Nampula (IKWELI) – A comunidade masculina na província de Nampula, região norte de Moçambique, coloca de lado as normas de trato social incutidas pela tradição e sociedade e opta por denunciar casos de violência doméstica que sofre no lar.
Em Moçambique é notário e comum, apenas, acompanhar casos de mulheres que denunciam os seus parceiros por algum tipo de violência, ao passo que os homens sempre foram mais fechados por conta dos papéis e responsabilidades definidos culturalmente para a comunidade masculina e feminina no âmbito doméstico.
No entanto, nos últimos anos, cresce o número de homens que denunciam tais situações. Dados partilhados pelo Gabinete de Atendimento a Família e Menores Vítima de Violência indicam que, durante o primeiro semestre do ano em curso, foram registados um total de 50 casos de homens que sofreram violência, contra 49 do mesmo período de 2022, o que significa que houve aumento de um caso de denúncia.
Dos dados partilhados, consta que os casos atendidos ocorreram nos distritos de Nampula, Mogovolas, Muecate, Nacala e Ribáuè.
Das denúncias registadas, o destaque vai para a violência física, com um registo de 22 casos, e a patrimonial com 17. No que respeita a violência física grave que culmina com a morte, foi registado um caso e a mulher encontra-se a cumprir a pena respectiva.
A Chefe de secção de Estatística do gabinete, Teresa Hilário, revelou que as denúncias surgem no âmbito das campanhas de sensibilização que a instituição tem levado a cabo, por forma a chamar atenção aos homens sobre a necessidade da queixa sobre violência, seja ela física, psicológica, patrimonial entre outros.
Segundo Hilário, a presença dos homens no gabinete de atendimento para denunciar algum caso de violência era visto como um tabu. No entanto, atualmente estão mais abertos e informados sobre a importância do mesmo.
“Hoje em dia já não é tabu o homem vir meter queixa, porque foram sensibilizados a não terem vergonha de vir para aqui, tanto que já temos aderência, ontem não tínhamos esse número de 50 e hoje temos, o que significa que já estão atentos e nos alegramos com isso”.
Tal como o Gabinete, a Procuradoria Provincial da República de Nampula partilhou com o Ikweli a descrição de casos de homens que sofreram violência durante o primeiro semestre de 2022 e 2023.
Só no primeiro semestre de 2022, a procuradoria recebeu um total de 91 processos. Desse número, o destaque vai para 51 de violências físicas simples, 28 para a patrimonial, contra 105 de igual período de 2023, onde 53 refere-se à violência física simples, 13 psicológica e 10 patrimonial.
No entender do sociólogo Jaibo Mucufo, os homens são fechados devido ao factor social que dita como eles devem ser fortes em todos os sentidos, uma situação que contribui para que haja algumas barreiras, como a vergonha de denunciar quando sofrem algum tipo de violência por parte da parceira.
“Quando se trata de violência, as barreiras são muitas, por exemplo, para os meus amigos quando ficam a saber que sofri violência por parte da minha mulher, eu fico com vergonha, mas essa vergonha vem de quê? Porquê que as mulheres não sentem vergonha? É a forma como nós fomos construídos. Para a sociedade o normal é que a mulher seja espancada. Vamos dar exemplo daquela época em que os homens eram queimados com óleo isso era muito mediatizado, mas quando é uma mulher só se fala uma duas vezes e pronto, isso porque concebemos isso como algo normal”.
Taxa de suicídio nos homens pode estar aliada a violência doméstica
O psicólogo clínico do Hospital Central de Nampula, Armando Cumbe, revelou que as taxas de suicídio envolvendo homens podem estar ligadas a violência que tem sofrido nos seus lares, aliadas a vergonha e falta de abertura para exporem a situação.
Segundo a fonte, os homens acumulam muita coisa diferente das mulheres, mesmo quando se trata de cuidar da própria saúde. “Aquela nossa tendência de que eu vou gerir e não conseguem procurar uma orientação ou um conselho por parte de um amigo ou especialista para poder se aliviar e chega um momento que aquilo satura e explode, quando isso acontece eu fico descompensado e não consigo pensar em mais nada a não ser encontrar uma solução imediata e a solução imediata é mesmo me suicidar, se não me suicido pode ser uma situação que me obriga a cometer um homicídio”.
Para Cumbe, o preconceito e o medo da discriminação que existe nos homens contribui para que haja poucos cuidados aos tratamentos ligadas ao Violência Baseada no Género (VBG).
“Há um estigma que está associado a isso, que o próprio homem já se estigmatiza quando é vítima de violência, para ele parece fraqueza, porque isso não devia acontecer, por isso não procuram por cuidados”.
O psicólogo revelou ao Ikweli que, como clínico do HCN, atendeu alguns idosos e pais que foram vítimas de agressão por parte dos seus familiares, no entanto, os homens que sofrem violência protagonizadas pelas suas parceiras só o procuram quando se trata de algo grave.
“Com recurso a objecto contundente, aí não tinha como e teve que denunciar a polícia que por sua vez transfere para a unidade sanitária e nós damos o devido acompanhamento e reencaminhamos para a policia”. (Ângela da Fonseca)