Nampula (IKWELI) – Em meio ao silêncio cúmplice das direcções escolares, alunas de Nampula são vítimas de assédio sexual sem a devida punição dos agressores.
A realidade nas escolas secundárias de Nampula é chocante, pois alunas são assediadas sexualmente por professores, sem o amparo das autoridades escolares e com o risco de gravidez precoce. Em vez de serem protegidas, as vítimas se vêm obrigadas a silenciar-se por medo de represálias, perpetuando um ciclo de abuso e impunidade. A negligência das direcções é gritante.
Segundo apuramos, denúncias são ignoradas, assediadores continuam impunes, e as alunas são punidas com reprovações injustas. Essa omissão cria um ambiente hostil e inseguro para as jovens, impedindo-as de ter acesso à educação de qualidade que merecem.
Maria (nome fictício), que frequenta a 10ª classe na Escola Secundária de Muatala, contou à equipe de reportagem do Ikweli que foi assediada pelo seu professor da disciplina de Inglês em plena sala de aula.
“Ele me conquistou quando estava na turma, num dia que estávamos a fazer teste. O professor chamou-me e pediu para falar comigo no final do teste. A princípio achei que queria me alertar sobre as fracas notas que tive naquele trimestre, porque ele tinha laços de amizade com a minha mãe. Meu pensamento mudou quando ele disse que gostava de mim e queria-me como namorada. Eu rapidamente mostrei o meu descontentamento. Ele veio beber na barraca da minha casa e, quando vi que ele estava seguindo-me até em casa, contei para minha mãe, que falou seriamente com ele”.
Mesmo com a intervenção da mãe, o professor assediador continuou mostrando suas intenções.
“Depois da briga que o professor teve com minha mãe, ele veio à escola e continuou assediando-me até que um dia deu-me cinco meticais. Recebi o dinheiro e, dias depois, ele disse que aquilo causar-me-ia vários problemas e, para evitá-los, tinha que aceitá-lo. Recusei novamente e, no final do ano, reprovei na disciplina dele. Precisou da intervenção da minha mãe para que eu passasse de classe”.
Esta realidade, também, é compartilhada por Neninha, de 15 anos, aluna da Escola Secundária de Muatala, que foi igualmente assediada pelo mesmo professor. Mesmo depois de denunciar aos gestores da escola, foi ignorada e reprovada por ter se atrevido a negar a proposta do professor.
“Estava a escrever quando o professor de inglês veio à turma e me chamou. Quando fui ao encontro dele, disse para deixar o ‘Joãozinho’ em casa e ficar com ele. Rapidamente recusei e, quando cheguei em casa, contei para meus encarregados de educação, que disseram-me para falar com a direcção da escola, caso ele repetisse. No dia seguinte, ele insistiu. Disse que sua careca me assustava e ele foi falar com a direcção da escola. O professor assumiu que assediou-me, não recebeu nenhuma punição, mas ficou duas semanas sem dar aulas por vergonha de mim”.
Edma foi uma das muitas alunas que já foi assediada e reprovada injustamente por não ceder ao assédio e aos desejos sexuais do professor. Por medo de represálias, preferiu continuar em silêncio.
Alunas desta escola apontam que a direcção escolar normalizou o assédio, protagonizado pelos professores. Muitas alunas preferem ficar caladas ou ceder aos caprichos dos professores por temer reprovações injustas. Uma encarregada de educação relatou que não quis fazer a denúncia no recinto escolar porque previu que a direcção escolar não tomaria nenhuma acção para ajudar, então decidiu resolver de forma individual.
“Recebi reclamações da minha filha quanto ao assédio. Tenho conhecimento de que naquela escola, por mais que as alunas denunciem, os casos não vão adiante e podem resultar em reprovações injustas. Isso levou-me a resolver o problema de forma pessoal. Confrontei o professor directamente e, mesmo quando ele reprovou minha filha, não procurei a direcção da escola, mas falei com ele. Negou todas as acusações, mas minha filha passou de classe depois de muita insistência”.
Este cenário tem afligido muitas alunas em quase todas as escolas secundárias de Nampula.
Na Escola Secundária de Napipine, por exemplo, um professor assedia uma aluna de 17 anos da 12ª classe. Por medo de represálias, ela decidiu ficar calada e não contar a situação à direcção escolar ou aos pais
Uma outra aluna, porém, que cursa o ensino nocturno, desabafou para o Ikweli que foi inúmeras vezes assediada por diferentes professores dentro do recinto escolar
“Sofri várias vezes assédio sexual dentro do recinto escolar, para mim é constrangedor, porque este cenário tem-me perturbado, por vezes tenho medo de ir à escola por conta dos assédios, vários professores pedem meu contacto pessoal, e, convidam-me para sair ou passear e sempre recuso, mesmo que isso aconteça frequentemente”.
Esta fonte revela que vem recebendo ameaças dos professores, por não ceder aos caprichos deles.
“Há tempos venho recebendo ameaças dos professores que dizem que caso eu não ceda os seus desejos me farão repetir de classe, o que para mim é assustador, tanto que temo em remeter queixa nas autoridades escolares, porque inúmeras colegas minhas passam pela mesma situação, nenhuma vítima de assédio atreve-se a denunciar nessa escola, porque tememos ser perseguidas, e reprovadas, algumas vítimas cedem ao assédio, mas dificilmente aceitam que tem um caso com o professor”.
Na Escola Secundária de Nampula, a situação é semelhante, mas poucas alunas são reprovadas por não cederem aos gostos dos professores. Muitas vezes, os assédios ocorrem dentro da escola ou na sala de aulas e ninguém se atreve a denunciar por medo.
“Recebemos assédio de alguns professores aqui na escola. Temos medo de contar ou queixar na direcção por medo de represálias, embora existam alunas que se envolvem com professores e normalizam isso”, conta uma aluna.
Uma outra aluna do mesmo estabelecimento de ensino, disse ao Ikweli “no ano passado, o professor pediu meu número de telefone. Quando lhe dei, ele convidou-me para sair. Recusei o pedido, mas ele insistiu. Sempre recusei, mas ele segue-me por toda a escola. Por medo, não contei a ninguém, apenas as minhas colegas”.
A preocupação dos pais
Uma mãe e encarregada de educação, quando entrevistada, mostrou desconhecer que a sua filha sofria assédio sexual na escola, apenas contou que a mesma vinha mudando de comportamento ficando mais fechada.
“A minha filha nunca contou que sofria assédio sexual na escola, apenas notei a diferença dela no carácter e na forma de ser, ela era mais alegra, mas passou a fechar-se. Há dias uma amiga dela veio e contou-me a verdade, mas pelo pedido e dela e bem-estar dela prefiro ficar calada, se o professor repetir aí tomarei providencias”.
A fonte aproveitou o momento para aconselhar a outros pais e encarregados de educação a tomarem precaução e mais atenção nos sinais das Crianças
“O meu apelo vai para todas mães e encarregados de educação para tomem precauções, e passem a prestar mais atenção aos seus filhos, porque existem sinais, se notar alguma mudança conversem com as nossas filhas”.
O que dizem as escolas?
O Ikweli contactou os gestores destes 3 estabelecimentos de ensino secundários públicos, mas apenas o director da escola secundária de Nampula, Albertino José, aceitou receber a nossa equipa de reportagem.
Este gestor escolar diz não ter conhecimento de algum caso no ano em curso, mas mostra preocupação caso esteja mesmo acontecendo.
“Para este ano nós não temos caso de denúncia de assédio sexual, nenhum pai ou encarregado de educação, ou mesmo aluno, aproximou a direcção escolar para fazer queixa de um caso de assédio”, disse, recordando-se de um caso denunciando, mas que não chegou a comprovar-se, pois “uma vítima mandou mensagem para alguém que não é da escola, mas é da direcção da Educação, a pessoa reencaminhou a mensagem para nós, quando tentamos entrar em contacto com a suposta vítima o número não chamou e ficou difícil tratar assuntos dessa maneira”.
Para este caso, José disse que a denunciante referia-se a 3 raparigas que sofriam assédio sexual, mas sem puder provar e nem se predispor a facilitar a investigação.
É, também, apelo o director da escola secundária de Nampula que pais e encarregados de educação, incluindo toda a sociedade, denunciem, usando os mecanismos próprios, sempre que derem conta de uma situação de assédio sexual.
Em relação ao ano passado, 2023, Albertino José, disse que 2 casos de assédio chegaram a sua mesa. “No primeiro caso do ano passado, um professor trocava mensagens com uma menina e os pais interceptaram as mensagens, fizeram a investigação em casa e depois vieram para a escola falaram com a direcção e nós solicitamos o professor, o professor tentou justificar-se, mas como somos adultos entendemos que havia más intenções, depois solicitamos os pais da vítima, conversamos e encontramos uma saída”.
Quanto a segunda situação, narra a fonte que “esta foi um confronto na sala de aulas e deduziu-se que fosse questões de assédio, os pais fizeram uma exposição para a escola, nós fizemos sentar as partes, conversamos e decidimos retirar o professor daquela sala, porque seria um desconforto e não haveria um bom ambiente, tanto para a vítima, os alunos e o professor. Os pais não se sentido confortáveis decidiram tirar a menina da escola, como direcção da escola respeitamos a decisão”.
Por outro lado, esta nossa fonte recordou-se que “tivemos outra situação, em que um professor envolveu-se com uma aluna de outra escola, tendo caído nas mãos das autoridades”.
As consequências legais e o pensamento de especialistas
Moreno Mutucua, advogado, recorda que o assédio sexual é crime, pior ainda quando envolva alunas.
Segundo explica, o Código Penal estipula uma pena de dois anos de prisão, como também, ocorrendo na escola ou em local do trabalho, o perpetrador “perde o emprego”.
Esta fonte lamenta o facto de o assédio ser um crime de difícil provar. “Tive um caso de assédio sexual que não teve muito sucesso por falta de provas concretas. Era uma aluna acusando seu professor e sem provas materiais, apenas a palavra de alguém inferior contra alguém superior”.
Diante desta situação, Mutucua apela as direcções das escolas a serem mais actuantes, sobretudo na definição de estratégias para combater a este mal. Uma das medidas que apela é a inclusão de medidas concretas nos regulamentos internos das escolas para casos do género.
Este advogado terminou aconselhando as alunas a denunciarem os casos, na situação de as escolas não levarem a sério a denúncia.
Fátima Arone, secretaria executiva do Conselho Provincial para o Avanço da Mulher em Nampula, disse que a sua agremiação tem vindo a envidar esforços para o combate a este fenómeno, sobretudo na consciencialização das comunidades sobre este mal.
A nossa fonte sublinha que nas palestras têm abordados sobre mecanismos de denúncia de casos de assédio sexual contra raparigas nas escolas, como também, “temos um acompanhamento para essas vítimas de assédio sexual a partir de um mecanismo multissectorial a nível da província de Nampula”.
O mecanismo, segundo esta nossa interlocutora, compreende esforços da direcção provincial do Género, Criança e Ação Social, Saúde, Polícia da República de Moçambique, Procuradoria Provincial e o Instituto do Patrocínio e Assistência Jurídica.
Aristides Rodrigues, psicólogo, anota que o assédio sexual pode trazer inúmeros impactos ou tramas para as alunas vítimas.
“O assédio pode trazer um clima de insegurança pra a aluna, pode sentir-se envergonhada, pode levar a alguns problemas de adopção, resultado em depressão, e uma auto-estima baixa por sofrer de alguma coisa, mas pelo medo de falar estar a consumir a vítima e prejudicando até o crescimento e o empenho escolar, insónia e agressões”.
A preocupação da Polícia da República de Moçambique (PRM), de acordo com a sua porta-voz na província de Nampula, Rosa Nilza Chaúque, é a fraca de denúncia destes casos. (Ruth Lemax)