Nampula (IKWELI) – A venda e consumo de drogas na cidade de Nampula está a ganhar contornos alarmantes, e os principais protagonistas são adolescentes e jovens, na faixa etária dos 16 aos 35 anos de idade.
Oficialmente não há estatísticas que ilustrem a situação real, mas tem sido recorrente a detenção de consumidores e vendedores no maior centro urbano do norte de Moçambique.
A nossa equipa de reportagem investigou vários pontos de venda e consumo de drogas, as conhecidas “bocas de fumo”, nos bairros de Namutequeliua, Muhala, Muahivire e Namicopo. Conversamos com consumidores e vendedores.
Dos actores não é fácil extrair qualquer informação, porque o silêncio foi estabelecido como um pacto de sucesso na actividade.
Ainda assim, durante os meses que fomos seguindo e fazendo amizades nestes locais, fomos, aos poucos, conseguindo tirar alguma informação. O negócio envolve a muitos, mas os principais patrões são cidadãos de nacionalidade estrangeira, destacadamente tanzanianos e nigerianos.
Não há o mínimo de higiene e segurança nestes locais. Os consumidores partilham instrumentos cortantes, incluindo seringas. Este material é caro, segundo fazem perceber os vendedores aos consumidores, mas também, os consumidores não se predispõem em adquirir isso, apenas necessitam de ingerir as drogas.
A preferência tem sido as mais pesadas, mas quanto mais pesada for maior é o valor a despender, e porque muitos destes adolescentes e jovens não dispõem de condições para o efeito acabam recorrendo a soruma e a heroína.
Nas “bocas de fumo” não há medida certa para a justeza do negócio. O consumidor recebe pelo que consegue pagar, tanto que nalguns casos é usada a unha como elemento de medição do produto.
No centro do bairro de Namutequeliua, ligando a conhecida zona do Gato Preto e a Feira Popular, do lado da avenida Eduardo Mondlane, há várias “bocas de fumo”, e numa delas o Ikweli conversou com Matilde Bruce, jovem de 19 anos de idade e que consome drogas desde os 16 anos.
“Comecei a fumar com o meu namorado”, conta a jovem, prosseguindo que “comecei a fumar quando estudava na escola islâmica e o meu namorado Betinho na escola secundária de Nampula. Ele brincava com um senhor tanzaniano que vivia ali nos Belenenses. Então sempre que ele recebia heroína nos chamava para provarmos juntos”.
E durante este período, o vício vincou na rapariga que agora é uma jovem, e conta que “não consigo viver sem me injectar. Quando não consumo passo muito mal”.
Ainda em Namutequeliua, nas margens do rio Muhala conhecemos o Pedro. Pouco conversador, mas um exímio vendedor e consumidor de várias drogas, incluindo a cocaína. “Temos bons chefes, e nunca te deixam na mão. Sempre que te apanham com a polícia eles tratam de te tirar de lá”, refere esta nossa fonte.
Por outro lado, Pedro explica que “muitas vezes precisamos ter os nossos agentes para nos protegerem”. É no meio dessa conversa que o nosso interlocutor recebi uma chamada da aproximação de um ride policial, ao que tivemos de abandonar o local.
De difícil penetração, o bairro de Namicopo, também, tem sido preferencial na venda e consumo de drogas. O certo é que para ter aceitação no mais populoso bairro do país é indispensável ser recomendado por alguém da circunscrição.
Em Outubro de 2021 quando fizemos a primeira tentativa de contacto com as “bocas de fumo”, simplesmente, fomos ignorados. Mas, mesmo assim, não desistimos. Somente em Fevereiro deste ano, 2022, tivemos os primeiros melhores contactos, mas com muito risco. A nossa entrada para cada conversa eramos revistados a pente fino.
Em Namicopo as coisas são bens mais organizadas, e muitas vezes funcionam como pontos de fornecimentos para as outras “bocas de fumo” de Muahivire e Muatala.
Gravar as conversas não foi uma tarefa fácil, tanto que tivemos de recorrer a equipamentos sofisticados. Captação de imagem tornou-se impossível.
Próximo a zona do Sousa conseguimos a nossa primeira grande entrevista. O vendedor, que diz não consumir drogas, disse que “eu sei que vocês são jornalistas, mas protejam a minha identidade. Se o que querem são as nossas histórias vou contar”.
Aparentemente com mais de 35 anos de idade, esta fonte conta que “comecei a vender drogas aos 18 anos. Aprendi isso com o meu falecido tio que me tirou de Nacala para aqui”.
Perguntamos quem era o principal fornecedor dele, ao que respondeu: “não conheço. É uma rede, e as pessoas mudam daqui para aqui”, por isso “vai ser difícil eu falar que quem me vende a droga é o fulano X ou Y, mas o que te posso garantir é que todos são estrangeiros”.
Igualmente, esta nossa fonte explica que a sua apetência pela venda de um produto ilícito é movida pela vontade de “ganhar fácil a vida, mas também reconheço que é ilegal”. Durante este período, segundo conta “consegui fazer muitas coisas. Comprei casas e viaturas, mas continuo aqui porque os rendimentos são rápidos e fáceis”.
As ligações com outros crimes
“Uma vez no mundo das drogas, para sempre no mundo das drogas”, este é o principal lema dos envolvidos. O que está garantido é que ninguém entrega ninguém.
Para satisfazer o vício pela droga há quem, antes, precisa praticar outros crimes, sobretudo o roubo e o furto, para ter condições financeiras de adquirir os estupefacientes.
A prática não é nova, e muitos dos consumidores, na periferia económica e financeira, com idade compreendida entre os 16 e 25 anos, vêm-se obrigados a roubar para conseguirem comprar as drogas.
Num passado recente, o departamento de Relações Públicas no comando provincial da Polícia da República de Moçambique (PRM), em Nampula, convidou ao meio dia de uma quarta-feira, a imprensa para apresentar vendedores e consumidores de drogas.
Todos são oriundos das zonas referidas neste artigo, como pontos principais de “bocas de fumo”, destacadamente Namicopo.
No grupo, estava um casal, mas em celas separadas. A mulher contorcia pela abstenção de consumo em uma cela, e do outro lado, o marido, num a vontade e locomovendo-se com a ajuda de muletas garantia que a sua esposa não é consumidora, mas que ele vende droga.
O jovem conta que começou a vender porque não sabia em quê investir com dinheiro recebido da herança do seu pai, pois entre irmãos venderam uma das propriedades do pai e dividiram-se a receita.
Fofito, como é conhecido nas hostes policiais, assume-se vendedor e toxicodependente. “Eu estou a vender a um mês”, Fofito forja a sua cronologia na venda de drogas, e prossegue que “quando se vendeu a casa do meu pai e separou-se o valor, eu como sou viciado não vi outro feito, comprei aquela droga e comecei a vender”.
“Eu vendo heroína, que compro aqui mesmo na cidade com tanzanianos”, os quais “tem intermediários. Eu não conheço o patronato deles”, elabora Fofito, que diz que não tem ideia de quantos clientes atende por dia, mas garante que sempre são novos consumidores.
Fofito não estima os ganhos com a droga que vende, pois “eu consumo ali mesmo e vendo ali mesmo. Já não consigo estimar o que ganho”.
Acompanhando Fofito, estão os seus clientes. Jovens na flor da idade, os quais assumem-se consumidores e toxicodependentes, por isso não conseguem dissociar-se da droga.
Histórias como essas são recorrentes no maior centro urbano do norte de Moçambique, e os principais actores são adolescentes e jovens, na sua maioria frequentando o ensino secundário, o que se consubstancia na destruição de sonhos de centenas de famílias. (Aunício da Silva)