Maputo (IKWELI) – Especialistas e organizações da sociedade civil entendem haver uma fraca participação de moçambicanos na indústria extractiva, sobretudo na componente de gestão, governação e benefícios.
E por conta disso, estão em curso projectos de grande envergadura no país e prevê-se que, até 2044, sejam investidos cerca de 45 mil milhões de dólares em cerca de 40 megaprojectos para engajar uma melhor participação.
Momad Dilsene Mucanheia, representante da Academia do Conteúdo Local, entende que no cenário actual marcado pelo aumento da presença de multinacionais e projetos de grande envergadura, é fundamental o envolvimento de todos.
“A legislação favorece o domínio das multinacionais, e os requisitos para licenciamento e participação são complexos para os nacionais,” explicou.
Acrescentou ainda que os investidores internacionais “dispõem de capital e dos melhores juristas para os assessorar.”
Apesar das dificuldades, o representante da Academia do Conteúdo Local reconheceu avanços legislativos e institucionais, e mencionou a revisão das leis de minas, petróleo, eletricidade e energias renováveis, o fortalecimento das entidades reguladoras e o envolvimento mais ativo da academia e do setor privado na fiscalização.
Por sua vez, o professor Adriano Nuvunga, Director do Centro para Democracia e Direitos Humanos (CDD), trouxe uma análise crítica da governação no sector, reforçando que “o que nos afecta é a qualidade da governação,” disse, recordando que o optimismo inicial, com figuras internacionais como Christine Lagarde, então diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), classificam Moçambique como “o próximo Catar de África.” No entanto, lamentou que “os líderes da época optaram por comer parte do futuro ou do presente,” comprometendo o desenvolvimento sustentável.
Nuvunga alertou, igualmente, que o conflito em Cabo Delgado é uma barreira à exploração dos recursos e dificulta a formulação de uma estratégia clara para a paz, o desenvolvimento e criticou a elitização do sector, afirmando que “os chefes estão apressados para ir comer e não haverá migalhas para a população,” com os benefícios a ficarem restritos aos grandes interesses e parceiros internacionais.
Ressaltou ainda os dez anos de “escuridão total” após os primeiros contratos, período marcado pela falta de transparência e exclusão da sociedade civil, que deixou o sector “num farwest” onde as decisões beneficiaram poucos em detrimento da maioria dos moçambicanos.
Já o economista Moisés Ciuta, do IES, chamou atenção para a necessidade de reflexão sobre o papel do Estado e o modelo económico adotado. “Depois de abandonar o socialismo, já nos perguntávamos qual é o modelo que seguimos? Será o livre mercado ou um modelo com intervenção estatal clara?”, questionou Ciuta, sublinhando a importância de clarificar “até que ponto o Estado deve intervir e qual é o papel do sector privado.”
Por seu turno Gabriel Manuel, coordenador do Programa de Governação Económica do CDD, reforçou que apesar da promessa de desenvolvimento pela indústria extrativa, “ainda não se traduziram benefícios reais para o bem-estar da população,” e defendeu que “a indústria deve estar ancorada numa agenda nacional de desenvolvimento.”
No debate, sublinhou-se também a importância de que o setor extrativo esteja a serviço da agenda nacional, e não o contrário, lembrando que “os regimes fiscais atuais resultam dos contratos de concessão, tornando este um tema estratégico,” Foi ainda destacado que “as receitas do LNG ainda não chegam para pagar uma folha salarial,” indicando que o boom dos recursos é uma promessa por concretizar.
No conjunto, a conferência evidenciou que Moçambique enfrenta uma governação fraca no sector extrativo, dominada por multinacionais, marcada por conflitos sociais, fragilidades institucionais e o impacto do conflito em Cabo Delgado. Contudo, permanece uma janela de oportunidades para reformas profundas, maior transparência e investimento no capital humano, que poderão transformar o sector num motor de desenvolvimento sustentável e inclusivo. (Antónia Mazive)