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Fuga de paternidade: um fenómeno que contribui para a degradação das famílias e marginalização das crianças em Nampula

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Nampula (IKWELI) – A fuga de paternidade em Nampula, no norte de Moçambique, é vista pelo sociólogo e activista social Faquir Fernandes, como um problema que concorre para a violação dos direitos da criança tais como a educação, atenção nos cuidados de saúde e alimentação.

Em Nampula, são frequentes os casos em que alguns homens abandonam as mulheres após engravidar, uns sob a justificação de que não são os pais enquanto outros sem qualquer explicação, fazendo com que as mulheres, na sua maioria desempregadas, criem as crianças em meio as várias dificuldades, facto que para Faquir Fernandes tem implicações sócio económicas e afecta directamente o desenvolvimento das crianças.

Para Faquir, existem pais que fogem a paternidade supostamente por falta de condições económicas e sociais e outros que possuem todos tipos de condições privilegiadas, mas por estes terem vínculos conjugais negam qualquer relação com os filhos.

Ele refere que a fuga de paternidade é um problema social que de certa forma tem degradado as famílias nas sociedades modernas, por conta das dinâmicas dos processos. “Não só é vista do ponto de vista sociológico, a abstenção de um pai assumir a sua responsabilidade paternal, alimentar, vestir, educar e de mais responsabilidade tem grande impacto na vida da criança. Desde a primeira sociedade até aos dias de hoje, a função de paternidade esteve vinculado ao sustento e de autoridade e sempre transmitiu a sensação de segurança aos filhos, carinho, respeito, e ausência deste elemento pode causar na criança desvio de conduta, e começar a criar sentimentos de rejeição por todos que a rodeiam e reduzindo desta forma o autoestima e autoexclusão social”, explicou a fonte.

A equipa do Ikweli, entrevistou na cidade de Nampula algumas mulheres que foram abandonadas pelos seus parceiros e deixadas com filhos para cuidar sem qualquer apoio que que lhes garante manter a educação, alimentação adequada e cuidados necessários dos filhos.

A título de exemplo é Olívia Ernesto, de 33 anos de idade, moradora do bairro de Murrapaniua no posto administrativo de Natikiri, nos arredores da cidade de Nampula, mãe de seis filhos, todos menores de idade, resultado de três casamentos que culminaram com abandono.

Olívia Ernesto disse ao Ikweli que já foi casada por três vezes para realizar o sonho de formar uma família que, infelizmente, não foi possível facto que acabou por abandono dos seus seis filhos que vivem sem nenhum apoio dos pais. Além disso, neste momento está grávida de um homem que por sinal reside no mesmo bairro, mas que está a recusar prestar cuidados e assumir a gravidez. “Vivo com os meus 6 filhos, de entre eles três estudam e outros não há condições, também todos eles são ainda crianças que não conseguem fazer nada para a sua vida, quando amanhece sempre procuro alguma coisa para alimentá-los e as vezes comemos uma refeição por cada dia”, disse.

A nossa interlocutora, acrescentou que “duas meninas e um rapaz são do mesmo pai e outras duas meninas e um rapaz são de outro pai. Agora a criança que estou a espera o pai é outro que me abanou neste estado de gravidez e casou com outra mulher”.

Como forma de conseguir alimentação e garantir a sobrevivência da família, a fonte tem vindo a exercer desde o ano passado até então no recinto do seu quintal a venda de bebida alcoólica de fabrico caseiro que vende 10,00Mt (dez meticais) o litro. “Passo dificuldades para levar a escola as crianças, comprar a roupa e para não ficar sem comer nada o dia inteiro, costumo revender vinho macua e quando aparece cliente para comprar ganho por dia 40 0u 50 meticais, o que ajuda muito para comprar farinha celeste e o caril procuramos folhas de mandioca, porque tenho machamba onde aproveito variar o caril como folhas de batata-doce e nicussi (peixe pequeno) para comer com chima ou caracata”, contou.

Quem, também, partilhou as dificuldades enfrentadas para sustentar crianças abandonadas pelo pai é Muajira Baptista, residente no bairro de Namutequeliua no posto administrativo de Muhala, que disse ser complicado para sustentar os seus oito (8) netos cuja mãe tem deficiência de fala e auditiva.

“Estou a viver com a minha filha e ela tem problemas, não consegue falar correctamente e ouvir, não é casada e tem oito (8) filhos, quatro (4) são resultantes de gémeos, e infelizmente todas as crianças não são ajudadas pelos seus pais”, disse, acrescentando que “quando a minha filha estava grávida, os homens cuidaram dela até nascer as crianças e depois abandonaram os seus filhos, quando estavam na fase de começar a gatinhar, isso com poucos meses, alegando que não tem trabalho para sustentar as crianças, as minhas outras filhas que conseguiram casar as vezes têm nos ajudado, incluindo os vizinhos, com um pouco de farinha celeste ou dinheiro”.

De acordo com Américo Sardinha, responsável do Programa de Registo de Nascimento denominado Bravo na organização religiosa Sanʼt Egídio, que visa registar todas as crianças órfãs e vulneráveis em parceria com o Serviço de Registo Civil e Notariados em Nampula, os distritos de Nampula e Mecubúri são os que mais mulheres registam crianças sem a presença dos pais e isso resulta da fuga de paternidade.

“Há muitas mães que, infelizmente, são abandonadas, algumas grávidas o que faz com que haja ainda crianças não registadas. Sabemos que uma criança não registada para o Estado não existe, mas infelizmente as mães são aquelas que tem consciência em primeiro lugar deste valor do registo em relação aos pais, é um problema muito real e várias pessoas que aparecem para registar as suas crianças são as mães”, concluiu Sardinha. (Nelsa Momade)