Nampula: Militares acusados de violentarem operadores de táxi de mota e obrigarem-nos a manter relações sexuais entre homens

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Nampula (IKWELI) – Os operadores de táxi moto, que exercem as suas actividades na cidade de Nampula, denunciam maus-tratos protagonizados pelos agentes das Forças de Defesa e Segurança (F.D.S) moçambicanas, na zona militar, servidão da Academia Militar “Marechal Samora Machel”, situada no maior centro urbano da região norte do país.

De acordo com os denunciantes que circulam na rota escola da ADEMO/escola secundária de Maparra e vice-versa, passando pelo 3º acampamento dos militares, os maus-tratos são caracterizados por espancamentos e obrigatoriedade de trabalho forçado, actos protagonizados pelos agentes das F.D.S, afectos e residentes na Academia Militar em Nampula.

Ao Ikweli, os taxistas narram histórias em que são forçados pelos militares a manter relação sexual anal e a beijarem-se entre homens, enquanto os protagonistas da acção assistem aos risos e aplausos. Há casos em que no lugar de serem espancados ou punidos para varrer o pátio, são exigidos dinheiro em troca de liberdade.

Para além das agressões, os denunciantes deram a conhecer que foram comunicados a abandonar as praças que ficam no raio militar, segundo entendem, sem esclarecimentos, daí a indignação no seio dos operadores que exercem as suas actividades naquela área.

“Nós estamos nesta praça como o nosso local de trabalho. Cada um de nós que está aqui põe os seus filhos a estudar, mas os militares estão a dizer que esta é a sua área e nós temos de abandonar. O certo é que nunca criamos confusão, só os militares é que criam confusão para connosco”, afirma um dos nossos entrevistados, prosseguindo que “na zona do 3º acampamento, por exemplo, quando nós passamos e por questões mecânicas a motorizada parar, somos pegues, levamos chambocos, nos mandam capinar e até beijar com o seu amigo, obrigatoriamente. Nós estamos a passar mal com os militares”.

A fonte disse ter testemunhado uma agressão por militares em Abril passado, onde um dos seus colegas foi espancado com recurso a pau até contrair ferimentos nas nádegas. Consumada a acção, segundo o entrevistado, a vítima devia fazer limpeza para recuperar o bem que lhe foi tirado, e inconformados pela atitude dos militares, os taxistas dizem estar desnorteados sobre a quem recorrer para aliviar o sofrimento que lhes é submetido por aqueles que deviam os defender.

“Há bem pouco tempo veio um colega nosso a se queixar da acção dos militares, lá no 3º acampamento, só porque parou para comprar água, foi arrancado a sua mota e recuperou depois de capinar. Outro levou chambocos até a nádega inflamar, e não lhe foi entregue a mota”, conta um outro operador de táxi de mota.

Na praça próximo a Academia Militar, encontramos o chefe dos taxistas de moto que disse ser frequente agressão por oficiais. Com este cidadão tomamos conhecimento de que uma das alegações do comando da academia é de garantir a segurança. Contudo, a justificação “não passa de um caminho de escravizar os civis., na medida em que agem como se de colonizadores tratassem e as vítimas fossem escravos”.

“Eles não nos aconselham bem. Estão a agir como se fosse no tempo de colono. Aqui nós estamos a ser colonizados. Essas agressões acontecem a qualquer período, mas piora ainda se for de noite”, lamentou outro taxista que disse ter sido vítima dos agentes das F.D.S e pede a quem de direito no sentido de solucionar-se o problema.

A posição da Academia Militar

Sobre as acusações, contactamos na manhã da última sexta-feira (06), o Comando da Academia Militar “Marechal Samora Machel”, que na voz dos coronéis Augusto Mairosse e Bernardino Campira, e oficial Herculano Feijão, afectos ao Gabinete Jurídico, Departamento de Educação Cívico-Patriótica e o oficial operativo do Destacamento de Apoio e Serviços, respectivamente, recusam a acção de violação de direitos dos taxistas protagonizada supostamente por militares daquela instituição pública.

Segundo as suas palavras, há muito que se procura formas de afastar os civis da área militar, de modo a protegê-los de eventuais acontecimentos que perigam a integridade do cidadão, dado que junto do Conselho Autárquico de Nampula e a Associação dos Moto Taxistas de Nampula (AVOTANA), foram realizadas actividades de sensibilização, porém, nada foi feito até o surgimento das acusações.

Um documento na posse do Ikweli indica que no dia 27 de Abril último, o Comando da Academia Militar, através do Destacamento de Apoio e Serviços (DAS) solicitou a AVOTANA, na pessoa do vice-presidente e o presidente do conselho fiscal, a fim de coordenar as estratégias de eliminação definitiva de locais usados como praças de mototaxistas em volta do quartel. Na altura foi apresentada a proposta de novos locais pouco distantes da área militar.

O oficial Feijão afirma que a retirada dos operadores de táxi de mota da região “é um processo que vem sendo levado a cabo há muito tempo, mas que não há entendimento entre nós (militares) e os taxistas. Chegado a este momento, único meio que achamos viável de fazer corte a essa actividade é todas praças próximas aos portões ou quarteis devem ser retiradas e, em coordenação com a associação que lida com os taxistas, já estão propostos pontos para eles emigrarem”.

Esta fonte prossegue ainda que “a praça do contentor, na zona do Paiol, passa para o mercadinho que dista a 1000 metros do antigo local, as praças dos eucaliptos, vulgo Curva da Paz, porta das armas do Hospital Militar de Nampula e ADEMO, passam a se localizar na entrada da Casa Provincial da Cultura de Nampula, cruzamento da casa Madalena Maluca e a zona da paróquia São José, respectivamente. Enquanto isso, a praça que fica próximo ao anfiteatro da Academia Militar será dividida em dois grupos, sendo o primeiro para o supermercado Shoprite e o segundo, no Recheio”.

Quando questionado sobre as alegadas agressões que violam os direitos do cidadão, o oficial Herculano Feijão, respondeu claramente que “ainda não chegamos a ponto de haver violência, porque parte-se do princípio de que eles são civis e nós somos militares, tanto quanto que não temos instrumentos legais que nos possam colocar no direito de violar os taxistas. É por esta razão que lidamos com a associação para juntos encontrarmos uma solução para retirá-los nas proximidades dos quartéis. Agora, em casos de renitência, a associação dos taxistas prometeu usar a Polícia da República para rebelar os taxistas nesses locais proibidos”.

Já coronel Augusto Mairosse, do Gabinete Jurídico da Academia Militar, recorre ao decreto 79/2009, que aprova o regulamento da Servidão Militar, ou seja, áreas confinantes com espaços jurisdicionais de organizações e instituições militares e aquelas que não sendo de jurisdição de organizações e instituições militares são de interesse de defesa nacional, para defender a proposta de eliminação definitiva dos locais usados como praças dos moto taxistas em volta do quartel.

Nesta vertente, o coronel esclarece que na área militar não é admissível a permanência e/ou aproximação de civis a uma distância de pelo menos 100 metros a cinco quilómetros, tendo em conta que no exercício das suas actividades os militares são portadores de armas de fogo. Ademais, a conjuntura actual revela uma certa perigosidade da prática de actividade comercial numa zona militar.

“Nós podemos até pensar que é um faminto, uma pessoa que está a fazer um negócio para sustentar a sua família, enquanto é um reconhecedor que vem reconhecer a unidade militar. Por isso aconselhamos, por vias pacíficas, que essas áreas do domínio exclusivamente do Ministério da Defesa nacional e, para o exercício da actividade comercial quem autoriza é o Ministro da Defesa Nacional”, disse Mairosse, o qual duvida das intenções dos civis que circulam nos arredores da área militar, numa altura em que Cabo Delgado e Niassa vivem o terrorismo, e a distância que separa as duas províncias com a de Nampula não é longa, daí “o inimigo não tem cor, pode ser nosso primo ou tio, até vir fazer uma actividade no quartel. Então para evitar isso estamos a fazer esses trabalhos”.

Quem na ocasião, também, concedeu entrevista ao Ikweli foi o coronel Bernardino Campira, do Departamento de Educação Cívico Patriótica, para garantir a boa relação que a Academia Militar e a população ostentam, sobretudo, os civis que exercem as suas actividades ou vivem nas proximidades do raio militar. A assessoria de não-violência aos civis estende-se, igualmente, de acordo com Campira, aos oficiais operativos do DAS.

“As forças armadas têm tido historicamente boas relações com a população, porque estamos cientes de que todo o trabalho desenvolvido ao longo do tempo precisa de colaboração da população, o que não é excepção aqui na Academia Militar, razão pela qual temos tido encontros com os líderes comunitários”, acalmou Bernardino Campira, ao que “para o caso específico dos taxistas, estamos a ter vários encontros para explicar que esta é uma área de servidão militar e que há regras. Sabemos que a preocupação deles é o combate à pobreza e nós militares temos estado a ler o PQG e o PES e sabemos que um dos objectivos é combater a pobreza, nós estamos alinhados nessa”. Contudo, “esse combate a pobreza tem de ser feito com regras, o nosso trabalho não deve ser colocado em causa com a presença dos moto taxistas e queremos que desenvolvam essa actividade com segurança, porém, estando próximo ao quartel colocam-se em perigo. Hoje eles podem não compreender, mas o dia em que ocorrer uma situação que coloca em causa a segurança deles, perceberão que o que estamos a dizer tem lógica”.

O que diz a AVOTANA?

Contactado o presidente da Associação dos Moto Taxistas de Nampula, Albertino José, este confirmou ao Ikweli ter conhecimento do ofício do Comando da Academia Militar com teor de abandono definitivo das praças, não reconhecendo até ao momento, as agressões supostamente perpectradas pelos militares. Para já, vai sensibilizar e mobilizar os seus associados a deixarem as praças localizadas no raio militar como forma de garantir a segurança destes.

“Nós entendemos que ao mostrarmos renitência serão tomadas medidas coercivas, até porque já fomos informados, por isso daremos aval rumo ao cumprimento da comunicação do Comando para eliminar as praças a partir da escola da ADEMO, hospital e anfiteatro militar e no Paiol”, referiu Albertino José, presidente da AVOTANA ao garantir que o arranque das actividades de sensibilização e mobilização para o abandono da zona de Servidão Militar, na cidade de Nampula está para breve. (Esmeraldo Boquisse)

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