Quebrando tabus : Mulheres desafiam-se cada vez mais no ramo da construção civil em Nampula

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Nampula (IKWELI) – No país e no mundo a fora, o ramo da construção civil sempre foi um sector maioritariamente dominado por homens, entretanto, nos últimos anos há cada vez mais mulheres a apostarem nessa actividade, desmistificando tabus e mitos que pairam sobre o assunto na sociedade. 

E se nas zonas mais civilizadas persistem tabus sobre a permanência de mulheres na construção, nas zonas rurais é ainda mais forte. 

Na presente edição, o Ikweli traz a história de duas mulheres da comunidade que ultrapassaram barreiras e mostraram a sua força e resiliência no ramo, ainda que algumas sem nenhuma formação. Mas também expor os desafios enfrentados por Ivaneth Cassamo por ter sido a primeira mulher a cursar engenharia na Universidade Politécnica de Moçambique, em Nampula. 

Natália António e Atija Adelino, ambas naturais da província de Nampula, região norte de Moçambique, contam que cresceram num ambiente onde o machismo ainda é o prato forte, sendo que o denominador comum sempre foi a persistência e amor pelo trabalho e a necessidade de prover sustento para seus parentes. 

São duas mulheres que não tiveram a oportunidade de passar por uma universidade para aprender o ABC de como fazer a combinação da areia, cimento e brita para compor o betão, surpreenderam a sociedade com uma mão-de-obra caseira e de qualidade. 

A entrega e dedicação fizeram delas as únicas mulheres sobreviventes das várias que já estiveram envolvidas na história da construção da maior unidade sanitária construído de raiz após a independência, neste caso, o Hospital Geral de Nampula. 

Atija Adelino, por exemplo, de 35 anos de idade, mãe de dois filhos, sobreviveu a várias adversidades na construção daquela obra, desde o preconceito, machismo e por vezes o assédio sexual. 

Na obra já há três anos, Atija disse que começou como uma simples servente, onde sua principal actividade era transportar areia, pedras entre outros, numa carrinha para os demais colegas homens darem continuidade ao trabalho. 

Mas o seu empenho e dedicação fez com que o seu chefe apostasse mais nela, ensinando-a a arte de betonar. “Éramos muitas mulheres na construção desse hospital, mas acabaram por desistir, não aguentaram. Eu me limitava apenas a empurrar carrinha com massa para os meus colegas, o meu chefe viu meu potencial e decidiu ensinar-me a betonar”.

A fonte conta que na altura foi um desafio, devido a dimensão e estrutura do hospital, mas nunca olhou como algo impossível de se fazer. “Não posso ficar em casa, por isso me dediquei. Sofri muito com os meus familiares, eles não aceitavam o meu trabalho, para eles essa actividade é para homens, esse lugar é de homens, mas fui forte e tenho sido muito forte para o bem dos meus filhos”.

Sozinha e sem companhia no meio de dezenas de homens, Atija decidiu chamar sua amiga que se dedicava a venda de “badjias”, pastéis feitos de feijão nhemba, para ser sua colega na construção daquele hospital, é aí onde entra Natália António, de 32 anos de idade.

Já na obra há 6 meses, Natália disse ter recebido o convite da sua colega após terem aberto uma vaga para betonar. A mesma afirmou ter aprendido todas técnicas com Atija. “É um trabalho difícil, mas consegui, estão a ser 6 meses de muito trabalho. Sinto-me muito feliz por fazer parte dessa equipa que me apoia”.

As obras do Hospital Geral de Nampula estão prestes a findar, faltando apenas a fase dos acabamentos, entretanto, Atija e Natália não pretendem parar por aí, por isso pedem que sejam enquadradas em mais projectos de construção para que não perderem a técnica. “Trabalhamos muito na construção dessa obra, muitas colegas acabaram desistindo, mas nós fomos fortes, não gostaríamos de terminar aqui”.

Apesar da nossa reportagem ter contemplado apenas duas heroínas da comunidade que apostaram no ramo da construção civil e preferiram quebrar barreiras e se desafiar nesta área conhecida como masculina, apresentamos, igualmente, os desafios enfrentados por Ivaneth Cassamo, jovem de 30 anos de idade, que cresceu rodeada de actividades que tinham a ver com a engenharia, pois o seu pai era um deles. Por isso, desde pequena surgiu nela o bichinho pela área e o seu sonho era ser a primeira mulher engenheira em Moçambique. 

Infelizmente, Ivaneth não conseguiu realizar o sonho de ser a primeira engenheira em Moçambique, mas foi a primeira mulher a cursar engenharia civil na Universidade Politécnica em Nampula, neste caso em 2012. 

Por conta disso, sofreu preconceito por parte de colegas e até docentes que afirmavam que aquele curso não era para mulheres. “Fui a primeira mulher e foi um grande desafio durante o processo porque eu tinha docentes que diziam para mim que esse curso não é para mulheres, mas mesmo assim não desisti do meu sonho, dei continuidade, foram seis anos sendo a única mulher a fazer o curso”.

Deu continuidade e desafiou os docentes, por ter se firmado como a melhor estudante do curso. Por conta disso, teve a oportunidade de ingressar no mercado de trabalho. “O meu primeiro trabalho foi um projecto muito grande e que apoiavam principalmente as mulheres, não foi difícil lidar com os colaboradores porque a empresa já havia preparado os homens para receber mulheres nessa área, e graças a Deus, desde então, sempre tive oportunidade de participar em grandes projectos”.

Ivaneth acredita que hoje em dia a sociedade está mais aberta a ver mulheres nessa área, entretanto, entende que a própria mulher sente receio em apostar em áreas de género, por isso, apela que haja mais entrega e confiança, pois para ela, não existem trabalhos rotulados. 

“A mulher tem medo de se desafiar, creio que a sociedade está pronta e preparada para recebê-las nesse mercado de trabalho, é mesmo um preconceito da mulher, acham que não tem capacidade para tal. Apelo a elas a fazerem cursos que acham que são para homens, existem vários cursos que são para todos e todas”, comenta.

Dados partilhados pela maior universidade do país, a Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em 2021, mostram que há um aumento considerável de mulheres a ingressarem nos cursos das ciências exactas, considerados que foram previamente rotulados para homens, tais como engenharia, construção civil, tecnologia entre outras. 

Dados da Direcção do Registo Académico referentes aos anos de 2020 à 2022, indicam uma subida exponencial de quase 50% entre homens e mulheres admitidos. 

Em 2020 os admitidos à UEM eram 2.343 do sexo feminino e 3.158 do sexo masculino, em 2021, 2.610 estudantes do sexo feminino conseguiram vaga na UEM contra 2.923 do sexo masculino, no entanto o número cai em pelo menos um dígito em 2022 onde o ingresso foi de 2.507 admitidos contra 2.583 estudantes do sexo masculino. (Ângela da Fonseca)

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