- “Precisamos desses carregamentos para ter comida em casa” – Jaime Ibraimo, pescador que se dedica ao transporte de drogas do mar para o continente.
Angoche (IKWELI) – No lugar de se fazerem ao mar para a busca de pescado, um número não quantificado de pescadores nativos do distrito costeiro de Angoche, tem feito uso das suas embarcações para o transporte de Haxixe, um derivado químico de cannabis sativa. O distrito de Angoche, localizado a sul da província de Nampula, continua sendo um dos principais entrepostos de entrada de drogas, destacadamente o haxixe, a partir do mar para o continente, que a posterior é expedida para a capital do pais, Maputo e, daqui para a vizinha África do Sul. Segundo apuramos numa investigação aturada, a actividade narcótica que está a fazer prosperar a muitos, a olhos vistos, só é possível com o beneplácito de sectores corruptos infestados nas fileiras da Policia da Republica de Moçambique (PRM).
Durante semanas, o Ikweli seguiu as operações de busca, entrega e transporte terrestre. Essas actividades são sensíveis, ainda que feitas com alguma naturalidade, há todo o sigilo para que quem não esteja imiscuído na rede, se aperceba.
Para além do antigo porto de Pescas, que fica próximo a um pavilhão desportivo, há uma preferência pela localidade de Aube para o escoamento dos produtos.
O Ikweli escalou o distrito de Angoche numa quarta-feira, 10 de Novembro. Por volta das 16 horas a nossa equipa de reportagem chegou ao mercado do Metal Box com a ideia de procurar um pescador que nos pudesse fornecer, pelo menos, 100 quilogramas de peixe do tipo tainha. No local, os revendedores, disseram-nos que a hora não era apropriada porque estava toda a gente a se preparar para ir ao alto mar, mas o regresso só aconteceria no dia seguinte.
Com essa informação decidimos que pretendíamos, também, pegar uma embarcação para umas da Ilhas de Angoche, a fim de passar lá a noite, mas foi nos desaconselhado.
Nossos contactos recomendaram que voltássemos no dia seguinte, 11 de Novembro, pelas 6 horas da manhã. Com esta sugestão, a nossa equipa abandonou o local, e fomos nos instalar em uma barraca de venda de comida e bebidas alcoólicas bem próximo ao porto de Angoche.
Neste local onde permanecemos até as 23 horas, tínhamos uma vista privilegiada. Foi dai que observamos um pouco de tudo. O movimento de pequenas embarcações a motor e canoas trazendo mercadorias de forma natural e que era esperada por jovens locais para o transporte.
Perguntamos a proprietária da barraca, que produto estava sendo pescado, ao que nos respondeu que “aqui vivemos assim mesmo. Estamos habituados”, por isso “não se admirem tanto. É só ver e calar, depois cada um recebe a sua parte”.

Lopes José é um jovem de 19 anos de idade, e reside no famoso bairro de Ínguri. Depois da sua jornada, juntou-se ao pessoal que estava na barraca em referência. De imediato reconheceu-nos e avançou até nós, perguntando com espanto “meus amigos, estão aqui também?”, para depois prosseguir “viram porquê não queríamos vos levar para Ilha, nem? Íamos perder essas boladas”.
José aceitou a nossa amizade e prometeu no dia seguinte falarmos daquelas operações.
“Ele é membro da rede”
No local onde nos encontrávamos, estava um agente da Polícia da República de Moçambique (PRM), vestido a civil, controlando os movimentos e garantindo que nada fosse interceptado, e ao que apurámos “ele é membro da rede”.
Já na manha do dia seguinte, fomos tomar o café da manha na casa do jovem Lopes José, em Ínguri. Uma casa linda, recentemente construída, com o seu interior altamente equipado com televisão de última geração, uma cozinha americana e lindo mobiliário da sala.
“Estão a ver? Esta minha casa construi com essas boladas e fiz em um ano”, conta-nos esta fonte a qual conquistamos a sua confiança com muito esforço.
Perguntamos ao José o que na verdade transportava na sua embarcação para ganhar muito dinheiro, ao que nos respondeu que “são coisas pesadas e muita gente, aqui em Angoche, vive disso. Eu comecei a transportar com o falecido meu pai. Assim que ele morreu eu fiquei com o negócio. Eu faço isso com meus primos e amigos, e alguns velhos é que nos controlam. Eles é que nos dizem quem vai receber. Apenas sabemos até aí”.
Segundo contou-nos “depois que a mercadoria (haxixe) chega no continente é entregue aos transportadores de carga e de pessoas que partem de madrugada de Angoche para a cidade de Nampula”.
“Normalmente, eles arrumam em baixo essa mercadoria, e depois colocam peixe e pessoas por cima, para que ninguém desconfie”, explica esta nossa fonte.
Depois do café da manha nos despedimos, e seguimos com destino a Aube. Nesta localidade as operações são bem mais sigilosas. Não aceitam visitas de estranhos e nem a sua entrada nos principais pontos de desembarque.
No dia em que chegamos, perto das 12 horas, fomos manifestar a ideia de encontrar um pescador que nos levasse para as ilhas, ao que nos foi desaconselhado, alegadamente porque se estava em um período de fluxo de grandes embarcações que “trazem mercadoria sensível e prioritária”.
Ficamos mais 48h em Aube, e fomos granjeando simpatias, tanto que durante uma cavaqueira em uma barraca de venda de bebida tradicional fomos conhecendo o cerne das operações.

“O meu trabalho aqui é ir buscar o que vem do barco e entregar uma senhora que chega aqui com uma camioneta da marca Canter as 2 horas da madrugada”, contou-nos o pescador Jaime Ibraimo, afirmando que “precisamos desses carregamentos para ter comida em casa”.
O senhor Jaime diz que tem os filhos a estudarem nas universidades na cidade de Nampula com despesas pagas por aquele negócio. “Eu estou nesse negócio há mais de 20 anos. Durante esse tempo contrui duas casas em Nampula e tenho quatro casas aqui em Angoche. Formei o meu filho mais velho no Maputo e os outros estão a se formar na cidade de Nampula”.
Também, em Aube, há um agente da PRM que ajuda com a segurança. Ele garante que nenhum seu colega vá aquele perímetro, e “sempre que temos essas operações aquele chefe está aqui para não nos apanharem”.
Os proprietários das mercadorias (haxixe) ninguém os conhece, mas acredita-se que sejam cidadãos nigerianos baseados em Nampula e Maputo, e alguns paquistaneses.
Questionamos a estes nossos interlocutores sobre quem os entrega as encomendas lá no alto mar, ao que responderam que “os barcos são tripulados por uns senhores brancos, e acredito que sejam indianos ou paquistaneses”.
“Eles não falam português. Um jovem daqui de Angoche entra lá nos barcos e fala uma língua (acredita-se que seja hindu) estranha com eles, e depois começam a colocar o produto nas nossas embarcações”.
A versão da PRM…
A Polícia da República de Moçambique (PRM), através do seu porta-voz no comando provincial de Nampula, Zacarias Nacute, afirma que há um trabalho para acabar com o fenómeno das drogas naquele ponto do país.
“Nós já falamos bastante sobre esse assunto. Os resultados que a polícia tem obtido nos últimos dias são prova clara de que um trabalho está a ser feito em prol do combate ao tráfico de droga. E como resultados já apresentamos aos órgãos de comunicação social diversas apreensões, não só ao nível da P.R.M, mas também ao nível do SERNIC onde foram apresentadas várias apreensões de droga e o trabalho irá continuar até que os indivíduos que usam a província de Nampula como um corredor para a comercialização de drogas sintam-se desencorajados de continuar com esta acção”, disse Zacarias Nacute.
Enquanto isso, “todas as nossas forças encontram-se activas nos principais pontos de entrada da província para evitar que situações do género voltem a ocorrer no nosso território”.
Em relação aos actores envolvidos nesses tráficos, Nacute é cauteloso e elabora pouco em torno, afirmando que “infelizmente nesse tipo de crime os proprietários nunca se encontram no manuseamento do material. Já foram detidas algumas pessoas envolvidas no tráfico de drogas, no entanto, são pessoas mandadas por alguém e instruídas a transportar o material e os proprietários continuam ainda incógnita”.
Ademais, “o trabalho de investigação, juntamente com as pessoas que já foram neutralizadas cedo ou tarde irá nos fazer chegar até aos proprietários desses materiais”.
Em relação a quantidades já apreendidas pela corporação, Nacute diz que “são quantidades bastante avultadas. Mas foram informações que nós já apresentamos aos órgãos de comunicação social desde o ano passado, quando se fez a primeira grande apreensão de pouco mais de 400 quilogramas de drogas pesadas. Seguidamente tivemos mais 300, tivemos mais de 100 quilogramas, então são informações que já disponibilizamos aos órgãos de comunicação social e que é difícil trazer os detalhes agora porque são informações que já se encontram arquivadas”. (IKWELI)