Nampula (IKWELI) – Os conflitos de terra na cidade de Nampula, maior autarquia do norte de Moçambique, estão cada vez mais evidentes, estando a criar consequências desastrosas, e na semana passada mais de 100 casas de construção precária foram queimadas na zona de Maruma, no bairro de Namutequeliua.
As vítimas ocupam os espaços há mais de 4 anos, mas o Estabelecimento Penitenciário Feminino de Nampula, reivindica a titularidade do Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT), por isso a direcção ordenou que as casas fossem queimadas.
Os moradores exigem o ressarcimento pelos danos causados, e exigem intervenção de quem de direito, porque contam que quando chegaram ao local era apenas uma mata subaproveitada.
Por outro lado, os lesados lamentam a forma como a instituição agiu sem, no mínimo, dar um pré-aviso e tempo para que as famílias abandonassem o local.
A senhora Anifa Formiga é uma mãe que ocupa um dos espaços em litígio há 4 anos, e com a queima da sua casa o desespero tomou conta dela.
“Nós começamos a viver aqui em 2016. Agora nesse 2021 estamos a ver alguns objectos, como demarcação destes espaços e construção de quintais. Agora a partir de Sexta-feira estamos a ver pessoal da polícia a vir aqui e a mandar demolir nossas casas sem sequer avisar-nos”, conta esta entrevistada, que prossegue que “nós pedimos a eles o favor de retirarmos os nossos bens, mas eles não nos deram ouvido, única resposta que saiu da boca deles foi: “calem vossas bocas”, e eles começaram a demolir essas nossas casas junto com os nossos pertences lá dentro”.
“Estamos preocupados e a chorar por causa disso”, disse a mesma fonte, que esclarece que “estamos há 4 dias que não apanhamos sono tranquilamente, e não nos alimentamos como deve ser, porque não estamos a ver onde cozinhar para comer e nem dormir, porque onde nós cozinhávamos e dormíamos é aí onde já está destruída”.
Uma das vítimas está ciente que ocupavam ilegalmente os espaços, mas não esperava tamanha actuação desumana por parte do Estabelecimento Penitenciário Feminino de Nampula, sobretudo porque não os avisaram com antecedência para que pudessem proteger os seus bens.
“Esse espaço nós invadimos em 2016 e construímos essas nossas casas, e vivemos até a última sexta-feira do corrente mês de Novembro 2021, antes dos agentes virem e demolir as mesmas”, disse esta fonte que não quis revelar o seu nome, a qual reconhece que “nós invadimos porque não tínhamos dinheiro e nem espaço para construir as nossas casas, esse espaço era de um português de nome Baptista, que vivia aqui com os seus animais, e quando ele perdeu a vida este terreno ficou a responsabilidade da população e as mesmas faziam aqui as suas machambas”, por isso “como nós vimos que isso é só mato preferimos vir construir nossas casas. Eu vivia aqui com minha família, minha mulher, meu irmão, a esposa do meu irmão e nossos filhos, assim não sei onde vamos viver, estamos aqui no sol desde o dia que vieram destruir essas casas, eu só peço que o governo arranje um lugar para nós vivermos”.
Nem todos os moradores que viram suas casas irem abaixo vivem de graça nos mesmo espaço, tal como uma fonte que garantiu ter comprado o terreno onde estava a viver. “Aconteceu de repente”, refere esta fonte, apontando que “no momento em que não estávamos preparados psicologicamente, e nem sequer financeiramente, que haveria de acontecer uma tragédia do tipo. Consegui o espaço aqui porque estava a viver em casa de um amigo e o mesmo disse minha mãe tem um espaço que está a vender, eu cheguei nesse local e vi o espaço, gostei, procurei algum valor e comprei o espaço”.
Por outro lado, este entrevistado conta que depois de adquirir o espaço começou a erguer a sua casa, mas “os homens da cadeia feminina chegaram e nos chamaram atenção, dizendo que não era para construir neste espaço. Isso entre 2017 e 2018, depois do aviso eles foram e voltaram num outro dia, com uma outra ideia dizendo que a partir deste riacho, que era o limite que os mesmo puseram, nós não deveríamos mexer, mas esse ano 2021, estamos a ver eles a virem com uma outra ideia que nos surpreendeu”.
Por fim, o nosso interlocutor contou que “de repente, começamos a ver chuva de tiros de um lado para outro, e os reclusos deles não nos davam tempo nem se quer de tirarmos nossos pertences de dentro, e estragaram vários bens das pessoas, e assim não sabemos onde vamos terminar, não tenho uma outra casa e aqui eu vivia com cerca de 4 pessoas que é a minha família”. (Hermínio Raja)