Nampula (IKWELI) – Ser natural da província de Cabo Delgado não está sendo fácil. Mesmo não vivendo naquele ponto do país e não estando na situação de deslocada, uma aluna que frequenta a 11ª na escola secundária de Anchilo, no distrito de Nampula, está sendo impedida de frequentar aulas da disciplina de geografia.
O professor Ildo António Eduardo impede a jovem Baifa Ali Amade de frequentar as suas aulas, bem como de outras disciplinas, alegando que por ela ser de Cabo Delgado faz-se passar de boa gente quando, na verdade, é uma terrorista.
Segundo apurou o Ikweli em Anchilo, não é somente Baifa que passa por essa violência psicológica e física, há também outros alunos de famílias deslocadas de Cabo Delgado vítimas dos ataques terroristas que enfrentam a mesma dificuldade.
Durante as aulas, o professor Ildo António Eduardo, que é responsável por ensinar os adolescentes e jovens de Anchilo conteúdos da geografia na 10ᵃ e 11ᵃ classe, não cessa em ofender os naturais de Cabo Delgado
A denúncia foi feita ao Ikweli pelos pais e encarregados de educação e os respectivos alunos, para quem o acusado foi antes tomado a atenção pela direcção da escola em alusão, mas mesmo assim nada mudou, uma vez que a raiva do indiciado pelos cidadãos deslocados que frequentam aulas naquela escola ficou patente, até a altura em que as supostas vítimas denunciaram o facto ao nosso jornal.
Baifa Ali Amade, de 17 anos de idade, é aluna da 11ª classe na Escola Secundária de Anchilo. Em entrevista ao Ikweli, conta que foi vítima e a primeira a denunciar os abusos moral e físico, bem como a discriminação à secretaria da instituição. Ademais, a denunciante considera que tem sido alvo de perseguição parte do professor Ildo António Eduardo desde o primeiro trimestre do ano em curso, 2022.
“Recordo-me que no primeiro trimestre quando tínhamos abrigo na tenda, o professor entrou na turma proferindo palavras como: eu odeio muito vocês macondes. Mais logo ele chamou o pedagógico dizendo que não gostava dos macondes e que não queria dar mais aulas. Mas o pedagógico como de sempre, não levou muito a sério, e todos nós que viemos de Cabo Delgado reclamamos porque é que o professor trata assim aos seus alunos, especificamente os de Cabo Delgado”, contou a denunciante, um dos momentos de agressão que passou.
Outro episódio narrado pela menina Baifa Ali Amade é sobre a sua dificuldade de visão, motivo pelo qual tem de estar de óculos para facilitar a vista durante as aulas, quanto tanto em casa, nas suas actividades de rotina. É por este facto que um dia foi obrigado pelo professor a tirar os óculos, alegadamente, porque estava a mentir que tinha problemas de vista e que era deslocada, ao que disse ainda que “se eu fosse director desta escola não permitiria nenhum maconde estudar ou lecionar nesta escola”.
“Andam a mentir dizendo que fugiram de guerra. Você saiu lá em Cabo Delgado a frequentar 7ᵃ classe, mas mal que chegou cá mentiu que estava na 11ᵃ classe”, reformulou a suposta vítima o discurso do acusado professor Ildo António Eduardo, e acrescenta que “em plena aula da disciplina de língua francesa, o professor Ildo entrou na sala e ordenou que eu saísse, afirmando que eu não era ninguém para estudar naquela escola”, acrescentou.
Relatos ouvidos no local indicam que em várias ocasiões o professor chega à escola exalando forte cheiro de bebidas alcoólicas e há momentos em que o professor acusado profere palavras injuriosas aos alunos de Cabo Delgado chamando-os de inúteis e débeis mentais e mais, não permite que estes levantem questões durante as aulas.
“Mesmo não ser no tempo dele de dar aula, ele me tira da sala de aulas, quando tenho dúvida sobre a matéria responde-me com indisposição e má vontade, e outros nomes que tenho até vergonha de dizer. No caso de contribuição para tirar copia as brochuras que servem para testes, por exemplo, o professor recusa receber meu dinheiro, e avisa-me que por isso me vai levar ao tribunal ou então vou chumbar de classe”.
O comportamento agressivo do professor não constitui novidade na classe dos pais e encarregados de educação, tanto é que já denunciaram à direcção da escola. Enquanto isso, o suposto agressor se confortando pelo facto de ser um funcionário público e nos corredores esbraveja afirmando nos seguintes moldes: “eu sou funcionário concursado (aprovado). Não paguei dinheiro para ser professor. Ninguém me tira daqui”.
A mãe da menor Helena Casimiro disse ao Ikweli que depois de tomar conhecimento dos factos arrolados pela filha, denunciou à direcção e o chefe do posto administrativo de Anchilo, tanto que já reportou nas reuniões de pais e encarregados de edução, o que não tem efeitos positivos até o acto chegar à nossa equipa de reportagem.
“Fomos ter com o director e o pedagógico da escola, o director chamou o professor Ildo, mas ele não se fez presente. Na altura, o director alegou que já não tinha o poder de resolver o caso, uma vez que eu havia denunciado ao chefe do posto administrativo”, contou a mãe da aluna Baifa, que disse não ter alternativas de se aliviar do problema, daí que aconselhou a sua filha a ouvir, ver, calar e obedecer as ordens do suposto agressor Ildo António Eduardo.
A parcialidade da direcção da escola
O Ikweli contactou a direcção da escola por várias vezes, mas esta não se pronuncia sobre este acto de violência.
Inicialmente, a nossa equipa de reportagem dirigiu-se aquele estabelecimento de ensino público, mas o respectivo director, Adolfo Raimundo, não quis dar entrevista, alegando que precisava de um documento que solicita-se o seu pronunciamento.
A luz da Lei do Acesso a Informação e o direito à resposta previsto na Lei de Imprensa, o Ikweli endereçou uma carta de pedido de resposta ao dirigente, mas mesmo assim este não respondeu sobre a situação.
Na resposta enviada a nossa redação, sem nexo, Adolfo Raimundo diz que “a escola supracitada, vem por meio desta confirmar a recepção da vossa carta remetida a nossa secretaria no dia 05 de Julho do corrente ano com a N/Ref.008/Ikweli/DE/2022, contudo, está, decidiu indeferir por falta de conhecimento por parte dos nossos superiores hierárquicos”.
Entretanto, Raimundo, também, desejava que o Ikweli não divulgasse a notícia, ao que disse a nossa repórter para que deixasse o assunto de lado, alegando que não seria bom para a sua integridade.
O que entendem os estudiosos?
Para entender o que práticas desta natureza podem significar para a sociedade, o Ikweli entrevistou o sociólogo e docente universitário, Jaibo Mucufo, o qual comenta que “se é uma questão de discriminação, tem dois sentidos, pode ser discriminação que tenha uma dimensão criminal, ou que tenha apenas uma dimensão disciplinar, assim sendo devem denunciar à direção da escola, ou para as entidades de controle de sistema de edução para punir disciplinarmente, mas se esta discriminação tem dimensões ou proporções criminais também procurar as estâncias criminaisʺ.
O sociólogo afirmou que, infelizmente, na nossa sociedade há uma ideia que também é criada por causa dessa visão de tribalismo, em que certos grupos sociais, ou certas tribos tendem a ter dificuldade de se civilizar, ou de se modernizar, por isso acabam-se fazendo essa discriminação, muitas das vezes conflituosa porque a crença da outra não é aceite por uma outra, e tais pessoas acham a outra crença um pouco atrasada em relação a outra, podem ser esses elementos que criam esse tipo de segregação.
“Infelizmente, parece estar a acontecer num espaço escolar e isso é uma coisa que me entristece sendo o exemplo o professor, seria um instrumento social de consolidação, aproximação entre diferentes grupos sociais”, comenta esta nossa fonte. (Atija Chá)