não permitiam, acho que as cirurgias foram adiadas por umas seis ou sete vezes e, foi preciso muita paciência porque quando se trata de alguém que não tem informação pode pensar que está a ser negligenciado, mas os médicos explicavam sempre que quando o bebé está com febres ou alguma infecção não pode ser levado ao bloco. A mãe de um lado para outro a chorar e eu tinha que ser forte para apoiá-la”.

No entanto, afinal o longo período de espera valeu a pena, isso porque o filho acabou sendo submetido a uma cirurgia onde lhe foi colocado um shant que podia ajudar a drenar o líquido da cabeça ao estomago.

Feita a cirurgia, e já felizes, a família decide regressar ao distrito onde está instalada a residência, assim como o trabalho, neste caso Monapo, mas a alegria não durou por muito tempo, isso porque a ferida aberta na cabeça para colocar o tubo abriu-se.

“E nós tínhamos que sempre ter um pano connosco para limpá-lo, porque o líquido saia pela cabeça com muita pressão, assustados tivemos que levar as pressas ao hospital, logo a nossa chegada a criança foi mais uma vez internada e ficamos mais um mês”.

“Fez-se uma cirurgia de correção, mas envolvia operar-se a parte do abdómem.  Posto isso, voltamos a Monapo, mas mesmo assim constatamos que a parte da cabeça onde se colocou o dispositivo estava a inchar. Voltamos mais uma vez ao HCN e fomos ter com o Dr. Tambue que na segunda cirurgia havia sugerido algo e fez-se a terceira cirurgiã, em Abril deste ano, de lá até então não teve mais complicações. Antes a criança não conseguia ficar sentada, mas hoje em dia já senta e com um ano e alguns meses e criança fica de pé, mas ainda não começou a caminhar, mas nós já tínhamos sido informados de que essa condição tem criado uma serie de retardações em termos de movimentos psicológicos e motor”.

Estélio revelou ao Ikweli que passou por diversas situações em que o seu filho sofria de estigma e preconceito por parte da sociedade, e em algumas vezes era estranho, porque havia locais como hospital em que as pessoas não escondiam a sua reação ao ver a criança.

“Na família havia sugestões de que devíamos tratar tradicionalmente, mas por eu ser informado, logo percebi que devia levar ao hospital, isso é uma situação que pode acontecer com qualquer pessoa. E já no hospital por insuficiência de camas, há casos em que eram colocados dois bebés no mesmo berço e houve uma família que vinha de Angoche e quando lhes foi dito que iria deixar o bebé deles e acompanhante da criança não quis porque por falta de informação achava que podia contaminar o seu filho”.

Mas afinal, o que está por detrás de tantas intervenções?

O Médico neurocirurgião afecto no HCN, Tambue Lumanisha, explicou ao Ikweli que a intervenção feita muitas das vezes tem sido com sucesso e que raramente culminam com complicações, tal como aconteceu com os filhos da Ancha e Estélio.

Tambue Lumanisha, neurocirurgião afecto no HCN

“Durante a operação nós abrimos duas feridas, uma na cabeça e outra na barriga para colocar um tubo e recomendamos que as mães não coloquem as crianças do lado onde tem a ferida porque vai criar uma pressão tanto do osso e isso vai fazer com que a ferida não cicatrize bem, vai criar uma úlcera e vai fazer com que o tubo fique exposto, ou seja, a ferida deve ser muito bem cuidada para não infectar. Mas também há casos em que o tubo pode vir a sair pelo ânus ou enrolar os intestinos ou ainda o próprio tubo pode ser uma fonte infecção porque o organismo pode considerar como um corpo estranho e obstruir, porque o tubo tem orifícios que facilitam a drenagem, temos também a infecção da própria ferida que depois vai expor o tubo, mas são casos raros, muito raros”.

O médico neurocirurgião avança algumas consequências que podem incorrer contra as crianças com hidrocefalia, caso não sejam tratadas precocemente. Uma delas tem a ver com o estigma que pode vir a sofrer por parte da sociedade.

“Quando não tratadas muito cedo poderão ser um encargo tanto para a família, assim como para a sociedade visto que ela não será benéfica, vai depender sempre da família para quase tudo, porque será uma criança que não vai andar e nem falar, agora se levarem cedo ao hospital nós garantimos um desenvolvimento psicomotor normal”.

O médico explicou ainda que quando ocorre um aumento excessivo do líquido no cérebro da criança com hidrocefalia, o seu desenvolvimento cognitivo tende a reduzir, “tudo que a criança fala e faz depende do desenvolvimento do cérebro e se ele não desenvolver haverá atraso, a estratégia é tirar o líquido para deixar o cérebro ganhar espaço para que a criança possa desenvolver na inteligência e tudo”.

Segundo o especialista, as cirurgias em pessoas ou crianças com hidrocefalia são feitas apenas duas vezes na vida. Ou seja, a primeira intervenção é feita quando bebé e a segunda quando atinge o intervalo de 8 a 9 anos, por forma a adequar os tubos a estatura física da criança.

“Operamos quando bebé e depois de atingir os 8 ou 9 anos o tubo fica curto e teremos de operar para prolongar o tubo e adequar a estatura da criança. E após isso ela cresce normalmente”.

E provavelmente é o que terá acontecido com os filhos da Ancha e do Estélio, mas após as intervenções posteriores o quadro de recuperação é positivo por isso apelam os pais das crianças para lançaram um apelo aos outros no sentido de sempre que notarem algo estranho nas crianças a solução deve ser encaminhar ao hospital.

“Não podemos ouvir o que as pessoas dizem, é sempre importante procurar uma unidade sanitária para buscar o real diagnóstico e logo seguir com o tratamento, se eu tivesse levado meu filho logo cedo ao hospital hoje ele não estaria assim”, disse Ancha.

“Logo aos primeiros sinais é mesmo imperioso recorrer ao hospital, não podem sentir vergonha, procurem pessoas que tem informação relativo a doença”, acrescentou Estélio.

Saúde e AMETRAMO unidos para acabar com a desinformação que gira em torno da hidrocefalia

Os Serviços Provinciais de Saúde em Nampula (SPS) dizem não ter registo de quantos casos existem na província de crianças diagnosticadas com hidrocefalia, no entanto, explica que o sector tem feito um trabalho no sentido de sensibilizar as famílias a encaminhar crianças com esse quadro a uma unidade sanitária.

O Chefe do departamento de Saúde Pública no Serviço Provincial de Saúde em Nampula, Geraldino Avalinho, afirmou que muitas vezes as pessoas acreditam tratar-se de algo que pode ser resolvido ao nível da medicina tradicional.

O Chefe do departamento de Saúde Geraldino Avalinho, no Serviço Provincial de Saúde em Nampula

Outro sim, aconselha as mães a seguir com todo o processo do pré-natal por forma a seguir com todas as recomendações que são deixadas pelos profissionais de saúde.

“Esses casos podem ser prevenidos quando a mulher grávida segue as recomendações dos profissionais de saúde, falo da toma de salíferos entre outros antibióticos que são entregues a ela para evitar complicações durante a gravidez assim como que ela venha ater um bebé com malformação”, disse Avalinho.

Enquanto isso, o presidente provincial e regional da Associação de Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO), Evaristo Gonzalo Muhano, acrescentou que o papel desses profissionais é extremamente crucial quando se trata de casos de género e avançou que quem opta em enganar as pessoas de que um médico tradicional cura a hidrocefalia é desvinculado da agremiação.

Evaristo Gonzalo Muhanopresidente provincial e regional da Associação de Médicos Tradicionais de Moçambique

“Nós não aceitamos tratar crianças com hidrocefalia, porque está fora do nosso alcance, isso só pode ser tratado no hospital, por isso nesse caso o nosso papel tem sido muito crucial, por vezes aparecem aqueles que se fazem de médicos e querem enganar as pessoas e nós não admitimos isso, temos que ser honestos e dizer a pessoa que é uma condição que ultrapassa as nossas capacidades”.

Por outro lado, Gonzalo diz que tem mobilizado o seu grupo no sentido de difundir mensagens de conscientização as comunidades no sentido de deixá-las informadas sobre a condição e que ela não pode ser negligenciada.

“Temos explicado que não tem nada a ver com feitiçaria, mas que é uma doença que qualquer um pode ter, aconselhamos as famílias a conduzir as crianças aos hospitais e não a tranca-las dentro de casa por vergonha”.

Jamira Verio é outra mãe residente no distrito de Angoche, que aos cinco meses notou algo estranho na cabeça da sua pequena filha, apesar de ter pouca informação sobre a situação decidiu levar logo a criança ao HCN, onde foi submetida a uma cirurgia depois de alguns exames que confirmaram ser mesmo hidrocefalia.

“Eu não perguntei a ninguém, vi logo ao hospital e hoje minha filha já está a receber tratamento e o médico disse que ela tem grandes chances de desenvolver porque eu encaminhei ela logo ao hospital. Minha filha senta, brinca e já diz tatá”.

HCN registou 28 casos de hidrocefalia nos primeiros seis meses

O médico neurocirurgião Tambue partilhou que nos primeiros seis meses do presente ano o HCN registou um total de 28 casos de crianças que deram entrada e que foram operadas com o quadro hidrocefálico, contra 33 no igual período do ano passado. Sendo que em média por ano, tem operado 60 a 90 casos.

Durante a entrevista, a fonte avançou que o grosso número de pacientes que dão entrada no HCN na condição de hidrocefalia tem sido de Cabo delgado, Nampula e Niassa.

“É sempre a primeira causa das cirurgias, se nós operamos três vezes por semana, três casos são de hidrocefalia e isso faz com que os números disparem, pela sua frequência e que precisam de urgência. Estamos a falar de melhorar o desenvolvimento da criança, ou seja, basta diagnosticar temos logo que operar para garantir o desenvolvimento psicomotor”.

De acordo com o especialista, por semana são operados 4 a 5 casos de hidrocefalia. O que significa que por mês o HCN tem feito 16 a 20 cirurgias o que quer dizer que por ano chegam a ser operadas perto de 192 a 240 crianças.

Sector depara-se com falta de material para cirurgia

Tambue avançou ao Ikweli que o sector de cirurgia depara-se com constantes desafios relacionados com défice de material, neste caso o tubo usado para a drenagem do líquido

“Me recordo que houve um tempo que ficamos dois ou três meses sem aquele tubo e tivemos que dar altas as crianças em coordenação com a pediatria e aquelas que tiveram paciência ficaram aqui no hospital até recebermos os tubos que vinham de Maputo, esse é um grande desafio em termos de abastecimento de material. Mas de salientar que nos últimos dois anos tivemos um apetrechamento em termos de “shants” o que sempre nos tem faltado são os tubos”.

No entanto, garante que o HCN nunca transferiu crianças com hidrocefalia para o hospital de referência em Maputo.

Segundo o médico, o outro desafio está ligado aos recursos humanos, visto que neste momento o HCN conta com apenas três neurocirurgiões, o que considera estar abaixo daquilo que é a demanda da população que procura pelos serviços.

“Por isso nós operamos três vezes por semana, se tivéssemos oito estaríamos a operar todos os dias, precisamos de mais neurocirurgiões, por isso abriu-se uma residência médica e estamos a formar quatro médicos para serem neurocirurgiões”.

Um estudo feito pelo repositório comum entre janeiro de 2010 e dezembro de 2012, que se baseou em 122 crianças menores de 1 ano com hidrocefalia neonatal, indica que em Moçambique não existe informação primária relacionada com esta doença. (Ângela Fonseca)

 

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