Nampula (IKWELI) – O Sector de Saúde da província mais populosa do país, Nampula, mostra-se preocupado com o baixo nível de aceitação da vacina contra o cancro de colo de útero que está a ser administrado em raparigas de 9 anos desde o mês de novembro de 2021 em todo o território nacional.
Sucede que, desde a sua implementação, o sector tem vindo a registar uma redução do número de raparigas que são levadas as unidades sanitárias para tomar a vacina. Uma situação que preocupa a direcção, visto que no mês do lançamento a mesma registou uma procura considerável de 87%.
Só para ter uma ideia, no primeiro ano de implementação, Nampula tinha a previsão de vacinar cerca de 114.625 raparigas, tendo sido vacinadas, apenas, 100.236 o que corresponde a uma cobertura de 87%.
De acordo com o gestor provincial de Programa de Vacinação na Direcção Provincial de Saúde (DPS), Rogério Moiane, nos anos subsequentes a cobertura não passou dos 26,4% em 2022, onde se previa vacinar 119.476 raparigas, tendo sido vacinadas apenas 32.343, e 2023 a cobertura foi ainda mais baixa pois, num universo de 121.415 que se pretendia, só foram vacinadas 23.659 o que corresponde a uma margem 19,5% respectivamente.
“Infelizmente, ao longo dos anos, a vacina de HPV, pelo menos até no ano passado, a tendência de alcance as raparigas têm vindo a reduzir. Temos usado várias estratégias, como a sensibilização para o alcance do grupo alvo. Sabemos que para que as raparigas aceitem a vacinação dependem dos seus encarregados como suas mães, mas infelizmente na província de Nampula não temos conseguido encontrar esse grupo alvo”, afirmou.
Segundo Moiane, o factor desinformação tem contribuído para a fraca adesão das raparigas nas unidades sanitárias, tendo em conta que a comunidade acredita que a vacina poderá causar infertilidade, ou seja, não terá oportunidade para conceber futuramente.
“Pensamos nós que esse seja um dos grandes motivos que faz com que as raparigas não possam vacinar, mas nem com isso, o sector tem feito de tudo, é uma vacina que ainda constitui um desafio para nós, mas temos feito sensibilização ao nível das comunidades, unidades sanitárias nas nossas palestras diárias para quem sabe, talvez, doravante possamos alcançar aquele que é o nosso grupo alvo. É sabido que o cancro do colo do útero é muito perigoso e que é sempre bom que ela seja prevenida através da própria vacinação”, afirmou.
Visto que a vacina contra o cancro do colo de útero deve ser administrada em duas doses, cumprido um intervalo de 6 meses, a fonte fez saber que o número de raparigas que regressam para cumprir com a segunda é ínfimo.
“Infelizmente, nem todas que começam com a primeira dose têm voltado para apanhar as doses subsequentes. Por isso, há ideias de que, nos próximos tempos, a vacina contra o cancro do colo de útero seja apenas numa única dose, foi discutido com vários parceiros ao nível do Ministério da Saúde, já foi acordado e a qualquer momento poderá ser assim, como forma de evitar que as pessoas apareçam e depois não aparecem para as doses seguintes, será apanhar só uma única vacina e isso nós acreditamos que vai ajudar muito”, avançou.
Em entrevista ao Ikweli, Rogério Moiane apelou as mães de Nampula no sentido de encaminhar suas filhas de 9 anos aos postos fixos nas unidades sanitárias mais próximas para que sejam vacinadas.
“Para além dos postos fixos, os nossos técnicos nas unidades sanitárias têm feito a vacinação ao nível de brigadas moveis, tem feito algumas vacinações também nas escolas. Queremos apelar porque o cancro é uma doença perigosa, uma vez que existe a possibilidade de prevenir através da vacina para que possamos ter uma geração de raparigas sem cancro, eu penso que seria muito bom”, apelou.
Joana António disse ao Ikweli ter conhecimento da vacina, mas que, no entanto, não tem uma filha ou sobrinha com essa idade, tendo deixado um conselho as mães para levar as suas meninas para tomar a dose.
“Só tenho meninos e todos eles estão crescidos, se eu tivesse uma menina nessa idade levaria, pois acredito que essa vacina vai fazer com quem elas cresçam imunes a doença, por isso que as mães que tem meninas devem levá-las a um centro para que sejam vacinadas”, disse.
Já Angelica Assane, que estava acompanhada de sua filha coincidentemente de 9 anos, revelou não ter levado a pequena para tomar a vacina por falta tempo.
“Vou levar, ainda não tive tempo. Já ouvi falar dessa doença, mas não acho que irá afetá-la agora, irei levar-lhe quando tiver tempo”, assumiu.
Por sua vez, o medico gineco-obstetra do Hospital Central de Nampula (HCN), Mustafa Malenga, fez saber que o cancro do colo de útero é uma das principais doenças que leva as mulheres a procurarem por cuidados médicos, sendo que, em termos de internamento ocupa a primeira posição no atendimento e óbitos na enfermaria de ginecologia.
“Em termos de pacientes que dão entrada temos aquelas que entram por consultas e outras pelas urgências. Na urgência de ginecologia tivemos no ano passado cerca de 250 e destas 150 ficam internadas”, revelou.
Ao nível da região norte, o HCN é a única unidade sanitária que dispõe de equipamentos avançados para fazer o diagnóstico definitivo da doença, “Por dia nós recebemos 15 pacientes para fazer-se o diagnóstico e confirmar se tem ou não o cancro para seguir ao tratamento”, sublinhou.
Em termos de óbitos, Malenga afirmou que, em média o HCN tem registado duas a três mulheres que perdem a vida devido a doença por mês.
“Muitos acreditam que essa doença é por falta de sexo”
Filomena João, mulher de 46 anos de idade, encontra-se internada na enfermaria de ginecologia do HCN. A mesma revelou que foi diagnosticada com o cancro do colo de útero no ano passado.
No entanto, os sintomas da doença remontam desde o ano 2008, quando teve sua primeira filha. Sem saber o que se estava a passar, procurou por cuidados médicos e foi diagnosticada numa primeira fase com a tuberculose.
“Comecei logo a fazer o tratamento, segui à risca com toda a medicação. Um ano depois terminei com o tratamento”.
No entanto, os problemas de saúde da senhora só aumentavam, isto porque anos mais tarde, 2023, foi diagnosticada com o cancro e suas amigas e vizinhas limitaram-se a dizer que a mesma deriva da falta de sexo.
“Como estou separada há muito tempo, minhas amigas começaram a dizer que essa doença é porque não faço sexo, não tenho contacto com um homem há muito tempo. Mas eu sei que isso não é verdade, eu sou crescida e não posso me envolver com homens como se fosse adolescente. Quando recebi o resultado não acreditei, porque nunca tinha ouvido falar, mas hoje estou aqui a fazer o tratamento, seria bom que as outras mulheres cuidassem da sua saúde ainda cedo”, sublinhou.
Por isso, na opinião do médico Mustafa Malenga, urge a necessidade das mães levarem suas filhas às unidades sanitárias para tomar a vacina ainda cedo para prevenir a doença. Mas também, aconselha as mesmas a fazer o rastreio do cancro do colo de útero de forma a ter um diagnóstico o mais cedo possível.
“Seria bom que essa vacina fosse alastrada para outras faixas etárias, mas nessa primeira fase acaba sendo prioridade as raparigas dos nove anos, se calhar a posterior poderá estender-se para outras idades. Reforço mais para a questão do rastreio que é simples e não leva muito tempo, caso o rastreio tenha saído positivo eles acabam transferindo para aqui e nós vamos resolver, antes que tenha uma situação mais agravada”, apelou. (Ângela da Fonseca)