Nampula (IKWELI) – Um dos grandes desafios que os jovens têm enfrentado é a procura incansável pelo emprego, muitas vezes sem sucesso. Por vezes são sonhos e metas por alcançar que alguns até acabam por se deixar levar pelas dificuldades da vida, como é o caso da criminalidade entre outros.
Por forma a manter os jovens ocupados e longe dos perigos da vida, o governo, através da Secretaria da Juventude e Emprego, criou um programa denominado “Meu Kit, Meu Emprego”, que está a ser implementado pelo Instituto Nacional de Emprego (INEP). O mesmo visa oferecer ferramentas para que os beneficiários comecem seus negócios.
Tal como fez Mariza Momade, jovem de 22 anos de idade que, através do projecto Viva+ da Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), parceira do programa Meu Kit, Meu Emprego, passou por uma formação de curta duração no Instituto de Formação Profissional e Estudos Laborais Alberto Cassimo (IFPELAC).
Mariza decidiu unir suas habilidades em desenho para cursar corte e costura. Na altura, não tinha noção de como usar uma tesoura para cortar panos e criar modelos de roupa diferenciados.
Entretanto, segundo Mariza, foram desafios que sentiu que teve que enfrentar para sobressair na vida.
“Primeiro eu queria ser só designer, sei desenhar roupas, mas fui vendo que aquilo não era só sobre desenhar, mas sim conhecer como funciona todo processo de confeção de roupa, lembro-me que na sala de aulas não era fácil, eu tremia ao pegar tesoura, tinha medo do ambiente era a que menos sabia, mas com o tempo e insistência do formador comecei a me adaptar”.
Apesar de sentir-se como uma das piores alunas da turma, Mariza foi seleccionada para o processo de estágio onde, posteriormente, viria a receber o seu kit para arrancar com o seu próprio negócio.
“Até que ele (formador), notou alguma coisa e passei para sala de estágio, onde aprendemos mais técnicas que não foram possíveis aprender na teoria, posto isso cumprimos com todo o processo e recebemos os certificados e os kits”.
Mariza conta que quando recebeu o seu kit a emoção foi tanta, pois custava-lhe acreditar que o material que estava a receber era realmente seu.
Hoje em dia, a jovem costura peças como calças em formato de pantalonas, vestidos, camisas, casacos, saias, assim como os famosos cropetes e, uma das estratégias de marketing por ela usada para chamar atenção dos possíveis clientes é vestir suas próprias peças.
“Eu faço minha própria roupa para servir de marketing. Antes eu tirava as minhas imaginações da mente para o papel, mas com a formação que tive faço diferente tiro os modelos da mente para a prática”.
Com as encomendas, Mariza Momade revela que consegue ter o pão de cada dia para ajudar e alimentar os seus irmãos, é a segunda, mas tomou o lugar de mais velha para apoiar os irmãos visto que sua mãe encontrasse a trabalhar no distrito.
“Muitas pessoas quando vêm meus trabalhos não acreditam que eu quem faço, mas dou graças a Deus porque com essa actividade, pelo menos, nunca me faltou pão para alimentar os meus irmãos, como minha mãe trabalha no distrito uma e outra vez é que ligo para dizer que falta isso mais aquilo”.
Com a 12ª concluída, Mariza sonha em aprofundar ainda mais seus conhecimentos em desenho e costura fora do país, pois futuramente pensa em abrir um espaço para ajudar outras raparigas que não têm condições.
Por isso, apela aos jovens, sobretudo raparigas da mesma faixa etária, a apostar em formações que lhes vão ajudar a criar seu autoemprego.
“Meninas têm que parar de depender das pessoas, temos que pensar no futuro, podemos perder os nossos familiares por diversas situações e para não ficarem desamparadas devemos desde já a empreender naquilo que sabemos fazer”.
Teresa Muimela é vizinha e uma das clientes da Mariza, que no início identificou a jovem na comunidade por viver em situação de vulnerabilidade para que, através do projecto Viva+, beneficia-se de uma formação.
Actualmente, mostra-se satisfeita com os resultados, pois segundo ela, Mariza seguiu todo o processo e hoje ajuda seus irmãos com o dinheiro que consegue adquirir das encomendas que lhe são solicitadas.
“Agradeço a Deus que ela foi obediente e aprendeu a costurar, uma coisa que ela tinha em vantagem é o próprio dom de desenhar e criar suas peças, isso fez-me acreditar que para além da necessidade financeira, o facto do gosto pelo que faz podia-lhe ajudar neste negócio. Fico feliz porque é uma menina que eu vi a crescer. Neste momento estava mesmo a apreciar as peças dela e gostei dos acabamentos que ela faz nas peças”.
Alexandre Issa é um jovem refugiado de nacionalidade congolesa, que através da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), foi seleccionado para beneficiar de uma formação para que pudesse incrementar mais conhecimentos na área de construção civil.
Para ele, a formação trouxe-lhe mais balizas e serviu de peça-chave para dar vida aos seus sonhos de ser um jovem “auto-empregado”.
Após a formação e recepção de kit, no âmbito do programa “Meu kit, meu emprego”, tornou-se num micro empreendedor e opera na área de engenharia civil.
Ainda na formação, Alexandre já metia a mão na massa, ou seja, teve o privilégio de fazer a reabilitação de uma casa tipo 2 nos arredores da cidade de Nampula.
“Minha felicidade estendeu-se quando recebi o meu kit que era composto por máquina de fabricação de artefacto como carinha, pás, máquina de blocos, réguas e colher de pedreiro. Depois da recepção dos kits tivemos uma pequena capacitação sobre como é que podemos criar nossa própria empresa e tinha que escolher um colega da sala onde me formei para ser meu parceiro e fizemos uma sociedade por quota”.
Segundo Alexandre, após a formação e recepção do kit, a procura dos clientes pelos seus trabalhos aumentou, tanto é que precisou de recursos humanos para satisfazer os seus clientes. Sem avançar os valores que conseguem ganhar, o mesmo disse que, serve para pagar seus homens, assim como manter a caixa da empresa activa.
“No momento não tenho efectivo certo, quando existe um trabalho, faço selecção e levo homens para o trabalho, já trabalhei com meninos da rua, alguns com quem trabalhei ficaram satisfeitos, outros são jovens que estudavam e não tinham como pagar propinas, mas eu sempre levei para me ajudarem e a posterior dava dinheiro”.
No entender de Issa, o governo e a ACNUR devem continuar a trabalhar em projectos que estão em prol da juventude, por forma a retirá-los do mundo da escuridão.
“Gostaria que eles continuassem a se dedicar na formação de jovens para que eles tenham como criar e alavancar as suas ideias e fazer o seu próprio trabalho, porque hoje em dia temos muitos jovens perdidos nas drogas”.
Na actualidade, apesar dos vários projectos já feitos, Alexandre luta há quase um ano para legalizar a sua empresa para que o seu negócio tenha mais espaço e visibilidade no mercado nacional.
Por isso, pede aos órgãos competentes, neste caso o Instituto Nacional de Emprego (INEP), a ajudar no processo de legalização das empresas para que os sonhos dos jovens possam ultrapassar fronteiras.
“Desde que começou o processo de reconhecimento e legalização da empresa ainda não tivemos nenhum avanço, tudo isso deve-se a demora e é por isso que até hoje não tenho como instalar a empresa, porque não estou autorizado e isso coloca-nos para baixo, porque acabamos por optar pela mão-de-obra barata isso porque a empresa não está 100% legalizada, não posso lançar meu trabalho por conta dessa limitação, por isso que o INEP devia acelerar o processo de legalização das nossas empresas”.
Meu kit, Meu Emprego cria mais de cinco mil empregos para jovens em Nampula
A chefe do departamento de Auto-emprego e Empreendedorismo no INEP, Vitória Bacela, disse em entrevista ao Ikweli que durante o quinquénio 2020-2024 o programa “Meu Kit, Meu Emprego” criou um total de 5859 empregos para os jovens da província de Nampula, através da distribuição de cerca de 1825 kits.
Segundo Bacela, para o alcance das metas previstas, o INEP teve apoio de alguns parceiros de cooperação como a FDC, ACNUR, ONU Mulheres, entre outras organizações não-governamentais que trabalham em prol do empoderamento económico de jovens e mulheres no país.
“Destes kits que foram adquiridos na província de Nampula, ou seja, dos 1825 kits 739 foram adquiridos especificamente pelo INEP em coordenação com alguns parceiros de cooperação, 16 foram atribuídos pela direcção provincial da Juventude, Emprego e Desporto, através do orçamento geral do estado e os restantes 1070 foram da direcção provincial da Agricultura e Pescas”.
Segundo Bacela, com o programa de atribuição de kits é possível vislumbrar resultados satisfatórios, visto que o mesmo tem ajudado muitos jovens, assim como deslocados internos de Cabo Delgado e refugiados de Maratane a desenvolver seu auto-emprego.
“Conseguimos ver que alguns conseguiram voltar a escola e outros terminaram a faculdade, pois já não dependem muito dos seus encarregados de educação, não se esquecendo de alguns grupos alvos específicos que tem a ver com os deslocados internos de Cabo Delgado e os refugiados de Maratane, trabalhamos com eles a partir dos nossos parceiros, eles também tiveram alguma mudança significativa porque, para além de dependerem 100% de doações, conseguem em algum momento virar-se com o pouco que eles conseguem ter a partir dos kits de auto-emprego”.
Entretanto, INEP ressente-se da falta de meios para o seguimento dos beneficiários
Vitória Bacela revelou ao Ikweli que o INEP não dispõe de meios suficientes para fazer o acompanhamento, monitoria e avaliação dos jovens que beneficiam da oferta de kits, por forma a auferir o nível de evolução dos beneficiários.
“Em relação ao acompanhamento, nós não vamos afirmar categoricamente que estamos bem, porque em algum momento para fazer monitoria dos beneficiários precisamos de meios e são esses meios que são escassos porque em algum momento faltam-nos meios financeiros e circulantes e quando é assim não temos como fazer o devido acompanhamento para ver qual é a verdadeira evolução desses beneficiários, mas dos poucos que nós conseguimos fazer visitas conseguimos ver que algo está a mudar e é uma mudança significativa na vida deles assim como na própria sociedade isso porque alguns conseguem ajudar outros jovens empregando-os”.
Contudo, Vitória Bacela deu a saber que tem o registo de, pelo menos, 18 jovens que estão a dar seguimento aos seus projectos, desse número 6 já tem suas empresas legalizadas e 12 ainda estão em vias de legalização.
“Todos que receberam kits não estão sediados na cidade de Nampula, alguns estão na Ilha de Moçambique, Nacala, Mogovolas entre outros pontos e por causa da falta desses meios, não temos como chegar nesses pontos para aferir o que está a ser feito”.
Em Dezembro de 2023, o governo de Moçambique tornou público um regulamento do programa Meu Kit, Meu Emprego, que estabelece procedimentos e critérios de atribuição de kits para os jovens.
De acordo com a pesquisa feita, o regulamento aplica-se aos cidadãos moçambicanos, a título individual ou às associações juvenis legalmente constituídas, em todo o território nacional. Sendo que, a atribuição de kits para o auto-emprego é regida por três princípios, um dos quais a inclusão. Este pponto visa garantir que todos os candidatos tenham o direito de participar do processo, sem qualquer tipo de discriminação ou preconceito.
Entretanto, “nós trabalhamos com parceiros que tem seu grupo alvo e quando chega a vez da formação eles dizem que, a partir do orçamento que têm, determinam um certo número de candidatos, muitas vezes buscam jovens dos 18 a 35 anos e para além disso procuram capacitar deslocados internos e refugiados. É desta forma que o INEP entra a fazer a inscrição e de acordo com os critérios que eles ditam o INEP faz a selecção e entrega ao IFPELAC para a sua a sua formação”, afirmou Bacela.
No que diz respeito aos vários questionamentos sobre a fraca divulgação e inclusão dos jovens residentes nas zonas recônditas, Bacela disse haver falta de orçamento para aquisição de kits para os que não estão inclusos nos pacotes dos parceiros.
“Houve um pouco de fracasso porque nesses últimos anos o INEP não está a conseguir atribuir kits aos outros jovens, pelo facto de não ter disponibilidade de orçamento. Estamos desde 2020 que não recebemos o orçamento de investimento a partir do próprio orçamento geral do estado e é esse orçamento que nós usamos para adquirir kits que é para beneficiar aqueles jovens que não estão envolvidos neste grupo alvo de parceiros, na aquisição dos kits trabalhamos mais com eles, isso é a razão pela qual nos conseguimos alcançar as metas. Os jovens podem ter suas razões de reclamar a não abrangência”.
INEP apela ONG`s a definir linhas de inclusão para pessoas com deficiência
A nossa interlocutora aproveitou a ocasião para apelar as organizações não-governamentais que trabalham em prol das pessoas com deficiência a definir linhas e estratégias que possam fazer com que esse grupo tenha acesso a atribuição dos kits.
“Apelar algumas as organizações que estão a trabalhar na área da inclusão que tivessem esta particularidade, ou abrissem uma linha que pudessem apoiar no empoderamento destas pessoas com deficiência, por que se calhar é isto que está a faltar, aparecem muitas organizações que procuram saber qual seria a modalidade de incluirmos as pessoas com deficiência no emprego e terminam por aí”.
Já para as pessoas com deficiência, chama atenção para que estes acreditem e apostem mais naquilo que podem fazer de acordo com a sua condição, pois não estão vedados do programa para adquirir kits.
“Eles podem também se candidatar para fazer a formação, mas o que temos visto que há um receio da própria pessoa, ou falta de cultura, porque nós quando estamos lá a divulgar e falamos com os líderes para incentivar as pessoas com deficiência para se inscreverem, agora não sei se as pessoas têm tido medo de não conseguir, pressuponho que seja medo e não porque o INEP não divulga”.
O Programa Meu Kit, Meu Emprego, é uma iniciativa do Instituto Nacional de Emprego, IP, e conta com o apoio do EMPREGA, que tem financiamento do Banco Mundial. (Ângela da Fonseca)