“Não basta a vocação para se ser bom jornalista, é preciso técnica e ciência” – afirma Rosa Ínguane, decana do jornalismo moçambicano.

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Nampula (IKWELI) – A jornalista Rosa José Ínguane defende o aperfeiçoamento de técnica e ciência como elementos que acompanham um profissional de comunicação social no exercício do jornalismo no mundo e em Moçambique, em particular.

O Ikweli entrevistou a decana, para dela colher a sua experiência, visão e os seus anseios para o futuro, e no seu entender, “não basta a vocação para se ser um bom jornalista, é preciso ainda aprender-se a técnica e a ciência”.

“Quer ser jornalista porque tem vocação, tem talento, muito bem. Agora vai à uma escola para aprender a técnica e a ciência. Quer ser cozinheiro sim senhor. Você não acorda enquanto sabe as receitas lá em casa, se matrícula numa escola para aprender…, para dizer que quando temos talento temos, também, formas de como melhorar esse talento. Estudando e aprendendo é a minha receita para o sucesso”, começou por dizer a nossa entrevistada.

Rosa Ínguane entende ainda que o retrocesso e a angústia são as consequências que derivam do não aperfeiçoamento dos elementos técnicos no jornalismo, porque para além de um sonho, a pessoa vai apenas passando o tempo, ou seja, um “inglês ver” como jornalista. Contudo, “um jornalista completo deve ter talento e ir aprender, ler, viajar, estudar e pensar. Quer dizer, informar-se o máximo possível porque isso ajuda a pessoa a conhecer o mundo, a sua profissão, onde falha e o que se pode melhorar”.

Ínguane não esconde o seu desagrado quanto ao surgimento de novos órgãos de informação, bem como novos jornalistas, pelo facto de se constatar, segundo ela, a falta de conhecimento que deriva da falta de leitura. Porém, exorta aos profissionais de comunicação, em geral, a apostarem na leitura de maneiras que possam passar um produto sério, de qualidade e de interesse público, uma vez que é para isso que serve a informação.

Lei de Comunicação Social

Rosa Ínguane, também, elaborou, quando questionada, sobre o contexto jurídico-legal do exercício do jornalismo em Moçambique, e afirma que “eu acho que é muito importante que haja uma entidade capaz de colocar ordem na nossa profissão. Há sítios que quando a pessoa chega e não se sabe da sua profissão outras pessoas dizem que deve ser um jornalista, são todos vagabundos. Não, isso deve acabar! O jornalismo é uma profissão digna que merece ser bem exercida e respeitada”, tanto que “todos os mecanismos actuais e futuros que possam regular a actividade são bem-vindos. E no caso da lei de comunicação social e radiodifusão, espero que continue a ser socializada e discutida por aqueles que são interessados para que o produto final seja justo, do agrado de todos e que ajude a colocar cada entidade e profissional no sítio certo. Creio que tudo isso vai ficar estruturado e esclarecido, daí teremos uma classe forte e séria”.

Como é carinhosamente trata, a Tia Rosa, também, falou das organizações de mídia existentes no país, como é o caso do Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ) e o Instituto de Comunicação Social para África Austral (MISA), capítulo de Moçambique.

“O que eu sinto é que quando saímos do meio urbano, talvez aí as coisas se compliquem mais. Muitas fontes, públicas, por exemplo, desconhecem que devem prestar informações quando lhes é pedido, principalmente as instituições públicas. Mas, também, há instituições privadas que se recusam a dar informação. Isso tudo será regulado pela lei. Quando o jornalista se vê impedido de fazer o seu trabalho de forma correcta vai ter recurso à lei, a informação que precisa essa instituição será obrigada a fornecê-la salvaguardando claro, os casos de segurança do Estado e segredo de justiça, mas isso tudo deve ser analisado caso a caso”, anotou Rosa Ínguane.

Rosa e as experiências na diáspora

 Rosa Ínguane faz parte de um grupo de jornalistas que se destacou na cobertura da guerra civil de Angola, opondo o governo do MPLA (Movimento Popular para a Libertação de Angola) e a UNITA (Unidade Nacional para a Independência Total de Angola). Através da sua voz, os relatos da guerra eram possíveis de ser acompanhados em Moçambique.

Rosa Inguane

Nascida na cidade de Maputo em 1962 e de pais do distrito de Morrumbene, em Inhambane, Rosa começou a exercer o jornalismo de forma consistente no ano de 1981, mas antes deu os primeiros passos no Diário de Moçambique, o então Notícias da Beira. Depois viaja para a cidade de Maputo, onde colaborou para o jornal Sociedade do Notícias e no semanário Desafio, dedicando-se a produção de reportagens e notícias desportivas.

“A minha única profissão é ser jornalista. Acabei a escola secundária, mas antes disso comecei a trabalhar numa redacção na cidade da Beira. Depois tive a sorte de ganhar uma bolsa e estudar jornalismo. Não tenho outra profissão, não estudei outras coisas, eu fiz apenas jornalismo”, conta ao Ikweli, acrescentando que “comecei a fazer jornalismo quando frequentava a escola, fazíamos jornal de parede nas turmas porque a minha vontade era de ser jornalista. Naquelas brincadeiras de criança quando os meus pais e amigos perguntavam o quê que eu queria ser, eu sempre dizia que quero ser jornalista. Este é um talento que tive a sorte de desenvolver e melhorar consciência e técnica, porque não basta sermos talentosos para fazer seja o que for, temos de aprender a ciência e a técnica, isso melhora o nosso desempenho”.

Questionada sobre as suas abordagens desportivas, Ínguane retorquiu que “cresci no meio de homens, além de que eu era uma menina que tinha dois irmãos rapazes, então, as brincadeiras que tinha de fazer eram as de rapazes, jogar a bola, saltar o muro, subir às árvores, entre outras coisas acessórias que ajudaram-me a identificar o quê que eu gostaria de fazer. E tive a sorte de ter uma família compreensiva que abriu as portas e ajudaram-me a alcançar os meus sonhos”.

Em Angola, Rosa Ínguane viveu entre os anos 1991 e 2002, onde, simultaneamente, correspondia com a Rádio Moçambique (RM) e a Agência de Informação de Moçambique (AIM). Foi nesse período que a jornalista uniu-se, maritalmente, com Ambrósio Narciso, oficial das Forças Armadas Angolanas.

“Fui viver em Angola numa altura em que havia uma guerra civil. Foi uma grande escola para mim, a vida e a informação tudo circulava em torno da guerra, da paz e dos processos políticos até quando voltei para Moçambique em 2002. Foi interessante porque eu já tinha muitas amizades, atendendo a questão de que o meu padrinho de registo é um angolano, então fui, também, encontrar outra parte da minha família em Angola, onde vive esse tempo todo”, narra, emocionada, a nossa fonte.

Rosa prossegue que “foi uma experiência intensa, mas também tive a sorte por ser de um país onde a língua oficial é portuguesa e o povo angolano e moçambicano tem uma relação de amizade especial, então sentia-me em casa. Fui muito bem tratada pelos amigos angolanos, inclusivamente me casei por lá com um angolano. Foram 11 anos intensos que vive em Angola, na actividade jornalística, porque quando há um fenómeno fora do normal como é o estado de guerra num país, a vida toma direcções e a informação que interessa as pessoas é aquela sobre a guerra, desastres humanitários, enfim são notícias de desgraças como é aquilo que se diz que uma notícia é uma má notícia”.

Ainda na abordagem sobre a sua vida particular, Rosa avança que “casei lá em Angola no período de 11 anos, infelizmente meu marido angolano faleceu em 2019 quando eu já estava aqui em Nampula. Mas, também, foi um tempo muito bom, uma relação muito boa da qual eu sinto muitas saudades, porque ele lá em Angola acolheu-me no seu seio ainda com a particularidade de que eu não tinha família, então eles eram os meus pais, minhas mães e avós”.

Embora não tenha filhos na sua relação com o oficial das Forças Armadas Angolanas, a jornalista explica que teve muitos proveitos, na medida em que possuía informações em exclusivo sobre a guerra, facto que contribui no seu desempenho profissional. Para ela “é preciso o jornalista criar a sua rede de informantes e ter conexões porque precisa-se disso”.

Sobre a sua relação Rosa explica que não teve filhos porque por um lado, quando entra em Angola já tinha uma e única filha, razão pela qual a opção era se focar no jornalismo, por isso não quis se aventurar em ser mãe novamente. Por outro lado, o seu marido angolano já era pai de seis filhos, o que quer dizer que não era opção dos dois ter filhos.

“Morrer como jornalista é o meu desejo”

“A perspectiva é continuar a fazer o que estou a fazer agora, trabalhar. Já não trabalho com a mesma intensidade de antes, porque, também, já sou idosa e preciso de cuidar da minha saúde. Mas continuarei a fazer jornalismo até minha condição física ou mental obrigar-me a ficar sentada e deitada numa esteira em casa, enquanto isso não acontecer vou sempre andar por aí”, aponta nossa interlocutora, avançando que “eu percebi que esta é uma profissão de longevidade, por isso eu deixo de exercer quando não conseguir teclar no meu computador, não conseguir fazer uma entrevista, quando já não tiver energia para tal. Esta é uma profissão que te desafia a melhorar e isso é um processo dinâmico, porque cada dia que passa há algo para contar”.

Rosa defende a inclusão de repórteres mulheres em redacções, porque “constitui uma mais-valia quando comparado com o homem”. No seu entender, “é mais fácil uma mulher abordar uma fonte e de imediato a fonte estar disponível para dar informação. Os sentimentos emocionais ajudam muito no exercício do jornalismo para uma mulher”.

Inguane do rm desporto

Entretanto, a nossa fonte comenta que “uma outra particularidade que eu acho que inibe a presença de mulheres nas redacções é o tempo de trabalho. Esta profissão é muito absorvente, a pessoa fica com pouco tempo para fazer outras coisas, ela exige muito do profissional enquanto as tarefas domésticas exigem muito da mulher, também”.

O facto de ter que dar mais tempo a profissão, em gargalhadas, Rosa Íngua afirma que “até hoje eu não sei cozinhar. Cada vez que tenho de ir à cozinha são queixas e um desastre, isso porque não tive tempo suficiente para ser boa cozinheira e uma boa dona de casa. Feliz ou infelizmente para eu tomar conta da minha casa sempre preciso de ajuda, arranjo alguém para me ajudar, porque eu não tenho esse talento. Eu não posso pedir que alguém seja jornalista em minha substituição, mas posso pedir para me ajudar em minhas tarefas domésticas”, concluiu recordando que uma das melhores coberturas que fez é com a Chama da Unidade Nacional, a quando da sua passagem pela província de Nampula no périplo nacional. (Texto: Esmeraldo Boquisse *Foto: Hermínio Raja)

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