Nampula (IKWELI) – As mulheres produtoras de Castanha de Caju na localidade de Nacavala e no posto administrativo de Nanhupo Rio, nos distritos de Meconta e Mogovolas, na província de Nampula, no norte de Moçambique, dizem que as dificuldades e a falta de oportunidades no acesso a financiamentos agrários colocam em causa o seu empoderamento econômico.
Segundo contam, tudo deve-se, em parte, o facto de nas suas zonas não haver instituições de microcrédito e as instituições bancárias existentes estarem viradas a financiar funcionários públicos em detrimento das mulheres produtoras, alegando que não dispõem de garantias.
Associado a isso, estão os vários requisitos que descrevem como exagerados e que, tal como disseram ao Ikweli, tem sido exigido como garantia para obter financiamento quando dirigem-se para buscar apoio nas instituições bancárias na cidade capital, Nampula.
A província de Nampula está entre as maiores produtoras de castanha de Caju em Moçambique, uma actividade que nos últimos tempos tem vindo a ser liderada por mulheres. A título de exemplo, de acordo com os dados do Governo, na presente campanha agrária 2021/2022, cerca de 2, 675 mulheres tiveram o acesso a mudas de cajueiro e um total de 23,130 tiveram os seus cajueiros tratados para evitar o ataque por pragas e doenças.
Maria Roda, de 49 anos de idade, está na produção de castanha de caju há 22 anos no posto administrativo de Nanhupo rio, no distrito de Mogovolas. Ela considera a produção de castanha de caju uma actividade que gera dinheiro, mas afirma estar a se tornar cada vez mais difícil devido à falta de oportunidades de financiamento, numa altura em que para ter boa castanha e que seja apreciada no mercado se exige muito investimento. “Tenho quatro máquinas de tratamento químico de cajueiros e tenho que comprar gasolina que o litro está 100,00Mt (cem meticais), óleo de mistura que custa 400,00Mt (quatrocentos meticais) a cada litro, para além de peças e reparação”.
Maria acrescenta que tudo isso é por sua conta e requer dinheiro, por isso que um apoio financeiro, através dos projectos do Governo e não só, podia alavancar ainda mais a sua actividade.
Apesar disso, Maria diz que trabalha sem parar para ter sucessos. Daí que ela é, também, provedora e tem alugado a sua máquina a outros produtores o que lhe ajuda a ter uma renda adicional. “Tenho máquinas que estão aí no bairro, junto com o que sai da venda de castanha de caju, consigo entre 70 mil a 100 mil”, explicou, adiantando que para este ano a perspectiva é conseguir até pelo menos 150.000,00Mt (cento e cinquenta mil meticais).
Laura João é outra produtora de castanha de caju, que há mais de 15 anos dedica-se à cultura no posto administrativo de Nacavala. Em entrevista disse que na região há muita produção de castanha de caju, e as mulheres têm vontade de trabalhar, mas não há apoio. “Só agradecemos o facto de que depois da venda da castanha conseguimos um pouco para o sustento”, frisou Laura, afirmando, por outro lado, que há anos em que por falta de dinheiro as mulheres têm dificuldade de regar os cajueiros e pagar pessoas para fazerem a colecta. “Ouvimos que há projetos que ajudam mulheres camponesas, mas aqui não chegam, se essas oportunidades chegassem aqui, acredito que teríamos uma vida melhor”.
A falta de financiamento às mulheres produtoras de castanha de caju foi um assunto, também, abordado pelo presidente da União Provincial de Camponeses de Nampula (UPCN), Costa Estevão, o qual afirmou no terreno ser difícil encontrar alguma mulher que tenha se beneficiado de financiamento direcionada a apoiar mulheres produtoras de castanha de caju. “O que vemos muitas vezes, as mulheres têm feito é a apanha e vendem de qualquer maneira, mas se falarmos de financiamento, aqui na província, ainda não conheço nenhuma comunidade, associação ou mulher que tenha se beneficiado”, disse.
Segundo Costa, como associação de produtores, tem um projecto em carteira virado a apoiar mulheres produtoras de castanha de caju, e que neste momento está numa fase de identificação de parceiros. A ideia do projecto é distribuir mudas de cajueiros às mulheres para que possam produzir ainda mais.
Neste momento, segundo Costa, há um viveiro na localidade de Nacavala e logo que for aprovado pelo parceiro vão avançar.
Hábitos e costumes continuam a limitar as mulheres de alcançarem a independência financeira no meio rural.
Questionamos tanto o Governo, assim como a associação dos camponeses de Nampula, sobre o que faz com que as oportunidades de financiamento não cheguem às mulheres.
O director provincial da Indústria e Comércio de Nampula, Alfredo Nampuio, explicou que na tradição, o homem produz, a mulher colhe e infelizmente ela não tem acesso de levar os produtos ao mercado. Essa tarefa é dada ao homem e isso foi herdando de geração para geração. “No entanto, como Governo e olhando na perspectiva do empoderamento da mulher fomos desenhando programas para contrariar este fenômeno tradicional, que passam por incutir na mulher que ela não só pode cuidar da casa, mas que também pode participar no desenvolvimento através de seus meios de produção ou as rendas resultantes da agricultura”.
Segundo Nampuio, hoje nota-se que o cenário tende a mudar, mas prevalecem as dificuldades de financiamento às mulheres. “As mulheres não têm linhas de financiamento concretas para as iniciativas ligadas à agricultura e principalmente o sector de caju, e se tem, há várias exigências que as mulheres não conseguem corresponder”, disse, apelando que os bancos devem começar a reduzir as exigências para as mulheres terem financiamento.
Por seu lado, o presidente da UPCN, disse que há vezes em que a própria mulher tem se limitado, para isso, Costa deu como exemplo alguns projectos agrários que tem sido desenhado para as mulheres, mas que elas, muitas vezes, se mostram incapazes colocando os homens para dirigir as iniciativas.
No entanto, para colmatar a situação, Costa Estevão disse que a sua organização tem realizado palestras e sensibilização às mulheres de modo que elas possam caminhar em pé de igualdade com os homens e de igual modo enfrentarem as barreiras culturais que limitam o seu empoderamento econômico.
Que mais apoios há?
O delegado do Instituto de Amêndoas de Moçambique na província de Nampula, Júlio Langa, disse ao Ikweli que tem constatado com agrado a participação activa das mulheres no plantio de mudas. E afirmou que “neste momento que estamos no manejo integrado já existem mulheres provedoras que tem seus operadores que são homens que fazem a pulverização da castanha de caju”.
E como Governo, o Delegado explicou que tem apoiado as produtoras de castanha de caju no que concerne a distribuição de mudas, pesticidas e assistência técnica.
Outro apoio, segundo ele, é na componente literacia financeira, para que percebam o que estão a gastar para fazerem cálculos do que vão ganhar. Isso lhes permite planificar os rendimentos que advém da venda da castanha de caju.
Para além disso, Langa disse ainda que têm promovido formações a grupo de mulheres produtoras para a venda conjunta, agregação da castanha e determinação da qualidade para que no final elas possam discutir melhor os preços.
Por outro lado, Elcídio Sueleque, extensionistas no distrito de Mogovolas, disse que ao nível do distrito, há cerca de 5 mil mulheres envolvidas na produção de castanha de caju, destas sete são provedoras que facilitam as outras no tratamento químico dos cajueiros. “Ao nível do distrito de Mogovolas temos duas milhões e quinhentas plantas e as mulheres conseguiram tratar cerca de 15 mil plantas”, frisou Sueleque, o qual adiantou que para este ano, o distrito prevê apanhar e comercializar 17,500 toneladas de castanha de caju.
Preços de venda da castanha não compensam o esforço das mulheres
O Governo Moçambicano aprovou, recentemente, o preço de referência da venda da castanha de caju, fixando-o em 37,00Mt (trinta e sete meticais) a ser praticado na campanha de comercialização deste ano.
Entretanto, as mulheres entrevistadas pelo Ikweli dizem que o valor é bastante baixo, comparando com o esforço que têm feito para produzir uma castanha de qualidade.
Atija Sualehe Parare, de 30 anos de idade, produtora no posto administrativo de Nanhupo Rio, lembrou que no ano passado venderam a 43,00Mt (quarenta e três meticais) e este ano o valor é muito abaixo. “37 meticais não será um valor benéfico para nós, porque houve muitos gastos este ano”.
Atija disse ainda que, por exemplo, este ano gastou mais de dez mil meticais na compra de gasolina e óleo para abastecer a sua máquina incluindo a sua manutenção.
As produtoras consideram que a produção este ano indica que será das melhores com castanhas de qualidade, daí que um preço “justos” para elas seria melhor.
Arminda Saela, outra produtora de Nanhupo rio, disse que um dos maiores constrangimentos na venda da castanha de caju é o facto de mesmo havendo um preço já estabelecido pelo Governo, haver compradores que enganam as produtoras e compram a castanha a preços mais baixos. “Mas para este ano, gostaríamos que o Governo fizesse como no ano antepassado e passado em que nós fizemos a apanha da castanha, ele identificou um patrão e veio comprar”, lembrou Arminda, afirmando que foram bons anos de comercialização da castanha de caju onde chegou a ganhar mais de 50 mil meticais.
Isaura Marcelino, produtora de castanha de caju na localidade de Nacavala, disse que os compradores têm usado manobras para enganar e roubar durante a comercialização. O que muitas vezes acontece, tal como explicou Isaura, os compradores vão directamente ás casas dos produtores muito antes de se anunciar a venda pelo Governo e “nós por fome acabamos por vender a castanha a preços muito baratos”, afirmou, concluindo que os produtores entregam a castanha porque eles dizem que têm o melhor preço a pagar e mais tarde descobre-se que há outro preço acima que o Governo recomendou para vender”.
Direção provincial de indústria e comércio reconhece a necessidade de melhorar o mercado
O director provincial da Indústria e Comércio de Nampula Alfredo Nampuio, falando sobre o acesso a mercado para as mulheres produtoras de castanha de caju, lembrou que a castanha de caju constitui uma cultura de riqueza e uma das que a província mais produz. Olhando para isso, Nampuio disse que é importante agrupar as mulheres e ensiná-las como valorizar o produto.
“Hoje elas produzem, muitas delas processam manualmente, mas vendem nas tigelas o que faz com que o produto seja menos apreciado”, comenta o dirigente.
Entretanto, um dos trabalhos para melhorar o acesso ao mercado, Nampuio disse que o que o Governo está a fazer é garantir a valorização da castanha através da implementação de embalagens, o que vai criar condições de higiene e valorização do produto. E a criação de condições para que haja inspectores nos mercados em que é comercializada a castanha, facto que reconhece acarear muitos custos.
Para ele, as mulheres já têm o instrumento que é a matéria-prima, o seu sector já está a criar facilidades para estás mulheres terem licenças simplificadas. A título de exemplo, tal avançou Nampuio, este ano foram licenciados quatro grupo de mulheres no distrito de Meconta. (Texto Adina Sualehe *Fotos: Hermínio Raja)
*Este artigo foi produzido com apoio da h2n