Nampula (IKWELI) – Uma menor de 15 anos de idade teve os seus documentos falsificados pelos pais para ser submetida a uma união prematura, no posto administrativo Namitória, no distrito de Angoche, província moçambicana de Nampula.
Segundo apurou o Ikweli, tudo começou quando a menor foi submetida aos ritos de iniciação há dois meses, e a sua família disse que depois que saísse daquele ritual devia se casar, ter lar e reduzir as despesas da família, e se ela resistisse seria expulsa de casa.
E porque a família tinha consciência que a menina era menor, decidiram falsificar a sua documentação para que indicasse que tinha 18 anos de idade. Assim se procedeu e a menina foi lhe arranjado o casamento com um jovem de 28 anos de idade, empregado doméstico que decidiu levar a menina para a cidade de Nampula a fim de viver e consumar o casamento.
Entretanto, depois de uma semana casados, a organização Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (FDC), em Nampula, viria a descobrir que a menina vivia numa união prematura e decidiu intervir, denunciando o caso as autoridades policiais o que culminou com a detenção do suposto marido e o encaminhamento da menor para uma instituição social na cidade de Nampula.
Em entrevista, a menina contou que a família desde vinha lhe obrigando para casar e já tinha rejeitado vários homens que lhe tinham arranjado, mas desta vez não conseguiu negar porque tinha sido ameaçada ser expulsa de casa. “Eles diziam para eu casar e ter meu lar. O homem veio me casar lá em Namitória e me trouxe aqui na cidade, não me maltratava e dizia que eu era mulher dele, mas eu não gostava dele, só que fui obrigada a casar”, referiu a menor.
No entanto, o suposto marido, cuja identidade não podemos revelar, disse que foi enganado pela família da menina ao lhe mostrar uma documentação falsa. “Esta menina foi me arranjada por um amigo na terra, porque eu lhe disse queria casar. Ele disse que havia uma menina disponível para casar e eu viajei para conhecer e casar. Quando cheguei na família dela perguntei a idade e os pais disseram que tinha 18 anos e me mostraram o documento dela que dizia que nasceu em 2002”, disse o jovem, afirmando ter conhecimentos segundo os quais casar com menor é crime e que se soubesse que era criança não casaria com ela.
O Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) diz que, para além de responsabilizar o suposto marido, vai igualmente responsabilizar os pais que não só serão acusados por forçar uma menor para o casamento, como também na falsificação de documentos.
Enina Tsinine, porta-voz do SERNIC em Nampula, disse que “são casos que vêm se registando com frequência na província e no país no geral, em que país quando vêm que a sua situação econômica é baixa para sustentar os filhos preferem obrigar as filhas a casarem e muita das vezes em troca de alguns bens materiais ou enriquecimento por parte da família”.
O que diz a Ophenta?
Moçambique aprovou em 2019 a lei 19/2019, de 22 de Outubro, denominada Lei de Prevenção e Combate às Uniões Prematuras, que prevê aceitação do casamento a partir dos 18 anos de idade, mas ao contrário do que vem na lei vários pais ainda obrigam suas filhas menores a casarem-se.
Segundo a activista e colaboradora da Associação Moçambicana de Mulheres e de Apoio a Rapariga (Ophenta), Denardina Mussa, a situação de uniões prematuros é muito preocupante, porque constitui uma violação dos direitos humanos das raparigas. E para fazer frente ao problema continuam a apostar na sensibilização e divulgação da lei nas comunidades.
Para Denardina, o cumprimento efectivo desta lei será um grande ganho para a sociedade, uma vez que haverá meninas que poderão gozar de seus direitos sem serem obrigadas a casar para resolver problemas financeiros da família.
No entanto, a activista mostrasse satisfeita pelo facto de estarem a haver penalizações para quem casa e/ou obriga uma menor de idade casar. A título de exemplo, segundo ela é de um caso de união prematura registado no distrito de Monapo em Nampula, em que os pais da menor e o homem que havia casado a menor foram responsabilizados pela prática.
Contudo, a activista reconhece que ainda há muito por fazer para eliminar este mal social. “Aos poucos a lei tem sido implementada, mas para muitas famílias é difícil aceitar que a filha que já foi aos ritos de iniciação, e na comunidade é considerada grande, ficar sem casar, sem que os pais não tenham condições”, disse a fonte, afirmando que nesta luta contra às uniões prematuras as normas sociais constituem um dos grandes entraves. “Apesar desses desafios celebramos a existência dessa lei, porque sem ela não teríamos como lutar contra este mal e nós, como Ophenta, constituímos clubes comunitários em três postos administrativos, onde abordamos normas nocivas aos direitos humanos, além disso trabalhamos com matronas que são conselheiras dos ritos de iniciação para melhorarem os conteúdos transmitidos as meninas”.
Importa referir que, até o primeiro semestre deste ano, a província de Nampula resgatou de uniões prematuras cerca de 90 meninas. (Adina Sualehe)