Nampula (IKWELI) – O velho problema de conflito de terra entre a comunidade acolhedora e deslocados de guerra da vizinha província de Cabo Delgado no Centro de Reassentamento de Corrane, distrito de Meconta, na província de Nampula, está cada vez pior, pois a população acolhida é obrigada a pagar uma taxa mínima de 1.500,00Mt (mil e quinhentos meticais) para ter acesso a terra para cultivar.
Em 2020, o governo prestou assistência aos deslocados no acesso à terra, deixando de fora os nativos, cenário que enfureceu aquela população e fez com que começassem a proibir os mesmos de realizarem actividades agrícolas nos seus espaços.
Algum tempo depois, a situação parecia controlada entre o governo e a população de Meconta (Corrane), para o bem dos deslocados, mas na última semana do mês de Fevereiro, o Ikweli escalou o centro no sentido de colher o ponto de situação actual e constatou que a comunidade acolhedora e os deslocados não têm cultivado boas relações.
Angelina Ali, de 49 anos de idade, deslocada de Cabo Delgado, vinda do distrito de Macomia, mãe de 9 filhos e 4 netos, contou que se encontra no centro de reassentamento de Corrane desde o ano de 2020, e neste ano não consegue ir a machamba ou adquirir um terreno para cultivar, por conta de não conseguir um valor exigido para alugar um espaço.
A mesma diz estar a viver momentos difíceis, por que não tem como ter alimentos para dar a sua família. “Neste local a gente está a sofrer muito, apesar de que temos um local para dormir com segurança, por conta das fracas chuvas não conseguimos produzir quase nada na época passada.”
“ Um outro cenário que está a acontecer neste local, entre nós deslocados e a comunidade acolhedora, trata-se de conflito de terra para a actividade agrária, é normal você ser encontrado a capinar ou mesmo a fazer limpeza numa determinada área e sair alguém alegando que o local é dele, ele mesmo te mandar sair do local alegando que não pertence a nós que somos deslocados.”
Com vista a evitar conflitos, a fonte conta que optaram por manter distância da comunidade acolhedora. “Para evitarmos ter conflitos com a comunidade que nos acolheu durante esse todo tempo, nos afastamos do local, outro assunto é para nós conseguirmos cultivar durante uma época a comunidade acolhedora nos faz alugar os seus espaços no valor de 1,500.00Mt (Mil e quinhentos de Metical) a 2,000.00Mt (Dois Mil meticais), por hectare apenas para uma única época, quem não tiver esse valor não poderá produzir nada durante a época, isto porque, ninguém irá ceder seus espaços para nós.”
Outra deslocada que encontra-se no mesmo dilema é Josina Samuel, mãe de 3 filhos a qual conta que “quem tem condições é que tem o poder de alugar as machambas, isto porque, os donos daqui querem nos alugar machambas, todos os anos que passam é um hectare 1,500.00Mt (Mil e quinhentos de Metical), é muito para nós que não temos dinheiro, nós que saímos de Cabo Delgado para Nampula, sem nenhumas condições.”
A mesma diz que a disputa por terra não é algo novo, mas agora está a atingir contornos insustentáveis. “Este cenário não é de agora, mesmo aqueles espaços que fomos distribuídos pelo governo para a gente fazer machamba fomos arrancados com os nativos, alegando que o governo não comunicou com eles para a distribuição dos espaços aos visitantes pelas dificuldades em que a gente está a passar, até outros nossos irmãos estão a regressar, por não terem nada o que fazer, estou a falar de ir a machamba ou fazer negócios, porque aqui não há negócio,” disse a fonte.
Autoridades locais fizeram chegar a informação ao governo, mas ainda não há solução.
Fernando Arabi, oriundo do distrito de Metuge, encontra-se naquele ponto desde 2020 e diz que o cenário é do conhecimento do governo, mas os mesmos fingem demência, isto porque tem estado a chegar a equipa de INGD [Instituto Nacional de Gestão e Redução do Risco de Desastres] para fazer levantamento dos problemas existentes no local.
“Falando a verdade, há muito sofrimento neste centro, dia após dia a gente reporta estes casos quando temos visita do governo”, disse Fernando Arabi e prosseguiu que “o mesmo governo reporta estes casos, eles têm conhecimento muito bem sobre a situação que a gente está a passar aqui neste centro, mas não resolvem nada e nós ficamos assim sem terra, nós não nos sentimos bem com isso, porque uma pessoa que chora deve ser acalmada, mas quando não é acalmado se sente sozinho, e é isso que a gente sente, porque todos os dias a gente está a chorar e nada está sendo feito. Por mim, não deveria ser assim, porque este centro é muito grande.”
“Quando o governo construiu este local, as pessoas foram distribuídas espaços para fazerem machambas, depois de passar um ano, aquilo acabou, ou seja, as pessoas começaram a ser arrancadas aqueles espaços pelos nativos, alegando que deveríamos procurar as pessoas que nos distribuíram aqueles espaços, porque os mesmos não pertencem ao estado, e nós ficamos sem saber qual foi o combinado entre o governo e a população nativa,” concluiu a fonte. (Hermínio Raja)