Corridas das suas terras pelas armas: Adolescentes sobrevivem “vendendo” o corpo nas ruas de Pemba

Pemba (IKWELI) – Definitivamente, garantir alimentação e/ou refeições em todos os dias para muitas das famílias deslocadas pelo terrorismo no centro e norte de Cabo Delgado tornou-se uma enorme pedra no sapato.

A principal necessidade dos deslocados que se encontram na cidade de Pemba é mesmo a alimentação, por isso tudo vale para colocar comida na mesa.

Quase todas as famílias que acolheram parentes vindos da região em conflito tiveram os agregados com mais de 100% do que antes tinham.

A rua da praia tem sido o ponto preferencial para as adolescentes encontrarem clientes, mesmo conscientes de que a prática viola os seus direitos, mas dizem não ter escolha, porque precisam de comida.

“Quando esses militares estrangeiros te dão 100 dólares [americanos] e vais trocar, é muita coisa lá no bairro”, conta-nos, em conversa, Latifa, que é oriunda do distrito de Mocímboa da Praia, a qual prossegue que “quando chegamos era muita fome por que passávamos, por isso as mulheres mais velhas nos aconselharam a encontrar formas de ajudar em casa”.

Segundo a nossa fonte, a forma mais fácil encontrada para prover a ajuda necessária é submeter-se a prostituição, que ao fim do dia fica abuso sexual contra menores.

Sobre os seus direitos, as praticantes decidiram suspender, praticamente, alguns, porque precisam de assistência, a qual já não chega com facilidade para quem não está em algum centro de acolhimento.

“Quando chegamos, na casa do meu tio, irmão da minha mãe, viviam apenas 4 pessoas (ele, a esposa e dois filhos). Nós quando chegamos (6 pessoas), o número aumentou. Mais tarde, a minha tia veio com os filhos, também. Agora somos 15 pessoas, meu tio não consegue alimentar a todos. Ele já tentou, mas não consegue”, comenta Atija Ibrahim, a quem entrevistamos próximo a rotunda que dá acesso a rua da marginal.

Preferencialmente, segundo conta Mamo, outra deslocada oriunda de Macomia, o desejo das raparigas é encontrar, sempre que puder, um cliente estrangeiro, porque “esses pagam em dólar, o que vale a pena quando vamos trocar lá no bairro”.

Brígida, de 15 anos de idade, conta que perdeu a virgindade em serviço de venda de sexo. “Foi a minha primeira vez. Quando chegamos em Cariáco, na casa da minha, tia ficamos uns 3 dias sem comer. Depois o marido da minha tia conseguiu algum dinheiro e nos deu comida. Fugimos de Mocímboa da Praia três famílias (com 10 pessoas) e quando chegamos aqui nos juntamos a outras 11 pessoas que ficavam já com a minha tia. Tínhamos que ajudar, mas não sabíamos como”.

“Um belo dia, a minha mãe ouviu no poço quando ia acarretar água que algumas meninas iam de noite à cidade conseguir dinheiro para ajudar nas suas casas. Eu sou a mais velha das meninas e a minha mãe sentou comigo, me deu algumas instruções. Eu fui a rua com duas amigas e uma prima. Lá encontrei um branco, ele gostou de mim. Levou-me para um hotel, depois aconteceu tudo. Ele não sabia que eu era virgem, depois de tudo ficou com medo de eu falar para alguém. Ele me deu umas 5 notas que eu não sabia o nome do dinheiro. Quando levei esse dinheiro para casa, meu tio ficou muito feliz, disse que eram 500 dólares e que era muito dinheiro. Dai mesmo ele foi trocar, deu minha mãe 10.000,00Mt (dez mil meticais) e o resto do dinheiro foi comprar comida”, narra Gertrudes, que é oriunda de Quissanga.

Em Pemba, o custo de vida tornou-se caríssimo, sobretudo com o aumento da densidade populacional por conta dos deslocados internos.

Agira, uma outra adolescente de 16 anos, conta-nos que “no início era muito difícil, mas agora já estou familiarizada com esse trabalho. Agora basta só beber uma cerveja que tenho coragem para tudo”.

Por outro lado, esta fonte assinala que “o grande risco é com doenças. Uma vez eu apanhei uma ITS (Infecção de Transmissão Sexual) e tive de ficar parada por quase um mês, perdi muito. Passei fome por causa disso, por isso, agora sem preservativo eu não. Prefiro me pagarem barato, mas com protecção”.

O dilema destas raparigas é enorme, mas, mesmo diante destas dificuldades, há quem não perde a esperança de um dia ser alguém melhor.

“Eu agora tenho 18 anos. Quando comecei esta vida tinha 16 anos. Já consegui concluir a 12ª classe com o dinheiro que consigo com essa vida. Agora estou num instituto a formar-me para ser técnica de Medicina Geral. Quando terminar o meu curso, vou abandonar essa vida. É complicado perder muitas noites, beber sempre e manter relações sexuais constantemente e com pessoas diferentes”, avança a jovem Palmira Rodão.

Por outro lado, esta nossa interlocutora apela as outras raparigas “para que não sentem com esse dinheiro que aqui conseguem. Invistam em alguma coisa, em cursos para amanhã terem algo para comer, porque essa vida não é para todo o sempre”.

No bairro de Paquitequite, conversamos com a senhora Bina Mateus, que é oriunda de Muidumbe, a qual conta que teve de convencer as suas duas filhas para se prostituírem a fim de poderem ter condições de contribuírem nas despesas familiares na casa da sua cunhada.

“O meu marido foi morto pelos terroristas. Quando chegamos aqui na casa da minha cunha [irmã do marido morto], somente ficávamos à espera do marido dela, mas eu tive que falar com minhas filhas para se arranjarem como mulheres e ajudarem”, disse esta fonte.

A mesma explica ser difícil ter de convencer uma filha a se prostituir, “mas não temos escolha. Olha que quando elas estão no ciclo menstrual o pouco que o dono da casa ganha não chega para nada”. (Aunício da Silva)

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