Nampula (IKWELI) – O Assédio sexual continua a preocupar mulheres e raparigas nas instituições do ensino superior da província de Nampula, no norte de Moçambique, uma situação que as coloca desconfortáveis, contribuindo para desistências e o fraco desempenho no ensino superior.
A constatação é de cerca de 200 estudantes do sexo feminino provenientes de todas instituições do ensino superior da província de Nampula, que esta segunda-feira (06), debateram sobre o assédio sexual nas universidades, um evento organizado pelo Conselho Nacional de Avaliação de Qualidade do Ensino Superior.
Cartilia Rodrigues, estudante recém-graduada pela Universidade Rovuma, curso de Psicologia Educacional, revelou ao Ikweli que já foi vítima de assédio sexual, quando estudava na extinta Universidade Pedagógica, delegação da cidade de Lichinga, província do Niassa, uma situação que a fez transferir para um outro estabelecimento de ensino na cidade de Nampula. Na altura, frequentava o seu segundo ano de faculdade.
“Primeiro tomei como um elogio. Mas foi ficando desconfortável a medida que já vinham com palavras não muito agradáveis pois, os mesmos diziam que o meu corpo parecia uma guitarra e que tencionavam tocá-la. Certa vez, um docente convidou-me para sair, mas informei ao meu namorado e juntos criamos uma forma de escapar das garras daquele docente”, explicou a jovem, acrescentando que os assédios eram justificados pelo facto de o seu corpo ser chamativo e apresentar `curvas´.
Cartilia alegou que naquela universidade não foi única a sofrer assédio sexual, mas a questão dos mecanismos de denúncia, que não se mostravam eficazes em 2017, fazia com que as vítimas ficassem caladas por temer represálias.
“Há que se criar fortes mecanismos de segurança para que as outras raparigas se sintam seguras em denunciar casos de assédio sexual, queremos que após a denúncia o assediador seja levado a barra da justiça e punido pelos actos”, afirmou.
Dalva Pinto, estudante de 21 anos de idade, está a cursar Direito na universidade Católica de Moçambique (UCM), conta que, no seu segundo ano, também foi vítima de assédio.
A mesma explica que, por ser chefe de turma, era vista como elo de ligação entre os colegas e o docente, um cenário que para o seu orientador era a chave primordial para assediar a estudante.
“Eu tinha trabalhos para entregar ao docente na sua sala. Eram trabalhos atrasados de alguns colegas, quando lá cheguei ele perguntou-me o que ganharia com esse favor, qual seria o prémio por ser bondoso com os colegas e eu fiquei sem perceber e questionei que prémio, foi quando ele disse que eu tinha que lhe dar um beijo e eu disse que não era certo, na mesma altura estava a entrar um outro docente, foi aí que consegui escapar”, relatou.
Pinto contou que na altura ficou sem perceber a atitude do docente e teve medo de encará-lo na sala de aulas, mas que tempos depois o mesmo foi expulso.
“Eu não fui a primeira vítima dele, fiquei com medo de denunciar porque não tinha provas. Mas graças a Deus o docente foi expulso da faculdade porque muitas colegas denunciaram o caso”, afirmou, considerando grave a questão de assédio sexual nas escolas e que deve ser combatido rapidamente.
“Primeiro porque as denúncias não são levadas a sério, segundo porque eles acham que a roupa que nós usamos é tida como provocação para eles e eu como mulher, como menina e como pessoa acredito que isso não é um dos itens que leva a pessoa a assediar a outra, para mim isso tem a ver com o carácter e o psicológico da pessoa, porque isso não é normal usar o poder hierárquico para persuadir estudantes”, acrescentou.
CNAQ considera assédio sexual um impasse para a qualidade de ensino no país
A presidente do Conselho Nacional de Avaliação de Qualidade do Ensino Superior, Maria Agibo, considera a questão do assédio sexual nas universidades um impasse para a qualidade de ensino das raparigas no país
De acordo com a dirigente, ainda não há dados específicos sobre assédio nas universidades, contundo, cerca de 1500 raparigas foram assediadas no ensino geral, facto que preocupa o governo.
“Isso significa que se essas meninas não tivessem sido afetadas pelo assédio sexual nós teríamos mais mulheres a concluir o ensino geral e teríamos mais mulheres a aceder o ensino superior que é um dos diretos de todo ser humano. Nos preocupa como Conselho Nacional de Qualidade do Ensino Superior na senda da prioridade número um do governo encararmos o fenómeno complexo e sensível que se relaciona com o assédio sexual e nós encaramos esse fenómeno como um dos grandes impasses da qualidade do ensino superior, porque as meninas levam mais tempo para concluir os seus níveis por causa dos impactos psicológicos e sociais que este fenómeno acarreta”, afirmou.
Agibo considera que o fenómeno leva as raparigas a terem um desempenho académico, baixo fazendo com que não tenham espaço para contribuir para o avanço do país.
“Já temos provas que sem a educação da mulher o desenvolvimento é lento. Então temos que reflectir a questão do assédio sexual no ensino superior infelizmente trata-se de uma questão que na maioria das vezes é perpetuado pelos professores”, disse.
Agibo lamenta o facto do assédio sexual contra as raparigas nas diversas escolas moçambicanas, serem perpetrados na sua maioria por professores, acrescentando que, estão a ganhar contornos alarmantes sob um olhar indiferente de algumas autoridades na penalização dos mentores.
“Os agressores ou mentores não são devidamente responsabilizados e punidos, pois continuam sobrevivendo sob olhar impávido e indiferente de algumas autoridades que não mobilizam nenhum tipo de responsabilização”, acrescentou.
Um estudo sobre Assédio Sexual nas Escolas realizado pelo Movimento Educação para Todos (MEPT), em 2019, mostrou que embora o Governo esteja a implementar políticas no sector da educação, com vista a aumentar a participação da rapariga na escola, prevalece o desafio de assegurar a retenção desta na escola, sendo o assédio uma das maiores causas da desistência. Uma situação que se verifica em todos os níveis de ensino, desde o primário até ao superior.
Por outro lado, dados publicados em 2015 pela Associação Linha Fala Criança, uma organização que trabalha em prol da defesa das jovens mães, referi que recebeu na sua plataforma de comunicação cerca de 630 mil denúncias de casos relacionados com violência, assédio e abuso sexuais.
O artigo 88 da Constituição da República estabelece que “na República de Moçambique, a educação é direito e dever de cada cidadão. O Estado promove a extensão da educação à formação profissional contínua e igualdade de acesso para todos os cidadãos ao gozo deste”. (Ângela da Fonseca)