Pemba (IKWELI) – Os moradores da cidade de Pemba, maior baia da África, afirmam que a onda do calor tem a ser alta a cada ano, por isso procuram entender as razões do fenómeno.
Para além das altas temperaturas, os citadinos de Pemba querem, também, entender as razões da irregularidade na queda das chuvas.
Aliadas as altas temperaturas, o modo de vida da população da cidade de Pemba mudou, drasticamente. Por exemplo, em casas com cobertura de chapa de zinco tem sido difícil dormir, e as de blocos e chapas de zino pior ainda, e acabam preferindo pernoitar nos quintais, onde também, se não tiver rede mosquiteira, os mosquitos tomam conta, propiciando a malária.
“Para mim este calor intenso nestes últimos cinco anos deriva-se às mudanças climáticas”, comenta Muhamed Hipopo, sem mais detalhes, e justifica que “não deixando para trás que nas zonas costeiras sempre que aproxima a época chuvosa o calor é intenso”. Hipopo é residente do bairro Paquitequete, em Pemba desde o ano 1994.
Esta fonte recua no passado, relembra que as coisas não eram assim, considerando que hoje em dia a cidade de Pemba tem estado a viver uma onda de calor bastante forte, contrariamente aos anos da sua juventude. Hoje tem mais de cinquenta anos.
Sangano Saíde, latoeiro, residente no bairro Natite desde o ano de 1996, também sente que nos últimos anos a temperatura está a mudar, admitindo que hoje em dia o calor é mais intenso do que nos tempos passados. “Nós tempos passado, de facto, era quente, mas agora está pior. Aqui em Pemba está muito quente nestes dias, talvez por causa das mudanças climáticas e da própria estufa, não sei o que dizer porque até dia 15 de novembro iniciava chuva, mas estes anos não, agora não, até pode chegar lá para dezembro, na verdade não sei, mas agora fala-se de mudanças climáticas, mas o que eu admiro é que se fala dos efeitos da estufa, nós aqui em Moçambique não temos muitas fábricas, porque essa temperatura nos afecta muito?”, afirmou, questionado os motivos do aumento da temperatura na cidade de Pemba.
Ainda no bairro Natite, também vive uma idosa identificada por vovó Maxi, como habitualmente é chamada, vive em Pemba há muitos anos, onde teve quatro filhos e sete netos.
A idosa é segura em afirmar que muitas coisas mudaram, mas a sua admiração sobre a temperatura é maior, descrevendo o demasiado calor que se vive nos últimos dias em Pemba.
“A minha manta fica molhada, completamente, devido ao calor, mas nos anos passados era um calor normal, bastava um banho, mas esses dias não, você volta quando está quente, cheio de calor, eu até sinto preguiça de ir várias vezes ao banho, apesar que não tenho sabão de lavar, o calor estes dias está demais. Você fica molhado e tira suor parece água, eu não entendo, eu sou velha e ainda transpiro muito”, narrou.
Mas quando faz comparação, sente muita diferença, pois “no passado o nosso medicamento era tomar banho, mas agora não, as coisas mudaram, veja que as crianças hoje têm a coragem de ver corpo sem vida, mas no passado não, as crianças eram ditas para sair, mas hoje elas querem ver, então as coisas mudaram é por isso acontece qualquer coisa na natureza”.
A idosa diz que no passado, a solução de calor para as famílias que não tinham ventilador era tomar banho antes de dormir ou dormir no quintal, mas hoje em dia nem isso funciona.
“Se a minha casa tivesse quintal iria dormir aqui mesmo para me livrar do calor, pelo menos a noite assim, pode se ter um pouco alívio, mas não está fácil”, disse a velha que igualmente é chefe de família de quatro pessoas, que vive numa casa de construção precária, sem água e sem luz, cujo rendimento provêm da venda de vassouras de fabrico caseiro.
Abdul Salimo, operador de táxi mota, na rota bairro Paquitequete ao centro da cidade, natural e residente naquela área residencial, confirma que “nos últimos dias ou anos há muito calor, antigamente estas coisas de ciclones não eram tão frequentes, mas agora temos cada ano, eu me lembro que ciclone passou quando era pequeno, aos 10 anos, agora tenho 53, nessa altura só ouvíamos que passou lá longe, mas nesta década não sei o que se passa”.
Abdul sugere que estás mudanças climática podem ser, muitas vezes, questões da natureza ou Deus. “Acho que são questões naturais, naquela altura havia muita queimada, muitos carros de fumo, mas agora não tanto, então são questões de natureza, que estão a influenciar o calor. Nos últimos anos nós dormimos com ventoinha até a noite, e naquele tempo, só usava até as tantas e era frio porque a temperatura mudava”.
Antumane Jabo, idoso e pai de oito filhos e residente no bairro Cariacó, conta que a onda de calor é demais nos últimos dias, quando faz comparação aos anos anteriores.
“Vivo aqui em Pemba desde há muito tempo, nasci aqui, vivo aqui desde o tempo colonial, quando havia só dois carros, lá fora da cidade havia maxila que se carregava branco para ir ver machamba de algodão. Havia calor, mas não como agora, mas eu acho que é problema das chapas de zinco que estamos a usar na cobertura. Anteriormente usávamos palhas, e as casas não estavam próximas como hoje. Até no tempo colonial só ouvíamos que ciclone ia passar no Maputo, sei lá onde, mas aqui nada, mesmo aqui na cidade era só nas zonas altas, como Alto Gingone”, recordou.
O senhor Antumane Jabo que insistiu que “hoje há muito calor do que no passado, talvez seja pela forma como as casas estão construídas, por estarem muito próximas”, nunca ouviu falar das mudanças climáticas.
O alerta das autoridades governamentais
O sector de produção agrícola em Cabo Delgado é um dos que poderá ser afectado pelo fenómeno El ninõ, segundo as autoridades desta província.
O governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, anunciou durante o lançamento da campanha agrícola 2023/24, em Mecúfi, que a província será afectada pelo fenómeno, em grande parte no sector de agricultura, o que suspeita que vai gerar uma produção negativa.
Para o efeito, é necessário que os produtores adoptem a prática da agricultura sustentável, para garantir uma produção capaz de responder a segurança alimentar.
Outrossim, apesar da perspectiva do El ninõ, o governador Valige Tauabo espera um crescimento da produção em 1.2%, numa área de 595.720 hectares.
O mais recente relatório da Organização Mundial de Meteorologia, anota que em 2023, o El-Ninõ se desenvolveu-se rápido, entre julho e agosto, em setembro atingiu força moderada, mas entre Novembro de 2023 e janeiro de 2024, atingiu o pico com probabilidade de 90%, podendo persistir até todo inverno em toda região da África Austral.
Falando em setembro, na província de Maputo, o chefe do Estado, Filipe Nyusi, alertou que o país será assolado pelo fenómeno El’ninõ, mas com mais incidência na região sul.
Nesta óptica, Filipe Nyusi apelou a população para que siga as orientações que possam minimizar a perda de vidas e outras consequências.
“Organizem-nos. Temos de poupar água reservada para o consumo e para o nosso gado. A história repete-se. Então, temos de criar condições de resiliência. Nesse sentido, o Governo emitirá avisos regulares para manter a população informada e preparada para as condições climáticas que podem não ser favoráveis à vida, à produção ou às infra-estruturas. É um apelo que faço para todo o país, incluindo aquelas províncias em que poderá chover, porque pode chover muito. E isso significa também a produção ficar comprometida”.
Pouco se sabe sobre o El’ninõ em Cabo Delgado
Os elevados níveis de analfabetismo, sobretudo em matérias climáticas, o fraco acesso a informação e fraca divulgação dos impactos e transformações climáticas são apontados como algumas causas.
Contudo, os produtores, um pouco por toda província, não sabem muito sobre o fenómeno El-Ninõ, por isso mesmo se for a acontecer, de acordo com as previsões, o seu impacto negativo será maior.
O cidadão que se identificou simplesmente por Júlio, residente na cidade de Pemba, diz que o termo é novo e constitui surpresa. “Na verdade, e sinceramente falando, as pessoas não sabem, porém acho mesmo que seria uma boa oportunidade se falar muito sobre isso”.
Cidadãos de Mecúfi disseram que não sabem o que é o fenómeno El ninõ, tanto que, pela primeira vez, ouviram no discurso do governador de Cabo Delgado, no acto de lançamento da campanha agrícola.
“Não tenho ideia do que seja, eu ouvi também na reunião, perguntei uma técnica da agricultura, ali no SDAE [Serviços Distritais de Actividades Económicas], ela também não sabe, só disse que vai pesquisar sobre isso, e, ali na no lançamento da campanha agrícola o governador só falou não entrou em detalhes, e ainda não se fez réplica da campanha agrícola aqui em Mecúfi”, disse um dos residentes do bairro Sassalane, nos arredores da vila, para quem só em tempo dos efeitos desse fenómeno, o governo irá explicar a população.
No distrito de Nangade, também há dificuldades para entender o fenómeno El ninõ, tanto que os produtores não têm mínima ideia do que se trata. “Esse fenómeno aqui não chegou ou não sabemos, mas pronto vamos ver se chegar, os produtores estão a trabalhar a terra enquanto colhem castanhas,”, comentou o produtor Mumpe Zacarias, do bairro Ndenganamade, na sede distrital.
No distrito de Balama, conhecido como celeiro de Cabo Delgado, o contacto foi com o presidente da União Distrital dos Camponeses, Alberto Assane Moripa. Este afirmou que os produtores estão empenhados na execução da campanha agrícola em curso, mas também nunca ouviram falar do fenómeno El ninõ.
“Ainda não temos essa informação, nós estamos a trabalhar normalmente para produzirmos muita comida aqui em Balama, sobre isso aí ainda não ouvimos”, declarou Alberto Assane Moripa”.
Desconhecimento dos fenómenos climáticos é global
Afinal o problema de pouco conhecimento das mudanças climáticas não só afecta moçambicanos, especificamente de Cabo Delgado, mas também cidadãos de países desenvolvidos, como os da Europa, EUA, Japão.
Um estudo realizado pela universidade norte americana de Yale, consultada pela Revista Terra, uma publicação moçambicana, editada na cidade de Maputo salienta que “mais da metade dos inquiridos na Europa, Japão e Estados Unidos da América, disseram que não sabiam muito ou em níveis moderados sobre as mudanças climáticas, e menos da metade mostraram saber que elas são mais resultantes da acção humana do que de mudanças ambientais”.
Entendimento do ambientalista
Vasquinho King, um ambientalista natural de Cabo Delgado e baseado na cidade de Pemba há muitos anos, também admite que nos últimos anos há aumento da temperatura, comparando com os períodos anteriores, contudo, este facto tem explicações.
“A temperatura aqui na cidade de Pemba realmente é alta, foi subindo na década passada por um factor global que é o aquecimento global que implica o aumento da temperatura do mundo devido a factores como aquecimento, El’ninõ, etc.”.
Por outro lado, ressalva que desde então não se apostou numa política de manutenção das árvores, “mas também deve-se a questão de desmatação, a cidade perdeu praticamente o parque verde, parte verde eram as plantas, que existiam nesta cidade, mas devido a expansão urbana houve centenas, senão milhares de hectares que foram se desmatando para dar lugar aos assentamento humanos e isso cria aquecimento, porque não há como as pessoas se protegerem do sol, matam e não plantam, foram mortas mais árvores e não foram repostas, então isso criou grande aquecimento à esta cidade”.
O também activista ambiental diz que na cidade de Pemba tem aumentado o parque automóvel, outro factor humano que libera o fumo ao ambiente. “E depois também o excesso de viaturas, foi aumentando o número de poluentes no caso concreto o dióxido de carbono expelido pelos vários gases, também tem outros gases nocivos ligados aos motores, ligados ao parque industrial, etc., então tudo isso foi crescendo e foi aumentado o nível de aquecimento, da poluição”.
Não só isso, o quadro demográfico também contribui para o aumento do calor ou do aquecimento. “O terceiro factor é que houve um crescimento populacional e consequentemente crescimento habitacional, então isto expande e cria uma grande desmatação e cria condições para o aquecimento ser elevado e é maior, são estes factores que podemos olhar especificamente para a nossa cidade”, sustentou Vasquinho King.
Um relatório elaborado por cientistas climáticos das Nações Unidas e divulgado em 2021, alerta que até 2050 algumas cidades costeiras correm o risco de não existir, tudo porque há muitos efeitos combinados no oceano, influenciando a subida do nível das águas do mar.
“O nível do mar continua a subir, as inundações e as ondas do calor são cada vez mais frequentes e intensas e o aquecimento aumenta a acidez do oceano”, frisam os especialistas no seu mais longo relatório.
El niño é um fenómeno climático, que envolve factores atmosféricos e oceânicos, caracterizado pelo aumento das temperaturas do Oceano Pacífico. A alteração anormal da temperatura do Oceano Pacífico provoca mudanças climáticas significativas, principalmente na faixa tropical do globo. O El niño gera alteração nos padrões climáticos de temperatura e precipitação. (Amade Abubacar)