Nampula (IKWELI) – Nos últimos anos, têm se verificado uma “crescente onda” de burlas virtuais no país, perpetuadas por indivíduos até então desconhecidos, sendo com maior destaque para mensagens com conteúdos fraudulentos sobre prêmios, ou transferências de dinheiro, ou ainda supostas vendas de serviços obscuros para o fácil enriquecimento.
Trata-se de situações e tentativas de fraudes que muitas vezes têm tido resultados satisfatórios, o que constituiu uma preocupação não só para os usuários de telefonia movel, como também tira o sono das autoridades responsáveis pela regularização das telecomunicações no país, como é o caso do Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM).
Só para ter uma ideia, divulgados recentemente pela entidade indicam que em 2024 foram registados mais de 500 mil casos de fraude, sendo que para o presente ano foram anotadas mais de 100 denúncias de vários casos.
Relativamente as burlas financeiras que mais tem causado vítimas, o INCM em coordenação com a Procuradoria-geral da República, operadoras de telefonia movel, assim como agências bancarias lançaram uma plataforma onde são feitas as denuncias para que os intervenientes tenham acesso em tempo real com vista a investigar, localizar e responsabilizar os prevaricadores.
Em entrevista ao Ikweli, o porta-voz do INCM, Adilson Gomes revelou não haver uma lei especifica que define quem pode ou não enviar mensagens para fraudulentas ou abusivas, mas o usuário pode decidir por si só bloquear ou então efetuar denuncias por via da plataforma já existente.
“No ano passado foram 500 situações e este ano só na plataforma de denuncias temos mais de 100 relacionadas à várias situações. No sector das telecomunicações existem todas as condições para identificar e localizar os subscritores (…), mas o Estado nunca usa essa capacidade de forma arbitraria e por sua livre e espontânea vontade, o cidadão que se sentiu ofendido deve procurara as autoridades apresentar o conteúdo e com base nessa reclamação o Estado tem todos os mecanismos para perseguir e responsabilizar o remetente”.
Segundo Gomes, Moçambique conta com cerca de 21 milhões de subscritores activos nos serviços de telecomunicações.
No entanto, a fonte reconheceu que o maior desafio do Estado está relacionado com crescentes esquemas de fraude.
“Como o sector tem que se organizar tecnologicamente para responder a esses desafios, sabe que os defraudadores vão se sofisticando, mas é um desafio que sabemos que como sector temos que estar sempre preparados para enfrentar”.
SERNIC revela envolvimento de reclusos nas burlas
O Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC), a nível da província de Nampula, no norte de Moçambique, diz ter registado crimes de burla em várias vertentes, maior deles cometidos através de chamadas e mensagens telefónicas, tendo parte destas acções sido coordenadas a partir dos estabelecimentos prisionais do país.
De acordo com dados oficiais, em 2023 o SERNIC registou 86 casos relacionados com fraudes telefónicas. O número subiu para 101 em 2024 e, só nos primeiros meses de 2025, já se reportam cinco novos casos, o que demonstra a persistência deste fenómeno.
Entre as principais dificuldades no combate a este tipo de crime, destaca-se o registo irregular de cartões SIM, muitas vezes facilitado por agentes de operadoras de telefonia móvel. Segundo a porta-voz do SERNIC, Enina Tsinine, esta prática dificulta o rastreio dos criminosos.
“Infelizmente, ainda se verificam situações em que há duplicação de registos dos cartões SIM, o que torna mais complexo o processo de localização e identificação dos autores”.
O SERNIC alerta ainda para um esquema recente de intimidação, onde indivíduos ligam para as vítimas alegando estar nas suas residências e exigindo a abertura da porta, quando, na verdade, não se encontram no local.
“Estes criminosos usam o medo para manipular as vítimas, afirmando que estão à porta das casas, o que, na maioria dos casos, não corresponde à verdade”.
Outra descoberta que preocupa as autoridades é o envolvimento de reclusos nas burlas. De acordo com o SERNIC, muitas chamadas e mensagens partem de dentro das cadeias, ou ainda das imediações das cadeias o que levanta sérias dúvidas sobre o controlo de comunicações nos estabelecimentos penitenciários.
“Se formos a notar as chamadas muitas vezes não vem de Nampula, mas de fora, pode ser cadeia porque a própria rede mostra estar na cadeia, enquanto talvez não esteja é nas mediações (…), pode se dar o caso de estar inserido dentro da cadeia”.
O SERNIC exorta a população a manter a vigilância, evitar a partilha de informações pessoais por telefone e denunciar qualquer situação suspeita às autoridades.
Cidadãos agastados com burlas
Cidadãos na cidade de Nampula, província moçambicana com o mesmo nome, mostram-se agastados com mensagens eletrônicas e chamadas enviadas por desconhecidos que muitas vezes se fazem passar por familiares, indivíduos necessitados e falsos curandeiros, para arrecadar valores monetários.
Um dos nossos entrevistados que preferiu anonimato, conta que acabou enviando um valor da sua patroa para um número errado, e mesmo com todas as tentativas para reaver o valor, não foi possível.
“Estou a sair da casa da minha patroa onde eu trabalho, para depositar esse valor para ela, como acabava de falar com um número que não tenho gravado no meu celular, antes de uma hora, recebi essa mensagem que diz que podes mandar para este número que aparece em nome de Maria Alexandre, eu a pensar que é minha patroa, mandei aquele valor. No mesmo instante, a patroa me liga a procurar saber porque que eu estava a demorar, fui descobrir que aquele número não chamava, eu e o agente tentamos ligar para este número, já não estava a chamar, a pessoa me bloqueou.”
A fonte explicou ainda que não é a primeira vez que é vítima de burla, “não é a primeira vez que isso acontece, na primeira vez foi assim mesmo, só que essa tinha ligado a chorar, alegando que meu familiar havia sido atropelado por um carro, então os médicos estavam a pedir 3000 meticais para operarem a pessoa, eu mandei, depois de um tempo ligo, para procurar saber como ele estava, começou a me insultar, descobri que tratava-se de burla, até agora não sei de como eles têm acesso.”
Entre os munícipes, há quem considere que os burladores têm algum contrato com agentes de telefonia móvel “esses devem ter uma comunicação com esses agentes de telefonia móvel, porque não faz sentido eles estarem sempre a mandar mensagem, onde é que encontram os nossos números? e como é que sabem? Sabe, conheço muita gente que sofre de burla, por exemplo, hoje recebi uma chamada de um deles a chorar dizendo que minha mãe está em coma no Hospital Central de Nampula, porque teve uma recaída, então tinha que mandar um valor de 1500 meticais para ser atendida, descobri que eram eles porque eu não tenho mãe, ela perdeu a vida, aqui em Nampula não tenho família, estou sozinha, fui acolhida por uma senhora que era amiga da minha mãe,” declarou Eunice Joaquim, estudante da UCM.
“gostaria que o nosso governo arranjasse meios de como eliminar esses malfeitores, porque são inocentes que ficam abatidos e acabam caindo onde não deviam, o mesmo dinheiro que se calhar era para sustentar os seus famílias, uma vez que eles também entram com mensagens a dizer que o seu número ganhou tantos meticais, a pessoa consulta, e se tinha dinheiro na conta é removido, não sei como, as vezes aparecem com jogos de azar, então estamos muito mal nesse país,” acrescentou Eunice.
Além das mensagens e chamadas com um suposto familiar doente, há quem tem recebido ligações de supostos curandeiros, que prometem resolver seus problemas com apenas um clique. Quem caiu nesta armadilha, foi o jovem Amarildo Eusébio, de 21 anos de idade, residente do bairro de Mutauanha, o qual diz estar arrependido devido a situação e tenta a todo custo recuperar os 20 mil meticais perdidos.
“eu já cai nesse jogo de curandeiros que sempre mandam mensagem a dizer que dó sorte para casar, ter filhos, muito dinheiro, até mesmo para ficar rico. Então eu segui porque cansei de sofrer, vivo com minha avó apenas, liguei para aquele número e combinei. A pessoa me disse que tinha que ir a casa de indianos tirar areia, levar ovo, farinha, cinza e uma balde com água, depois ir fazer banho e sair nú até o meu quarto, fiz aquele todo processo, no dia seguinte me disse para fazer banho muito cedo com a mesma água que tinha tratado e ir num agente de telefonia móvel mais próximo a minha casa, pedir o agente transferência para número dele 21 mil meticais, assim que ele receber, teria muito dinheiro na minha pasta, fiz, ele confirmou que recebeu, bloqueou o celular, e disse que vou morrer assim pobre e não devo voltar a ligar para ele, assim ainda estou a pagar dinheiro daquele jovem que fui burlado.”
O que diz a AMETRAMO?
O presidente provincial de Associação dos Médicos Tradicionais de Moçambique (AMETRAMO) em Nampula, Evaristo Muhano, reconhece o problema, e ameaça sancionar e multar os respetivos autores no valor de 7 mil meticais, por alegadamente estarem a se fazer passar por médicos tradicionais.
“tomei conhecimento sim, sobre essa situação que praticam desconhecidos que não são médicos tradicionais verdadeiros, porque curandeiro de verdade, não trata nenhuma doença por via de telefone, efetuando chamadas e mensagens, depois estando numa outra província, então esses são burladores, só querem aproveitar-se das pessoas, depois com alto custo de vida.”
Ainda em entrevista ao Ikweli, aquele representante fez saber que irá multar os prevaricadores “basta encontrarmos os burladores que estão a usar o nome da Ametramo, vamos sancionar com uma multa de 7 mil meticais, e vamos fazer responder criminalmente. Como por exemplo, em 2017 tivemos um caso de um senhor que vinha de Tanzânia, e já vinha burlando pessoas, descobrimos e sancionamos, tendo fugido país, mas isso que está a acontecer a culpa é do governo, por não se preocupar com a sua população, e deixar que estrangeiros entre a Moçambique.”
Evaristo Muhano, disse ainda que como forma de combater os burladores, é necessário que se realize um trabalho de investigação e fiscalização em coordenação com os agentes de telefonia móvel, concretamente vodacom, movitel e tmcel, sendo estes os pontos de suspeita no fornecimento de contactos.
“Também é preciso que esses da vodacom, movitel e tmcel, expliquem como é que eles têm acesso a esses números, para poderem capturar essas pessoas. Não faz sentido, então nós ainda estamos a fazer um trabalho de investigação e fiscalização ao nível da província e cidade de Nampula.”
Na ocasião, o presidente de AMETRAMO, aproveitou para apelar a população a ser mais vigilante, no momento em que recebem mensagens do gênero, com vista a evitar casos de burla, e também chama atenção às autoridades competentes, sobretudo o Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) e a polícia de protecção (PP), redobrarem esforços no trabalho operativo e de investigação, no sentido de proteger as pessoas de futuras burlas. (Ângela da Fonseca & Virgínia Emília)
